Por Talden Farias*
1 A expressão meio ambiente não é a mais adequada tecnicamente, posto que meio e ambiente são sinônimos. Com efeito, enquanto meio significa “lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos; ambiente”, ambiente é “aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas”[1]. Por isso se utiliza em Portugal e na Itália apenas a palavra ‘ambiente’, à semelhança do que acontece nas línguas francesas, com milieu, alemã, com unwelt, e inglesa, com environment[2]. A despeito disso, a terminologia se consagrou definitivamente ao ser positivada primeiramente pela Lei 6.938/81 e, depois, pela Constituição da República de 1988, que deu à expressão o sentido mais aberto possível.
2 O caput do artigo 225 da Constituição Federal dispõe sobre o direito ao meio ambiente “ecologicamente” equilibrado. Trata-de de uma redundância, pois não pode existir meio ambiente equilibrado que não seja meio ambiente ecologicamente equilibrado.
3 É sabido que a Carta de 1988 foi apelidada de “Constituição Verde” tendo em vista as várias referências diretas ou indiretas ao tema meio ambiente ou ecologia ao longo do seu texto. Contudo, essa não foi a primeira Lei Fundamental brasileira a fazer menção ao assunto, já que o artigo 172 da Emenda Constitucional n. 1/69, que alterou a Constituição de 1967, utilizou a expressão “ecológico” ao determinar que “A lei regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola das terras sujeitas a intempéries e calamidades”. “O mau uso da terra impedirá o proprietário de receber incentivos e auxílios do Governo.” Infelizmente, esse dispositivo não teve maiores desdobramentos práticos, a despeito de prenunciar, de algum modo, a dimensão que a questão ambiental assumiria nas décadas seguintes.
4 Com efeito, existem inúmeras referências à temática ambiental no Texto Constitucional, havendo inclusive um capítulo inteiro sobre a questão (que é o Capítulo VI do Título VIII, onde se encontra o artigo 225 e seus parágrafos e incisos). Todavia, é perfeitamente possível afirmar que a essência do direito ao meio ambiente equilibrado está no caput desse dispositivo, o qual determina que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Trata-se da norma-matriz do Direito Ambiental, a qual deverá fundamentar a interpretação e aplicação de todas as demais regras constitucionais e infraconstitucionais sobre o assunto. Com efeito, tamanha é sua importância que esse dispositivo é apontado como uma espécie de “mãe” de todos os direitos ambientais consagrados na Constituição da República[3].
5 Apesar de configurar o meio ambiente como direito fundamental ao dispor no caput do artigo 225 que se cuida de um valor essencial à sadia qualidade de vida, a Constituição não estabeleceu o conteúdo do conceito de meio ambiente, deixando essa tarefa a cargo da doutrina, da jurisprudência e da legislação infraconstitucional. O preenchimento desse conteúdo é essencial porque implica na delimitação do próprio objeto das normas constitucionais que versam sobre a matéria, bem como do Direito Ambiental brasileiro de uma forma geral. E óbvio que a opção do legislador constituinte originário por uma conceituação em aberto não foi aleatória, pois objetivava fazer com que a atualização de tal conteúdo ocorresse sem que a Carta Magna tivesse de sofrer emendas, seguindo o natural processo de mutação constitucional.
6 O meio ambiente equilibrado não é apenas um direito, mas também um dever de toda instituição e de qualquer cidadão. É que o caput do art. 225 da Constituição estabelece que cabe “ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
7 O caput do artigo 225 da Constituição Federal dispõe que o meio ambiente é bem de uso comum do povo. Ocorre que pelo artigo 99 do Código Civil os bens de uso comum do povo são aqueles utilizados livremente pela população, independentemente da chancela do Poder Público, a exemplo dos rios, mares, estradas, ruas e praças. Ocorre que o meio ambiente e os seus recursos naturais podem ser encontrados tanto em propriedades privadas quanto públicas, de forma que o legislador constituinte originário não fez uso da melhor técnica legislativa. De toda forma, a interpretação doutrinária predominante é que se trata de um bem de interesse difuso, que pode se revestir de diversas formas de dominialidade.
8 A Lei 7.735/89 criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, autarquia federal ligada ao Ministério do Meio Ambiente responsável pela execução da Política Nacional do Meio Ambiente em âmbito federal. O interessante é que o nome da instituição contém uma redundância e uma incongruência: o conceito de meio ambiente já inclui o de recursos naturais renováveis, e também não faz sentido só falar em recursos naturais renováveis deixando os não renováveis de fora.
9 O inciso XVI do artigo 3o da Lei 12.305/2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos) conceitua resíduos sólidos como o “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível”. Isso implica dizer que o resíduo sólido pode ser gasoso, líquido, semisólido ou sólido.
