Quando a democracia foi defendida nas ruas
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
No Brasil – mobilização popular derruba governo, e o povo que sai às ruas, fá-lo de forma pacífica e desarmada. Essa tradição remonta há 60 anos, quando uma série de massivas manifestações populares derrubaram, de fato, o Governo de João Goulart.
A mobilização, denominada Marcha da Família com Deus pela Liberdade demonstrou a força da organização popular e a união do povo brasileiro com sua raiz cristã e o conservadorismo.
Eu me lembro do clima, pois contava quatro para cinco anos de idade. Me lembro da agitação em casa. De meus pais se organizarem para ir à manifestação, marcada pela inédita e massiva presença feminina.
O movimento representou uma impressionante e legítima manifestação popular. Definiu aquilo que aprendi ser a melhor definição de POVO – escrita pelo historiador Nelson Werneck Sodré. O POVO se diferencia da população de um país por se destacar como a camada efetivamente articulada e interessada no desenvolvimento social e econômico da Nação.
Essa definição expressa a quem o Estado – a sociedade politicamente organizada – deve servir prioritariamente.
A primeira manifestação de protesto ocorreu em Minas, em Belo Horizonte, contra a presença de Leonel Brizola, e surpreendeu a esquerdalha que havia se apropriado do governo Jango Goulart – um jovem estancieiro getulista que ascendeu à política quinze anos antes, como Ministro do Trabalho do governo de Vargas e que assumira a presidência em razão da renúncia de Janio Quadros – ou seja, assumiu com viés trabalhista, um governo eleito udenista…
O eleitor brasileiro elegera um governo moralizante e conservador… e por conta da crise, viu-se submetido a um regime “de Jango”, contra o qual escolhera Jânio.
Importante destacar esse ponto – pois revela o grave problema de então – da ilegitimidade advinda de um vice-presidente que na época era eleito de forma autônoma… e que não guardava qualquer identidade com o presidente eleito ou mesmo a bancada majoritária do Congresso Nacional.
O movimento marcou a grande mobilização das mulheres mineiras contra os arroubos “fidelistas” expressados por Jango, impulsionado por Leonel Brizola, seu cunhado e candidato à vaga presidencial – postado bem mais à esquerda e secundado pelo comunista Miguel Arrais, que assumira o governo do estado de Pernambuco.
Importante relatar a confusão eleitoral na época: as eleições presidenciais ocorriam um ano após as eleições para governador e parlamentos. Isso fazia com que a corrida eleitoral se precipitasse e a radicalização dos discursos ocorresse no último ano de gestão do governante – no caso, 1964.
Jango, atendendo à demanda esquerdista que o apoiava, buscou uma reação, produzindo comícios sindicais em resposta à mobilização conservadora – e nesses comícios exercitou perigosa verborragia, pregando reformas radicais na propriedade urbana e rural e, também, provocando os brios militares, conclamando a praça a se organizar politicamente.
Goulart assinou decretos permitindo a desapropriação de terras numa faixa de dez quilômetros às margens de rodovias, ferrovias e barragens e transferindo para a União o controle de cinco refinarias de petróleo que operavam no país. Além disso, prometeu realizar as chamadas reformas de base, uma série de reformas administrativas, agrárias, financeiras e tributárias, para garantir o que ele chamava de “justiça social”. Com discurso insuflado, promoveu a insubordinação, incitando os sargentos da marinha a amotinarem-se nos quartéis. Goulart linkou sua pretensa reforma urbana com a implementação de um “imposto sobre grandes fortunas” – deixando antever que desapropriaria residências em cidades.
Paripassu à demagogia esquerdizoide, o líder comunista Carlos Prestes anunciava em entrevistas nos jornais que “os comunistas já estavam no governo… e iriam tomar o poder”.
A desfaçatez escalafobética do Presidente Jango Goulart tem seu auge num comício de 13 de Março de 1964, no qual este proferiu um longo discurso, anunciando o início das reformas “de base” – com evidente viés socialista, além lançar frases de efeito como “os rosários da fé não podem ser levantados contra o povo” (referência ao episódio no qual mulheres com rosários nas mãos impediram o governador gaúcho Brizola, de discursar em Belo Horizonte, no início de março).
O clima estava tenso e o contexto não podia ser mais grave – a Guerra Fria estava no auge e a chamada “estratégia do dominó” contaminava a geopolítica, contabilizando regimes que se dobravam para a direita ou para a esquerda, em direção ao ocidente ou à cortina de ferro.
