O grande vilão dessa violência é a hipocrisia
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O nazista Adolf Eichmann – um dos administradores nazistas do holocausto judeu, foi sequestrado na Argentina e transferido para Israel em uma operação cinematográfica ocorrida em 1960. Embora se declarasse “inocente no sentido das acusações”, Eichmann foi julgado e condenado por crimes contra a humanidade que praticara durante a Segunda Grande Guerra, e finalmente enforcado em 1962.
Hannah Arendt – enviada como correspondente da Revista The New Yorker, para acompanhar aquele julgamento, publicou suas impressões em um livro chamado “Eichmann em Jerusalém”. Nele, a filosofa analisa o personagem, procurando compreender como um indivíduo metódico, racional, sem traços de psicopatia ou caráter distorcido e sem traços antissemitas, pôde cometer tamanhas atrocidades agindo para cumprir o que acreditava ser o seu dever, seguindo ordens superiores e imbuído da ambição de ascender na carreira dentro da mais perfeita ordem burocrática.
Arendt ficou impressionada com “o zelo e a eficiência” de Eichmann, que agiu “administrativamente”, compreendendo o mal causado sem se sentir responsável por ele.
Em sua obra, Arendt usou o mal radical kantiano, sem se ater às razões morais ou religiosas para buscar apenas a razão política para a maldade se instalar em grupos sociais ou no próprio Estado.
Arendt, discípula de Heidegger, afirmou que o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É um fenômeno político e histórico produzido pelo homem. Ele se manifestará se encontrar “espaço institucional”, em razão de uma escolha política.
É nesse sentido que ocorre no seio da sociedade a apatia ante a violência, pois ela decorre do vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.
A lição de Hannah, nunca esteva tão atual como neste início de século. Porém, remanesce esquecida na sucessão de ciclos históricos ditados pela mediocridade como o que hoje tragicamente somos obrigados a lidar. Esses ciclos não se iniciam do nada. São ardilosamente construídos pela desonestidade intelectual e pela hipocrisia. Atendem à ambição política e giram em torno do eixo das pequenas tiranias.
Como diz Esopo, “todo tirano usa de um pretexto justo para exercer sua tirania”. E é nessa busca de pretextos que surgem as tiranias simbióticas alimentadas por ideologias que parecem se opor, quando na verdade se completam. Que justificam o ódio a transgressão, o vitimismo militante e a licença moral para a barbárie. É nesse clima farsesco que a banalidade do mal se instala.
No atual ciclo, o vazio de pensamentos é substituído pela escatologia – apocalíptica ou culturalmente obscena. Os ideólogos do mal encontram-se instalados no establishment – dominam as finanças, os meios de comunicação, partidos políticos, atividades culturais e as universidades. Eles abraçam a transgressão que lhes convém da mesma forma como repelem a que não lhes é útil, e que poderão amanhar vir a praticar. Não há valor, somente transvaloração.
O mal banalizado virou um produto lucrativo – é explorado nos noticiários, nos filmes, na web, nas músicas de Funk e RAP e nos canais de recrutamento de organizações terroristas. Alimentam a indústria armamentista, as ditaduras e o crime organizado.
O mal se instala onde a ociosidade impera. Em um mundo cravado pela crise econômica, em que estatísticas apontam para um crescimento em larga escala de indivíduos desolados, sem perspectivas, que desistiram de estudar e procurar emprego… o mal torna-se meio de sobrevivência.
No momento em que o conhecimento está na palma da mão, na tela de um dispositivo celular, indivíduos mal preparados para a vida ignoram conteúdos de qualidade para acompanhar apenas a mediocridade. Fosse essa opção excepcional, ainda que socialmente numerosa, poder-se-ia atribuir o fenômeno a disfunções ocasionais, sociais e familiares. No entanto, parece se tratar de um comportamento cultural maciço, hegemônico, ditado por padrões transgressores e intelectualmente imbecis, martelados pela mídia com o beneplácito do Estado em prol da criminalidade.
