Cabe à Polícia preservar a Ordem Pública, preventivamente e repressivamente, e efetuar a prisão do infrator
Por Ronaldo João Roth*
INTRODUÇÃO
No Estado de Direito cabe à Polícia realizar a preservação da ordem pública, agindo preventivamente para evitar as infrações penais, e repressivamente quando a infração ocorra, para a prisão do infrator.
No Brasil, a nossa Lei Maior (art. 144, § 5º, da CF) estabelece que compete à Polícia Militar realizar a preservação da ordem pública para proteção dos cidadãos, daí para esse mister dispor do poder de polícia que o legitima, e assim realizando inúmeras atividades preventivas, tais como a fiscalização de trânsito, a verificação de normalidade na condução do veículo, por meio do bafômetro, o emprego do cão para farejar entorpecentes, a realização de revistas pessoais no policiamento ostensivo, a realização de revistas coletivas nas pessoas, nos estádios de futebol, para evitar que alguém participe do espetáculo armado, a revista em veículos para se evitar o transporte de armas e entorpecente etc.
De igual modo, outros órgãos de segurança pública (art. 144 da CF), como a Polícia Penal, realizam revista pessoal, direta ou indireta, às pessoas que irão visitar seus familiares nas penitenciárias, havendo até a possibilidade de revista íntima. Também de maneira preventiva, nos aeroportos e portos a Polícia Federal emprega cães no farejamento de entorpecentes em bagagens e até contêineres etc. E, na mesma linha, as Guardas Municipais, durante o patrulhamento nas atividades de sua atribuição, inclusive com emprego de cães (STJ, AgRg no HC 597923/SP – Rel. Min. Néfi Cordeiro – J. 20.10.20). A propósito, sobre o emprego de cães nas atividades de Polícia, já escrevemos o artigo que remetemos o leitor. ¹
Enfim, é ampla a atividade de Polícia na prevenção das infrações penais calcada no poder de polícia, destacando-se assim a abordagem policial e a revista pessoal. Aliás, nesse sentido, vale trazer à colação as lições de Caio Tácito² : “O poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à administração para disciplinar e restringir, em favor de interesse público adequado, direitos e liberdades individuais. (..) é, essencialmente, preventivo. (…) no sentido que lhe atribui o Direito Administrativo, é peculiar, unicamente, à polícia administrativa (…)”
DESENVOLVIMENTO
Recomendamos a leitura do artigo sobre “Os aspectos jurídicos da busca pessoal”, pela Polícia”, de autoria de Adilson Luís Franco Nassaro ³ , o qual bem aponta a sua legalidade e necessidade nas atividades de polícia, seja pela busca pessoal, direta ou indireta, individual ou coletiva, bem como a sua fundamentação, seja pelas normas do Direito Administrativo, seja pelas normas do Direito Processual Penal. Também merece leitura o artigo sobre “A abordagem policial e busca pessoal no Direito comparado”, de autoria de José Wilson Gomes de Assis 4 , e no artigo “Operações tipo blitz e buscas pessoais coletivas: as ações preventivas da Polícia Militar e a sua legalidade”, de autoria de José Wilson Gomes de Assis 5 , que com maestria edificou importante doutrina no tema.
Nesse cenário, importante destacar quando a abordagem policial e a busca pessoal, também denominada revista pessoal, não é abusiva, quando ela for motivada por fundada suspeita, que é a situação no caso concreto ensejadora e justificadora da lícita ação policial. Em outras palavras, além da suspeita, há necessidade de algo mais a justificar aquela medida, daí a necessidade da fundada situação que autorize a ação policial. Leciona Guilherme de Souza Nucci 6 que “quando um policial desconfia de alguém, não poderá valer-se, unicamente, de sua experiência ou pressentimento, necessitando, ainda, de algo mais palpável, como a denúncia feita por terceiro de que a pessoa porta o instrumento usado para o cometimento do delito, bem como pode ele mesmo visualizar uma saliência sob a blusa do sujeito, dando nítida impressão de se tratar de um revólver. (…)”.
