Por Ricardo Viveiros*
No Brasil, 28 de janeiro é lembrado como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Foi nesta data que, em 2004, Ailton Pereira de Oliveira, motorista, e Eratóstenes de Almeida, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lage, auditores-fiscais, todos funcionários do Ministério do Trabalho, ao investigar denúncias de trabalho escravo na região rural da cidade de Unaí, noroeste de Minas Gerais, foram assassinados. O carro em que estavam foi abordado por homens armados que mataram os funcionários públicos à queima-roupa. O fato, que obteve repercussão internacional, ficou conhecido como a “Chacina de Unaí”.
Os irmãos Antério e Norberto Mânica, este último fazendeiro denominado ”Rei do Feijão”, foram acusados pelo Ministério Público Federal de serem os mandantes do crime. São conhecidos sonegadores de impostos. Em 2015, 11 longos anos depois do brutal assassinato, o Tribunal do Júri de Minas Gerais condenou os dois irmãos, na condição de mandantes, e também José Alberto de Castro e Hugo Pimenta, como intermediários, pelo homicídio dos fiscais e do motorista, além dos pistoleiros Rogério Alan Rocha Rios, Erinaldo de Vasconcelos Silva e William Gomes de Miranda como executores das mortes.
Embora um dos mandantes, Norberto, seja réu confesso, nem ele e nem o irmão, ex-prefeito de Unaí, foram presos porque se valem de constantes recursos junto às instâncias superiores da Justiça. Em novembro de 2018, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a condenação de Norberto como mandante do crime, mas anulou a sentença de Antério Mânica. As condenações dos intermediários do crime e as dos executores, permaneceram valendo. O MPF recorreu contra a redução de pena de todos eles e, também, para que seja restabelecida a sentença de Antério. Os recursos serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No Brasil, o trabalho escravo ainda existe e acontece em áreas rurais, carvoarias, confecção de manufaturados, construção civil e, também, na exploração sexual. Trata-se de um crime que, na sua maioria, atinge pessoas negras, do gênero masculino e com baixa escolaridade. E alguns imigrantes, notadamente da América do Sul, Caribe e África.
No caso de prostituição forçada, inclui mulheres e transexuais. Em todos esses desrespeitos aos direitos humanos, também verifica-se a presença de adolescentes e até crianças.
No período de 2003 à 2018, segundo dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram resgatados no Brasil mais de 45 mil trabalhadoras e trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Entre as vítimas, cerca 31% eram analfabetas; 39% tinham estudado só até o 5º ano do Ensino Fundamental; 54% se declararam negras ou pardas; e 94,7% eram do gênero masculino.
As origens da escravidão são muito antigas. Quando invadiu o Brasil, em 1500, Portugal tinha uma população pequena, de cerca de dois milhões de pessoas, e não havia como abrir mão de parte de seus habitantes para colonizar sua conquista americana. Tentaram primeiro escravizar os indígenas que eram os habitantes do Brasil, mas logo perceberam que seria pouco lucrativo. Por outro lado, os padres católicos, notadamente os jesuítas, protegiam as tribos e não havia interesse da Corte Portuguesa de se indispor com a poderosa Igreja.
Então, para suprir os braços que faltavam, os colonizadores usaram a escravidão, que já era praticada na África e no mundo árabe. Os portugueses trouxeram negros das suas colônias africanas para serem escravos no Brasil. O transporte de pessoas escravizadas fomentou a produção de mais embarcações, alimentos, vestuário, armas e outros produtos, todos ligados ao comércio de seres humanos. Por isso, o tráfico negreiro representou um ótimo negócio para Portugal e movimentava grandes cidades nos três continentes.
Além dos portugueses, também espanhóis, franceses, holandeses e ingleses tornaram a escravidão um negócio lucrativo. Superlotaram os porões de seus navios com negros africanos para serem vendidos não apenas nos portos brasileiros, como em toda América. Após sua captura na África, os seres humanos escravizados enfrentavam a perigosa travessia para o Brasil nos porões dos navios negreiros, onde muitos morriam antes de chegar ao destino.
Já em solo brasileiro, as pessoas escravizadas não ganhavam nada; ao contrário, só perdiam, pois se tornavam propriedade de um semelhante branco. Este contingente de negros produziu toda riqueza no Brasil: plantio, colheita, transformação dos produtos rurais, transportes, construção de casas, engenhos, igrejas, sistemas de serviços urbanos (água, esgotos, iluminação, ruas etc.), serviços domésticos e em comércio, tudo era feito por escravos. As condições de escravidão no Brasil eram as piores possíveis e a vida útil de um adulto não passava de 10 anos.
Esse absurdo sistema levou muito tempo para acabar, mas acabou com muitas vidas humanas. Foram necessárias quase quatro décadas depois da primeira concreta iniciativa. Um processo sofrido, lento, de muita resistência e combate, que começou com a proibição do tráfico em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, passou pelas leis do Ventre Livre (1871) e dos Sexagenários (1885) para, apenas em 1888, a escravidão ser extinta com a Lei Áurea.
Desses fatos surgiu a expressão “para inglês ver”, porque foram leis protelatórias apenas para não atrapalhar o comércio com a Inglaterra, que exigia a abolição da escravatura. O Brasil foi o último país do Ocidente a extinguir a escravidão, e não foi por respeito ao próximo. E aí origina-se o racismo estrutural que permanece até hoje.
Portanto, é inconcebível que 133 anos depois do fim da exploração desumana do homem pelo homem, ainda haja trabalho escravo aqui no Brasil. Este Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo é uma data importante para reflexão e continuada luta pelos direitos humanos.
*Ricardo Viveiros – Jornalista e escritor, autor de 41 livros, lecionou por 25 anos para cursos superiores de graduação e MBA. Recebeu a medalha da Organização das Nações Unidas (ONU) no Ano Internacional da Paz (1986), foi escolhido pela ABERJE, “Comunicador Empresarial do Ano”, em 2013 e tem o título de “Notório Saber”, em nível de doutorado, recebido da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Fundou e dirige, desde 1987, a RV&A.
Fonte: o próprio autor
Publicação Ambiente Legal,28/01/2021
Edição: Ana A. Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opiniao da revista, mas servem para informação e discussão.