Radicais, fanáticos, supremacistas, ativistas identitários, vitimistas, preconceituosos e segregacionistas pululam em meio à permissividade política, praticada em nome da liberdade de expressão e da tolerância politicamente correta. Não se tratam de alienados mentais, mas de celerados que adquiriram traços esquizoides por pura permissividade do Estado.
No Brasil, esse comportamento é de responsabilidade dos dirigentes políticos e sua entourage de ideólogos idiotas, que se assenhoraram do país.
Os idiotas passaram a comandar empresas jornalísticas, jusburocracia e universidades, apoiados pela permissividade “conquistada” nos artigos da Constituição de 1988.
Essa permissividade teve método – praticamente oficializou o Transtorno de Personalidade Esquizoide como padrão cultural da juventude.
Primeiro, os idiotas do establishment trataram de “libertar” crianças e adolescentes dos laços e controle da família e, em seguida, jogaram-nos, sem qualquer cuidado, aos cuidados de um sistema educacional esfacelado.
O transtorno de personalidade é caracterizado por falta de afetividade, interesse em relações sociais, tendência a um estilo de vida egocêntrico, frieza emocional e apatia. Indivíduos afetados pelo transtorno podem simultaneamente demonstrar alienação da atividade social, desenvolver isolamento, agregarem-se em guetos e manipular parcos conhecimentos valorativos, gerando um mundo interior de rancores e preconceitos. Esse comportamento poderá evoluir para a introspecção ou extravasar em redes… sempre apontando para o desprezo aos valores, á convivência familiar, ao respeito e ao próximo.
Hoje, há bolsões em nosso tecido social que parecem tomados pela esquizofrenia, comunidades lotadas de indivíduos funcionalmente pouco dotados, desmotivados, distantes e afetivamente embotados. Basta frequentar por algum azar da vida um “baile funk”, acompanhar jovens empenhados em jogar “counter strike” em uma lan house, prestar atenção á conversa “grunhida” nas lojas de conveniência ou ir a uma baladinha chic, movida a carrões, roupas de grife, caras e bocas e cabeças absolutamente vazias. Também é possível ver a mesma coisa em manifestações onde palavras de ordem constituem a única sequência racionalmente orientada no diálogo possível de ser elaborado entre os militantes.
Graças aos hipócritas, a ignorância não tem mais padrão social e não discrimina os seus próprios ignorantes.
Vamos nos ater à tragédias dos massacres em ritmo de videogame, ocorridos no Brasil e fora dele recentemente. Patente que para muito além dos discursos de ódio político, a personalidade dos assassinos transbordava um perfil esquizoide.
O comportamento até agora apurado desses agentes, mostra que agiram às claras em seu meio. Não eram alienados mentais. No entanto, o comportamento deles deveria de há muito ter chamado a atenção, não fosse a sociedade atual absolutamente esgarçada e desatenta.
Historicamente, essa profusão de imbecis tem origem justamente na progressiva tolerância imposta pelo establishment permissivo, sob o justo pretexto de cultivar-se a tolerância na sociedade. Mas tornou-se óbvio que esse “programa” foi manipulado para não apenas extirpar a segregação social e familiar dos loucos – considerando praticamente um crime a internação psiquiátrica, mas também elevar o comportamento esquizoide à categoria de padrão a ser seguido pelas pessoas normais.
Esquizoides de todo tipo são hoje tolerados socialmente, a ponto de se tornarem arrogantes no trato com o entorno – pois não há mais possibilidade legal de inibição. Na verdade, a nova cultura do politicamente correto trata comportamentos transgressores, “queer” ou esquizoides, como típicas de vitimizados pela sociedade…
Crianças, desde cedo, são reprimidas por não aceitarem gente “diferente”, ou “com problema”, na sua convivência. O pretexto é correto. No entanto, o programa é outro. Por óbvio que o combate ao preconceito não pode transformar tolerância em obrigação de conviver com esquisitos. Na verdade, todo o trabalho anti-bullying é perdido, quando direcionado à coação… Isso, em crianças, pode levar ao ódio.