A jurisprudência, tanto do STF como do STJ, admitem como legal e legítima a busca pessoal pela Polícia e também é muito elucidativa: A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa (STF, 1ª T. HC 81.305/GO – Rel. Min. Ilmar Galvão – J. 13.11.01). Igualmente: “2. A permissão para a revista pessoal em caso de fundada suspeita decorre de desconfiança devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto de que o indivíduo esteja na posse de armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. É necessário, pois, que ela (a suspeita) seja fundada em algum dado concreto que justifique, objetivamente, a invasão na privacidade ou na intimidade do indivíduo.” (STJ – 6ª T. – REsp 1576623/RS – Rel. Min. Rogério Schietti Cruz – J. 08.10.19).
Já se reconheceu como fundada suspeita, por exemplo, quando o morador de uma residência, quando da chegada da Polícia, suba ao telhado da mesma (STJ, EDcl no RHC 129923/MG – Rel. Min. Nefi Cordeiro – J. 06.10.20), igualmente, quando o indivíduo ao avistar a Polícia na via pública corre para sua residência (STJ: AgRg no HC 581374/SP – Rel. Min. Jorge Mussi – J. 09.06.20; e AgRg no HC 556588/RS – Rel. Joel Ilan Paciornik– J. 05.05.20); quando o indivíduo deixa sacola ao ver a Polícia (STJ – HC 552395/SP – Rel. Min. Jorge Mussi – J. 20.02.20); quando indivíduos ao lado de um veículo atolado, ao ver a aproximação da Polícia, se põem em fuga (STJ – RHC 116805/SP – Rel. Min. Ribeiro Dantas – J. 10.12.19); quando a Polícia encontra entorpecentes próximo a pessoas (STJ – AgRg no HC 597923/SP – Rel. Min. Nefi Cordeiro – J. 20.10.20). Assim, como se demonstrou, para se legitimar a ação policial na revista pessoal, além da suspeita, há necessidade de mais algum dado concreto a justificar aquela medida.
Essas situações e outras mais estão a corroborar a licitude da ação policial e a licitude da prova colhida a justificar a persecução penal contra os infratores, assim como ocorre, com muita eficiência, quando o policial, com emprego de cães farejadores, além da suspeita despertada pela conduta de alguém ou de um veículo etc., a direcionar a abordagem, é complementada com o encontro de entorpecente pelo animal, preenchendo-se, assim, o binômio do critério subjetivo e do critério objetivo exigido pela doutrina e jurisprudência para a legalidade da revista pessoal.
De se ressaltar, também, que não é necessária autorização judicial para a Polícia realizar a busca pessoal, que também extensiva a veículos (STF, RHC 117767 – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 11.10.16; HC 168754 – Rel. Min. Marco Aurélio – J. 11.05.20), nos termos dos artigos 240, § 2º, do CPP e nos termos do art.181 do CPPM, quando ocorrer a fundada suspeita, situação essa que distingue a ação lícita daquela do abuso. Este pode se dar por mera infração disciplinar, ou até por crime de abuso de autoridade, quando a ação for arbitrária, movida por capricho ou satisfação do agente policial, ou para prejudicar outrem e for vexatória (art. 13, inc. II, da Lei 13.869/19).
A propósito, nossa palestra 7 sobre “A Nova Lei de Abuso de Autoridade e os Crimes Militares por extensão”, por ocasião das comemorações do aniversário de 50 anos da ROTA, em 2020, que se encontra disponível para acesso.
Bem a calhar, também, é a recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)8 no sentido de que é dever do cidadão aceitar a revista policial: “Permitir, sem resistir, que o policial o reviste, mesmo que considere a revista desnecessária. A revista pessoal é uma importante forma de evitar crimes ou descobrir os crimes praticados. Pode ser feita pela polícia quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na possa de arma ou de objetos relacionados a fatos criminosos. A pessoa pode, depois, questionar a legalidade da revista no Ministério Público ou na Corregedoria da Polícia.”