10 No Direito Minerário é comum se dizer que o subsolo é da União e que o solo é do proprietário da área, que é chamado de superficiário. Mas não é bem assim: o minério é da União esteja ele no subsolo, aflorando no solo ou mesmo sob o solo. O inciso IX do artigo 20 da Constituição Federal dispõe que são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”. No mesmo sentido é o inciso I do artigo 3 do Código de Minas, o qual regula “os direitos sobre as massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na superfície ou no interior da terra formando os recursos minerais do País”.
11 No Direito Ambiental recuperar e restaurar não são sinônimos, uma vez que dizem respeito à obrigações distintas. De acordo com a Lei nº 9.985/2000, recuperar é a “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original”, ao passo que restaurar é a “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original” (artigo 2o, XIII e XIV). Logo, quando o § 2º do artigo 225 da Carta Maior exige a recuperação da área degradada pela mineração, o que se busca na verdade é fazer com que o lugar volte a possuir características ambientais compatíveis com a sua função social, posto que na maioria dos casos o retorno ao status quo ante é de difícil ou mesmo impossível implementação, tendo em vista a natureza extrativa da atividade. Essa obrigatoriedade de procurar o retorno ao status quo ante é um equívoco, pois não há tal exigência, pois é a partir das peculiaridades do caso concreto que se definirão as medidas a serem tomadas, consoante dispõe o artigo 3o do Decreto 97.632/89.
12 Atualmente é praticamente uma unanimidade na doutrina e na jurisprudência a divisão do conceito jurídico de meio ambiente, para fins meramente didáticos, em meio ambiente natural, artificial, do trabalho e cultural. Entretanto, a defesa do patrimônio histórico, cultural e artístico do país já estava presente em todas as Constituições Federais desde 1934. Dessa forma, embora hoje faça parte do Direito Ambiental brasileiro, a proteção do patrimônio cultural começou a se dar muito antes da afirmação da própria discussão ambiental. Isso significa que o Direito Ambiental se apropriou e ressignificou temas que já se faziam presentes no ordenamento jurídico nacional.
13 A doutrina e a jurisprudência entendem majoritariamente que a Constituição Federal adotou o paradigma antropocêntrico ao estabelecer no caput do artigo 225 o direito de todos ao meio ambiente equilibrado, já que o ordenamento jurídico é construído pelos seres humanos com o intuito de disciplinar a vida em sociedade. Não obstante isso, o inciso VII do § 1º do dispositivo citado veda a crueldade animal em qualquer hipótese, independentemente de existir risco à saúde humana ou ao meio ambiente como um todo ou não. Cuida-se, portanto, de um dispositivo biocêntrico em meio a uma legislação predominantemente antropocêntrica.
14 O § 4º do artigo 225 da Lei Maior dispõe que “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”. É interessante observar que três biomas brasileiros não foram incluídos, que são a caatinga, o cerrado e o pampa, ao passo que a Serra do Mar, que não é bioma, foi inserida.
15 Possivelmente, nenhuma área do Direito tem tanta sigla quanto o Direito Ambiental. Seguem alguns exemplos AAAS, AAE, AAI, ADA, Abema, ANA, Anamma, Anatel, ANM, Aneel, APA, APP, ASV, Arie, Canie, CDB, CGEN, Coema, Comuna, CNEA, CNEN, CNRH, Conaglor, Conama, FMPM, FNMA, Flona, EIA/Rima, EIV, ESEC, ETE, ETM, EVA, EVQ, FCA, FCP, Funai, Ibama, ICMBio, Iphan, LI, LO, LP, LPI, Lpper, Ppro, LPS, MMA, Oema, OGM, OJN, Omuna, Parna, PBA, PCA, PCH, PCPV, PNMA, PNRH, PNRS, Pnud, Pnuma, POPs, PRA, PRAD, Proconve, Promot, Pronacor, Pronar, Pronea, PSA, RAP, RAS, RCA, Rebio, Rexex, RL, RPPN, Revis, RVA, Sinaflor, Sindec, Singreh, Sisnama, Sisnima, Snnuc, Sopep, SRH, TAC, TC, TCFA, TR, ZA, ZEE, ZEIS… Bom parar por aqui porque a lista é realmente enorme.
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
[2] FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
[3] BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (coords). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 104.
*Talden Farias é advogado, professor da UFPB e da UFPE e doutor em Direito da Cidade pela UERJ. Autor de “Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos” (7. ed. Fórum, 2019).
Fonte: Conjur
Publicação Ambiente Legal, 06/11/2020
Edição: Ana A. Alencar