Por Mário Moscatelli*
Hoje, nesta quarta-feira, 27 de abril de 2016, apenas cem dias, 2.400 horas nos separam do maior evento esportivo do planeta, onde estimados 3 bilhões de terrestres verão a cidade do Rio de Janeiro, o verdadeiro purgatório da beleza e do caos ambiental.
Quando se candidataram à sediar os jogos olímpicos, as autoridades brasileiras entre outras tantas coisas prometeram uma expressiva melhora das condições ambientais da baía de Guanabara, saco sem fundo de centenas de milhões de dólares investidos em projetos de recuperação e obras onde sobraram incompetência, impunidade e falta de gestão no hipotético desejo de recuperar a baía.
Mas não era só isso. Também prometeram a recuperação dos principais rios que chegam como valões de lixo e esgoto ao sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, como da dragagem de ao menos 5 milhões de metros cúbicos de lama e lixo que só na lagoa da Tijuca transformaram a mesma num canal raso, fétido, cercado por ilhas de lama e lixo.
Nada aconteceu, seja pela mais clara falta de vontade de cumprir o acordado no caso da baía e no caso dos rios da baixada de Jacarepaguá. Simplesmente as autoridades se comprometeram e resolveram desde o início que iriam enrolar até não dar mais tempo ou explodir a crise econômica que foi gestada nos últimos anos até explodir em 2016 em toda a sua plenitude.
No caso da dragagem das lagoas, a ação dos órgãos de fiscalização estadual e federal foram decisivos para os sucessivos adiamentos em relação ao início efetivo das obras. Visando preencher lacunas técnicas e legais que segundo ambos os órgãos deveriam ser equacionadas, passaram-se quase 24 meses de muitas idas e vindas e até conflitos explícitos entre os diferentes níveis de fiscalização. Pois bem, agora provavelmente devemos ter bastantes estudos sobre todas as demandas exigidas que se acumulam em algum lugar sem muita utilidade prática, enquanto as lagoas continuam em sua permanente agonia, transformadas em latrinas pútridas e latas de lixo, visto que os recursos que existiam, foram “extintos” em quase sua totalidade fruto da crise. A sociedade, aquela que paga a conta dos estudos e do funcionamento das esferas do poder público envolvidas na fiscalização e gestão ambiental, essa fica com o sistema lagunar podre e emanando gás sulfídrico e metano por tempo indeterminado, ou talvez até a próxima grande inundação na baixada de Jacarepaguá que inevitavelmente está sendo criada pela irresponsabilidade de todas as esferas do poder público e apatia daquela que paga, não leva e ainda faz piada, a tal sociedade mansa e ordeira.
2.400 horas até o início das olimpíadas e de legados ambientais só mesmo no mundo das intenções, pois quando comparado com o que deveria ter sido executado estamos à anos luz de distância. Em resumo nos prometeram um V8 e nos entregaram um velocípede como manda a praxe da classe política brasileira.
Mas o pior ainda pode estar por vir. Caso chova em agosto próximo, a Natureza, terá a oportunidade de se vingar com todo seu poder das autoridades que prometeram e nada praticamente fizeram em termos ambientais.
Na baía, caso chova com média intensidade, uma torrente de esgoto e resíduos poderá se apoderar das raias de competição durante o período de maré baixa, gerando problemas intransponíveis para as competições tanto do ponto de vista de saúde como das barreiras criadas pelos sacos plásticos, embalagens e tudo mais que se possa imaginar que é lançado nos rios e desses para as águas da baía. Nas lagoas sejam a Rodrigo de Freitas como as do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, uma poderosa ressaca poderá remexer com o fundo pútrido liberando grandes volumes de metano e gás sulfídrico, esse último gerando irritação nas mucosas de quem se atrever à respirar o ar contaminado. Ambos os gases também poderão ainda provocar a morte de peixes que ainda sobrevivem no caldo de esgoto, lixo e cianobactérias que caracteriza as lagoas da baixada de Jacarepaguá, acumulando-se em suas margens.
Os elementos para um fiasco olímpico-ambiental planetário está montado, bastando para o “gran finale” apenas a ação da Natureza, pois da parte dos administradores públicos, praticamente tudo para dar errado foi meticulosamente preparado para o evento.
“Nunca em tempo algum” pensei que o sonho de ver a baía e as lagoas recuperadas teria se tornado o pesadelo que vivo agora, bem como nunca imaginei, que as autoridades brasileiras fossem tão irresponsáveis à esse ponto.
Estava enganado, mais uma vez.
Mario Moscatelli. biólogo, Mestre em Ecologia, trabalha incansavelmente na luta para a preservação e recuperação dos ecossistemas brasileiros
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