Por Paulo de Bessa Antunes*
O nacionalismo cego é o pior inimigo que um país pode ter, pois é interno. Não é novidade para ninguém que a “política” ambiental ora praticada pelo Brasil é uma tentativa de retorno à década de 70 do século XX, o que, além de ser impossível é altamente prejudicial aos interesses nacionais, sob qualquer prisma que se examine o assunto. Meio ambiente não é somente uma questão de tartarugas ou araras-azuis.
A Declaração do Rio[1] arrola 27 princípios, cuja imensa maioria tem natureza econômica. Com efeito, o conceito econômico de desenvolvimento sustentável está insculpido em diversos pontos do documento internacional. Destaco o princípio 4: “A fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada.”
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], desde a década de 70 do século 20, tem aprofundado as elações entre meio ambiente e economia, mediante a construção do princípio do poluidor pagador [PPP], o PPP, com natureza econômica objetiva fazer com que os custos ambientais sejam internalizados nos preços dos produtos, com vistas a evitar distorções concorrenciais. Com efeito, quando os custos ambientais não são internalizados, eles são transferidos para a sociedade. Com isto, os que não protegem o meio ambiente passam a ter preços menores. As principais resoluções do Conselho da OCDE sobre o tema são: (1) C(72)128, (2) C(74)223 e (3) C(89)99[2].
A União Europeia estabeleceu o PPP como um de seus principais princípios jurídico-ambientais, muito embora o trate como muito próximo ao princípio da responsabilidade[3]. No âmbito da Organização Mundial do Comércio [OMC] as questões ambientais ocupam local de destaque[4], sem adotar uma ordem de grandeza ou prioridade, podemos realçar: (1) a competitividade dos produtos e consequentemente dos preços, (2) pressão de consumidores nos mercados dos países mais desenvolvidos e (3) protecionismo econômico.
Existem vários casos nos quais, por trás de “restrições ambientais”, de fato, estão sendo apresentadas restrições comerciais. Um dos contenciosos mais importantes é o entre os Estados Unidos e o México envolvendo a pesca de atum e a proteção dos golfinhos. O contencioso teve inicio ainda sob a égide do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas [GATT].
O direito interno dos Estados Unidos possui uma lei de proteção aos mamíferos marinhos [The Marine Mammal Protection Act (MMPA)] que entrou em vigor em 21 de outubro de 1972[5] a qual proíbe a pesca de mamíferos marinhos nas águas jurisdicionais dos Estados Unidos, a pesca por cidadãos americanos em alto mar e a importação de mamíferos marinhos ou de produtos deles derivados para os estados Unidos.[6]
O sistema de rotulagem de produtos nos Estados Unidos criou o rótulo Dolphin Safe [seguro para golfinhos], pelo qual os produtos que não causassem danos aos golfinhos podiam ser rotulados. Os produtos mexicanos não estavam proibidos nos EUA, porém não poderiam usar o rótulo, pois os EUA alegavam que a pesca do atum mexicano causava morte de golfinhos, devido ao seu método de pesca, causavam morte de golfinhos, muito embora isto nunca tenha sido provado de fato.
O México iniciou um processo de consulta [24/10/208] em função da rotulagem, não tendo as partes alcançado um entendimento. Em 2009 foi instalado um painel [julgamento administrativo] para decisão do caso. O México alegava que a rotulagem era uma Barreira Técnica ao Comércio que se caracterizam pela utilização de normas ou regulamentos técnicos não-transparentes ou não-embasados em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes da adoção de procedimentos de avaliação da conformidade não-transparentes e/ou demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas[7]. Depois de longos anos de disputa, a OMC reconheceu que a rotulagem Dolphin Safe era uma barreira ao atum mexicano, autorizando que o México estabelecesse sanções contra os EUA de até 163, 2 milhões de dólares[8].
Os produtos brasileiros enfrentam o mesmo tipo de problema. Sejam verdadeiras ou falsas as alegações contra os produtos brasileiros, em razão de políticas ambientais desastrosas, o fato é que o mais importante não é o fato, mas a versão do fato, como dizia José Maria Alkimin. Em 2020, um grupo de banqueiros e outros próceres do mercado financeiro demonstraram preocupação com o desinvestimento no Brasil em função de equívocos na política ambiental[9].
O presidente do Banco Itaú, Candido Bracher, identificou que o maior perigo para o Brasil era o ambiental, pois “Estamos vendo neste início de ano incêndios 60% maiores do que foram no ano passado e nós precisamos enquanto sociedade nos mover contra isso”. Para o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, os impactos ambientais na economia foram “subestimados” até o momento.
As próprias instituições financeiras privadas estão muito preocupadas com as questões ambientais, tanto que estabeleceram os Princípios do Equador[10] para avaliação de riscos sociais e ambientais de projetos por elas financiados.
Logo, meio ambiente é assunto de ampla repercussão econômica e não pode ser tratado de forma descuidada, sobretudo em momento que o Brasil desesperadamente de investimentos externos.
[1] Disponível em < https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf > acesso em 23/03/2021
[2] Disponível em https://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=OCDE/GD(92)81&docLanguage=En acesso em 23/03/2021
[3] Disponível em < https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/71/politica-ambiental-principios-gerais-e-quadro-de-base > acesso em 23/03/2021
[4] Disponível em < https://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/envir_e.htm > acesso em 24/03/3021
[5] Disponível em https://www.fws.gov/international/laws-treaties-agreements/us-conservation-laws/marine-mammal-protection-act.html acesso em 24/03/2021
[6] No Brasil, os mamíferos marinhos, conforme informação do ICMBIO são da Ordem Cetacea, Sirenia e Carnivora (família Otariidae), incluindo as baleias e golfinhos, mamíferos que ocorrem exclusivamente em ambiente aquático, sendo encontrados em todos os oceanos do planeta em alguns rios. No Brasil, duas espécies ocorrem na Bacia Amazônica. Apenas uma família de Sirenia ocorre no Brasil, Trichechidae, representada pelos peixes-bois marinho e amazônico. São animais totalmente adaptados à vida aquática, com corpo fusiforme e membros posteriores ausentes, e alimentam-se de plantas. A família de carnívoros Otariidae é representada, no Brasil, pelos leões e lobos-marinhos. São animais com adaptações para vida aquática, porém também utilizam o ambiente terrestre Disponível em < https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/estado-de-conservacao/2782-mamiferos-aquaticos > acesso em 24/03/2021
[7] Disponível em < https://portal.apexbrasil.com.br/tbt-em-pauta-edicao-1/ > acesso em 24/04/2021
[8] Disonível em < https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-39715147 > acesso em 24/03/2021
[9] Disponível em < https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2020/06/banqueiros-criticam-destruicao-ambiental-de-salles-e-bolsonaro/ > acesso em: 24/03/2021
[10] Disponível em < https://equator-principles.com/ > acesso em 24/03/2021
*Paulo de Bessa Antunes é Advogado, Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, foi Procurador Regional da República – Ministério Público Federal por trinta anos. É presidente da União Brasileira dos Advogados Ambientais – UBAA
Fonte: GenJuridico
Publicação Ambiente Legal, 28/03/2021
Edição: Ana A. Alencar
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