CONCLUSÃO
Como se vê, é totalmente regular a atividade preventiva da Polícia e, em essencial, a esta a abordagem policial e a revista pessoal, pois, havendo fundada suspeita, aquelas medidas se tornam legais, necessárias, razoáveis e proporcionais à eficácia do trabalho policial, devendo o cidadão não só compreender a atuação preventiva da Polícia, mas também acatar tal prática, licitamente realizada no Brasil e no Direito comparado, cabendo-lhe, quando houver abuso, por parte da Polícia, exercer a sua cidadania comunicando e requerendo providências junto à Corregedoria da Polícia ou junto ao Ministério Público.
Assim, a abordagem policial, em face de motivo justificado, configura estrito cumprimento de dever legal, conforme já reconheceu o TJ/RS 9 . Logo, age licitamente o policial nessa atividade.
É fortalecendo o trabalho da Polícia que o combate à criminalidade estará à altura do que preconiza a Constituição Federal no sentido de que a Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (art. 144, caput).
Notas:
[1] ROTH, Ronaldo João. Et al. O olfato do cachorro permite ao policial militar ingressar no domicílio sem autorização judicial ou consentimento de seu morador?. Jusmilitaris, localizado no link: https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/DRUGS-DOG.pdf
[2] TÁCITO, Caio. O Poder de Polícia e seus limites. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo. FGV, 1952, V. 27, pp. 8 e 10. Acessado em 01.11.20 e disponível no link: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/12238/11154
[3] NASSARO, Adilson Luís Franco. Aspectos jurídicos da busca pessoal. Teresina: Revista Jus Navigandi, ano 12, n. 1322, 13.02.07. Localizado no link: https://jus.com.br/artigos/9491/aspectos-juridicos-da-busca-pessoal
[4] ASSIS, José Wilson Gomes de. Considerações da abordagem policial no Direito Brasileiro e no Direito Comparado. Curitiba: Jusmilitaris, localizado no link: https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/abordagemwilsongomes.pdf
[5] ASSIS, José Wilson Gomes de. Operações tipo blitz e buscas pessoais coletivas: as ações preventivas da Polícia Militar e a sua legalidade. Curitiba: Jusmilitaris, localizado no link: https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/operacoesblitz.pdf
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Rio de Janeiro: Gen/Forense, p. 609.
[7] ROTH, Ronaldo João. Palestra: A Nova Lei de Abuso de Autoridade e os Crimes Militares por extensão. São Paulo: Novotel, 12.02.20, localizada no link: http://www.amajme-sc.com.br/entrevistas.php
[8] CNMP, Cartilha “Cidadão com segurança – Respeito mútuo entre cidadão e Polícia” p. 10, localizada no link: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Comissoes/CSP/CNMP_-_Cidadao_com_Seguranca_-_Final_WEB.pdf
[9] TJ/RS: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABORDAGEM. POLÍCIAL MILITAR. DANO MORAL. A pessoa tem direito à segurança, conforme a regra da Constituição Federal, art. 5º, caput. No momento atual da sociedade o alto índice de criminalidade tem causado insegurança aos cidadãos. A abordagem policial, em face de motivo justificado, configura estrito cumprimento de dever legal. A obrigação de exercer a segurança pública é do Estado, a teor do art. 144 da CF. No caso, a ação dos policiais está justificada pelas circunstâncias do evento e não foi demonstrado o excesso ou abuso de autoridade. Indenização por dano moral negada. Recurso de apelação não provido.” (Apelação Cível Nº 70052110905, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 25/04/2013), disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112849521/apelacao-civel-ac-70052110905-rs. Acessado em 31.10.20.
Obs.: Artigo publicado na Revista da Adeasp, S. Paulo, 2020, 4ª ed., outubro, pp. 10/18.
*Ronaldo João Roth é Juiz de Direito da Justiça Militar. Coordenador e Professor da Pós-Graduação de Direito Militar na Escola Paulista de Direito (EPD) e Professor de Direito Penal na Academia de Polícia Militar do Barro Branco
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 30/11/2020
Edição: Ana A.Alencar