Trump inaugura sua “diplomacia dos mísseis” e entrega a Síria de presente aos Russos…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Elefante em uma loja de louças. Esse foi o comportamento da “diplomacia dos mísseis” encetada pelo desastrado Donald Trump na Síria.
Dias após ter declarado que tirar Assad do poder era um erro, Trump se “condói” com imagens de criancinhas atacadas por gás venenoso e… despeja uma tempestade de mísseis sobre alvos militares na Síria – um país soberano – sem qualquer declaração de guerra…
A questão não é a tragédia do crime de guerra, diariamente praticado mas, sim, a forma irresponsável como se deu a ação de represália norte americana. Trump está empurrando o mundo para a beira de um conflito mundial enquanto radicais islâmicos, norte-coreanos, chineses, europeus eurocentristas e hienas da direita burra gargalham. Esquerdistas, por sua vez, vociferam com a mesma carga de burrice (não entenderam nada…).
Uso de gás venenoso, seja contra tropas, seja contra crianças, velhos e adultos indefesos é um crime de guerra indesculpável, imprescritível e será apurado, com o tempo, pela justiça internacional, juntamente com outros atentados similares praticados nessa guerra civil síria, multiforme e multifacetada. Para isso servem o Tribunal Penal Internacional e forças articuladas no Conselho de Segurança das Nações Unidas. E é aí que a diplomacia dos mísseis norte-americana deixa de ser uma atitude heroica para se tornar uma ação desastrada.
Três coisas que Trump deveria ter observado:
Primeiro, que não há prova – apenas evidências, do que ou quem provocou a mortandade da população civil (fato igualmente nebuloso), no episódio-pivô para a ação americana – se foi uma explosão de depósito rebelde, despejo de bombas com o gás letal provindos da força aérea de Bashar Assad ou sabotagem das forças radicais sunitas.
Segundo, que crianças são um habitual escudo humano usado pelos rebeldes radicais na Síria – gente tão perigosa quanto o ditador Assad e, a longo prazo, muito mais danosa à estabilidade da região.
Terceiro, Trump jamais poderia engajar seu aparato militar diretamente no conflito, sem antes solicitar autorização do Congresso, pois não ocorreu qualquer risco à segurança nacional, dano a cidadãos americanos, prédios ou representações dos EUA, que permitissem ao Presidente decidir o ataque diretamente.
ISSO, pelo visto, NINGUÉM observou…
Trump cansou de “advertir” Obama, quando este estava à frente da Casa Branca, que não poderia decidir sozinho como proceder com a questão da Síria “sem consultar o Congresso dos EUA”.
No entanto, quando poderia ter executado uma consulta firme e informado o Conselho de Segurança da ONU, Trump simplesmente “esqueceu” do que havia antes dito.
O precedente é grave. Fere o protocolo de segurança norte americano, ignora o protocolo do Conselho de Segurança da ONU, atropela a OTAN e atordoa, mais uma vez, o países aliados envolvidos no conflito.
Por que Trump fez o que fez?
Diante da demonstração chula de “virilidade romana” (como faziam os legionários – ou seja, batiam o membro viril na mesa, para medir o tamanho…), Trump pode ter angariado simpatia dos tolos e cativado o coração dos que se emocionaram (e quem não o fez…) com a tragédia das crianças, vitimadas pelo crime de guerra praticado – embora o registro televisivo seja pouco confiável.
A ação contra os “bad guys” sírios, nesse sentido, poderia ser interpretada como um “aviso” aos demais maus elementos do mundo.
No entanto, para quem usou, pelo menos no segundo momento, a própria massa cinzenta, torna-se evidente que Donald Trump é refém incondicional do Complexo Industrial-Militar – termo utilizado pelo presidente americano Dwight D. Eisenhower para descrever o intricado processo pelo qual os EUA cada vez mais produzem armas e tecnologias bélicas.
Vale dizer: Trump foi “convidado” a reagir… para testar nova geração de mísseis e, assim, justificar o milionário serviço de tecnologia militar.
No campo diplomático, por sua vez, Trump não agiu, reagiu.
O presidente americano tem se comportado de forma reativa quase o tempo todo, e com isso dissimula sua falta de estratégia. Essa atitude “errática” se assemelha à de um predador buscando uma presa vacilante no campo.
Essa forma errática de agir atingiu os EUA desde quando o populismo passou a ditar os discursos e valores, a partir deste século.
De fato, os EUA – militarmente falando, atuaram por décadas de forma planejada, no campo geopolítico e estratégico, independente da alternância entre democratas e republicanos. Foi assim que os americanos conseguiram – nos governos Reagan, Ford, Bush e Clinton, reverter uma situação geopolítica desfavorável e “cercar” os Russos no Oriente Médio, isolando-os do Irã e reduzindo sua participação à Síria.
Começaram a engripar no governo de W. Bush e deixaram entrar areia na engrenagem com Obama, cuja política externa cometeu verdadeiros desastres na região.
Trump se elegeu para “corrigir” o rumo dos governos anteriores, mas sua conduta reativa não é racional. Sua diplomacia dos mísseis poderá prejudicar o esforço de articulação do governo Sírio, Rússia e Irã, no efetivo combate ao ISIS , o Estado Islâmico – o primeiro vilão a ser derrubado no tabuleiro de xadrez.
Se Trump caiu refém do complexo industrial-militar nos EUA, no campo internacional enredou-se na dissimulação sunita-wahabista, da monarquia saudita, e nos interesses econômico-estratégicos regionais, turco-europeus.
Faz muito mal Trump em confiar na hipocrisia européia, turca e saudita – que “aplaudiram” a chuva de mísseis americana e simulam “não apoiar o Estado Islâmico” e os radicais islâmicos que atuam contra Assad.
Essa atitude é paradoxal.
Com efeito, para efetivar a destruição do Estado Islâmico, um câncer gerado no mundo muçulmano justamente pelos erros da política externa de Bush e Obama, os EUA precisam manter firme aliança com os Russos, com Assad e o Irã. Caso contrário, irá desarmar os corajosos curdos peshmergas e entregá-los para terem suas cabeças decepadas pelos jihadistas psicopatas da turquia ou do ISIS.
Do jeito que a coisa ficou, após a chuva dos mísseis sobre as bases militares sírias, não dá mais para identificar o pior “louco”: os rebeldes sírios, o Ditador Assad ou… Trump.
Putin, com a frieza que lhe é peculiar e sua experiência adquirida como homem da KGB, deve sabê-lo, e pelo visto usa a informação com maestria…
Porém, a diplomacia dos mísseis de Donald Trump, consolidou a posse da Síria pela mãe Rússia e facilitou o flerte nuclear geopolítico do Irã com os russos. Um presente precioso para a coleção de satélites que orbitam em torno da esfera de influência do Kremlin.
A Rússia não precisa sequer reagir. Ganha de presente a Síria a cada míssil americano lançado neste território.
Voltamos, assim, aos anos da doutrina do dominó.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Publicado originalmente em The Eagle View