Antonio Fernando Pinheiro Pedro e Carlos Rittl discutem a COP 25
Por Renato Grandelle – para a Revista Época*
Advogado que ajudou a criar o programa ambiental de Bolsonaro e secretário executivo de rede de ONGs falam sobre os efeitos no governo brasileiro da conferência do clima, que acontecerá em Madri nas duas primeiras semanas de dezembro
ANTONIO FERNANDO PINHEIRO PEDRO , 60 anos, paulista
O que faz e o que fez: formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), foi consultor do Banco Mundial e fundador da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil. Integrou a equipe de transição do governo Bolsonaro para avaliar a reestruturação do Ministério do Meio Ambiente** e a política sobre o aquecimento global***
CARLOS RITTL , 50 anos, paulista
O que faz e o que fez: secretário executivo do Observatório do Clima desde 2013, é administrador público, mestre e doutor em biologia tropical e recursos naturais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Foi coordenador da campanha sobre a Amazônia da ONG Greenpeace e do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil
O senhor acredita que a 25ª Conferência das Partes (COP 25), que acontecerá na Espanha em dezembro, influenciará o governo Bolsonaro?
ANTONIO FERNANDO PINHEIRO PEDRO Se a tendência for seguir os encontros técnicos realizados até agora, então a COP não terá qualquer influência. O Ministério da Agricultura está protegendo o agronegócio, firmando uma série de protocolos. Já o do Meio Ambiente está em cima do muro. É o ministério do morde e assopra. De um lado, precisa cuidar da gestão territorial, do controle de metas. Do outro, precisa lidar com a visão do Itamaraty, que não acredita no aquecimento global.
CARLOS RITTL Só vai influenciar se houver ameaças a exportações e contestação à reputação de nossas empresas. Ou seja, o governo só agirá se as ações que tomou até agora provocarem prejuízos econômicos. Foi o que aconteceu durante as queimadas na Amazônia. Quanto ao Acordo de Paris, o Brasil não tomará qualquer providência. Não existe qualquer estratégia para a implementação.
O Brasil deve sair do Acordo de Paris, negociado na COP 21, em 2015, para fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima?
AFPP Devemos questionar seu formato. O documento tem um equívoco estratégico: em vez de focar em medidas para reduzir emissões, decidiu estabelecer que a temperatura não pode aumentar mais de 2 graus célsius em 100 anos. O Acordo de Paris é uma ilusão fabricada. Faz parte de uma onda de bobagens criadas pela crença de que há um consenso entre pesquisadores sobre o aquecimento global. Deixamos de ouvir os cientistas dissidentes. É verdade que o clima do planeta já sofreu inúmeras alterações, mas ainda não sabemos qual é a força do ser humano nisso. Todos devem ser ouvidos, vamos fazer um verdadeiro debate, deixar o pau comer.
CR Não. Além da possibilidade de retaliações comerciais, precisamos lembrar que somos muito vulneráveis às mudanças climáticas. Entre 2013 e 2017, mais de 48% dos municípios brasileiros tiveram problemas com a seca. Isso significa ( falta de água em ) mais de 2.700 cidades, seja para agricultura ou para o consumo humano. E mais de 1.700 municípios, ou 31% do total, registraram enchentes e alagamentos no mesmo período. Vamos pagar caro se não agirmos.
Qual é a responsabilidade do Brasil para o controle do aquecimento global?
AFPP O Brasil tem um papel muito importante para a manutenção da estabilidade do clima, já que a Amazônia e nossa imensa costa capturam gases de efeito estufa. Também somos o único país do mundo em que mais da metade da geração de energia vem de hidrelétricas, o que é uma imensa vantagem. Nosso maior problema é o desmatamento. Mas precisamos ter cuidado ao falar sobre isso. Nem sempre ele é resultado de incêndios. Boa parte da mudança do uso da terra é causada pelo agronegócio, que também é uma atividade que absorve gás carbônico. A cana-de-açúcar cumpre muito bem esse papel.
CR O Brasil é um dos maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa. Mas temos um enorme potencial para desenvolver energias renováveis e reformar a agropecuária, promovendo empregos e reduzindo a desigualdade social. Infelizmente, estamos seguindo o caminho inverso e incentivando práticas de 50 anos atrás.
O Brasil tem direito a pedir recursos para os países desenvolvidos, que seriam usados em programas contra as mudanças climáticas?
AFPP Sim. O Brasil foi muito explorado pelo neocolonialismo eurocentrista, que criou normas em acordos internacionais prejudiciais a nosso país. Eram documentos que condicionavam a liberação de verbas ao cumprimento de metas, ignorando o fato de que já havíamos obedecido a boa parte delas há anos, já que temos uma legislação ambiental muito avançada. Os governos tucanos e petistas foram submissos. O mundo tem uma dívida com o Brasil.
CR O Brasil pode pleitear um financiamento internacional, porque reduziu as emissões de gases de efeito estufa nos últimos anos, mas não sei se receberá verbas. Primeiro, porque há uma imensa desconfiança sobre as intenções do atual governo em implementar os acordos assinados. Segundo, porque o acesso ao dinheiro depende da apresentação de projetos que mostrem como o país pretende reduzir ainda mais suas emissões, e nós não temos nenhum plano. Pelo contrário. A Secretaria de Mudanças do Clima, que fazia parte do Ministério do Meio Ambiente, foi extinta. Ninguém vai assinar um cheque em branco para o Brasil.
Nos últimos meses, o Brasil registrou queimadas e desmatamento na Amazônia e agora vive a crise do óleo em suas praias. Isso prejudica nossa imagem no exterior?
AFPP Claro. Somos vítimas da má informação. Para começar, não tivemos desmatamento recorde. Esse índice até avançou, mas já foi bem pior na década passada. Em nenhum momento nosso cenário foi tão grave como retratado no exterior. Essa discussão foi politizada para nos prejudicar. Obviamente, precisamos melhorar a gestão de nosso território, mas, na época das queimadas, houve ameaças até à soberania de nosso país, e isso é injustificável. Sobre o óleo, nossa imagem foi afetada porque tínhamos instrumentos para reagir a essa crise, mas não chegamos a tempo.
CR Sim. Não somos mais vistos como um país que quer confrontar as mudanças climáticas. Isso é péssimo. Autoridades do governo contestam a existência do aquecimento global. Não vamos reconquistar a confiança internacional com dados distorcidos ou discursos arrogantes, como o que o presidente Jair Bolsonaro fez na Assembleia Geral das Nações Unidas ( na ocasião, o presidente disse que o Brasil é um dos países que mais protegem o meio ambiente e que a mídia mentia ao afirmar que a Amazônia estava sendo devastada pelas queimadas ).
NOTAS:
* Publicação da Revista Época, 29Nov2019, in https://epoca.globo.com/sociedade/antonio-fernando-pinheiro-pedro-carlos-rittl-discutem-cop-25-24107280
** PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Notas Sobre o Sisnama e Sobre a Estrutura do Ibama”, in Blog The Eagle View, Jan2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/01/notas-sobre-o-sisnama-e-sobre-estrutura.html
***PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Reposicionamento da Gestão do Clima no Governo Bolsonaro – Uma Proposta”, in Blog The Eagle View, jun2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/06/reposicionamento-da-gestao-do-clima-no.html