Há menos de vinte anos, o mundo acordava do pesadelo nazista e enfrentava a descoberta do pesadelo comunista sob Stalin. A Revolução Cubana sofria uma guinada com Fidel assumindo o perfil de ditador comunista. Assim, de fato, não havia espaço para proselitismo esquerdista, flertes com comunistas ou posturas hesitantes.
Ao contrário das narrativas montadas hoje para desacreditar a mobilização democrática, o povo saiu em massa para as ruas das principais capitais do país.
A primeira marcha ocorreu em São Paulo. O deputado Cunha Bueno e o governador Ademar de Barros, com o apoio da União Cívica Feminina e da Campanha da Mulheres pela Democracia, articularam a grande marcha no dia de São José – 19 de Março.
Mais de 500 mil pessoas se reuniram na Praça da República rumo a Praça da Sé, onde foi rezada uma missa “pela salvação da democracia”.
Na época, o jornalixo ainda era incipiente e a mídia não escondeu a manifestação, de impressionante magnitude, revelando profunda rejeição popular ao que se pretendia no Planalto.
Em 21 de março foram realizadas marchas em Araraquara e Assis. No dia 25, mais de 80 mil pessoas marcharam em Santos; no dia 28 os moradores de Itapetininga realizaram sua marcha e, no dia 29, ocorreu marchas em Atibaia, Ipauçu e Tatuí.
As manifestações ocorreram também em outros estados. No dia 24, foi realizada uma marcha na cidade de Bandeirantes no Paraná.
As “marchas” ocorreram por todo o país, a partir de 19 de março. Eram “marchas” por conta de serem passeatas, com origem e destino definidos, culminando com um comício. A enorme mobilização popular foi seguida pela movimentação de tropas e, em 31 de março, Jango Goulart e Leonel Brizola fogem do país, refugiando-se no Uruguai. O Congresso Nacional declara a presidência vaga e destitui legalmente o mandatário ausente, assumindo interinamente o Presidente da Câmara Federal.
Importante notar o detalhe histórico. As Forças Armadas do Brasil, só saíram dos quartéis por serem sensíveis ao claro e massivo clamor popular, atentas ao risco real representado por uma esquerda que ilegitimamente havia aparelhado o Poder Central e, preocupadas com o processo de sublevação em suas fileiras, incitado pelo próprio Presidente da República em exercício. A legitimidade da ação era clara e absolutamente consentânea com o contexto nacional e mundial.
Em 2 de abril de 1964, um (1) milhão de pessoas lotaram as Ruas do Rio de Janeiro, na chamada Marcha da Vitória, lideradas pelo governador Carlos Lacerda, o grande líder conservador e na época o maior tribuno da política brasileira. Embora estivesse programada no bojo das Marchas da Família Com Deus Pela Liberdade, a queda do governo Jango alterou a denominação da mobilização, impulsionando-a sobremaneira.
Foram, ao todo, 49 marchas – entre 19 de março e 8 de junho de 1964 – algo somente superado pelas jornadas de junho de 2013 e mobilizações pelo impeachment da comunista Dilma e de apoio a Bolsonaro, nos anos seguintes.
Assim, passados 60 anos da manifestação em São Paulo, devemos sim comemorar o fato, por representar a expressão da coragem cívica de uma geração contra o mal representado pela bravata esquerdista que ameaçava o Brasil.
Devemos anotar que o POVO brasileiro sempre esteve atento às ações golpistas protagonizadas pela esquerda no Brasil – estas, aliás, sempreforam marcadas pela balbúrdia e manchadas de sangue. Ao contrário, as manifestações conservadoras sempre ocorreram de forma pacífica e massiva – ainda que quebra-quebra houvesse – nunca ocorreu confronto armado, sangue e mortes.
No entanto, há um dado histórico absolutamente hipócrita, hoje, como há sessenta anos atrás, a esquerda brasileira SEMPRE buscou estigmatizar essas massivas e pacíficas manifestações como “golpistas” e, também, sempre buscou exculpar as badernas próprias denominando-as como legítimas “manifestações populares”. O vitimismo sórdido, portanto, é parte integrante da neurolinguística esquerdista – e reside aí a grande diferença entre o bem e o mal, entre a legitimidade e a farsa.
Já as Forças Armadas – quando tinham líderes à altura de sua história (parece não terem mais), sempre estiveram atentas à essa diferença comportamental e nunca optaram pela postura covarde, hesitante, subalterna e hipocritamente “legalista”, de ignorar os valores em causa nos conflitos. Os militares de valor, na história do Brasil, até agora, sempre postaram-se ao lado do Povo ordeiro, cristão e conservador – cientes que a legalidade da ação reside sobretudo na Justiça em causa.
A democracia no Brasil, portanto, sempre se fez e se faz pelo Povo!
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. É diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 20/03/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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