O politicamente correto, de fato, potencializou o ódio e o rancor social, favoreceu a atitude liberticida dos “ofendidos”, priorizou conflitos identitários e transferiu paradoxalmente a responsabilidade irrestrita pelos sentimentos e atitudes agressivas, à estrutura social e familiar construída com valores morais, cristãos plurais, tolerantes e democráticos.
Por sua vez, a mídia esquerdista e seus formadores de opinião, eleitos por ela como ditadores de regras de falso consenso, abriram todos os canais para tornar a “bandidolatria” uma forma hegemônica de cultura,
Foram os próprios aparelhos ideológicos de Estado os geradores da estética de violência, baseada no rancor contra a moral e o tecido social.
Do ensino “crítico” da história contemporânea á destruição dos padrões familiares, o Estado politicamente correto sentenciou que “herói” é aquele que transgride. E que polícia é sinônimo de violência.
O ataque esquerdista à estrutura familiar, transferiu para as escolas a atribuição de resolver conflitos de atenção e afetividade, obviamente sem que essas instituições tenham qualquer condição estrutural ou humana de resolução desses conflitos. A escola, então, passou a ser alvo da contestação identitária e dos ressentimentos dos esquizoides.
Para piorar, as administrações politicamente corretas, reprimem a autoridade de professores e questionam a autoridade dos pais presentes enquanto vitimiza e prioriza justamente os ausentes. Se impôs a regra de considerar toda família desagregada, credora do tecido social.
O massacre de Suzano, ocorrido em São Paulo, refletiu exatamente isso.
É só observar a ciberecologia em que estamos inseridos. Toda a estrutura de redes sociais, jogos eletrônicos e comunicação por dispositivos reflete o componente esquizoide de seus criadores – a ponto de todos, em qualquer crise, se empenharem em reprimir a livre manifestação dos outros, que com as esquisitices politicamente corretas daqueles não concordem…
Adolescentes foram postos nesse sistema digital, isolados e à mercê dos esquizoides, que atuam fortemente nas redes de jogos eletrônicos interativos – verdadeiros centros de treinamento para psicopatas violentos. Assim, se não há problema em jogar, há sim problema em os pais não cuidarem de ver o que fazem os filhos nesses momentos de interação. Em especial – ainda que à distância, observar com quem eles se relacionam.
A sucessão de políticas desarmamentistas no Brasil – pobres de boas intenções e plenas de desonestidade intelectual, manietou o Estado e desarmou as pessoas de bem. Enquanto uma poderosa muralha de discursos e normas imbecis era erigida para obrigar o desarmamento civil, arsenais permaneceram à inteira disposição de quem quisesse transgredir. A sociedade desarmada, portanto, tornou-se o grande repasto para os covardes homicidas. E só a esquerda imbecil ainda insiste em negá-lo.
Mesmo nos países onde a defesa do cidadão é possível, a proliferação de “zonas livres de arma” tornou-se um convite à ação dos covardes. E é nelas que as tragédias quase sempre ocorrem – justamente para o “gaudio” dos desarmamentistas…
O resultado é traumático. Massacres como o ocorrido na escola estadual em Suzano – SP, e na mesquita muçulmana na Nova Zelândia, bem como os ocorridos nos EUA, não podem ser atribuídos à ideologias apregoadas pelos celerados agentes assassinos e, sim, á política politicamente correta, que permitiu que estes se alimentassem do ódio, se armassem e desenvolvessem a ação sem qualquer temor de serem barrados ou impedidos – seja pela segurança do Estado, seja pelos próprios cidadãos indefesos.
E o pior é que a reação do establishment é de desonestamente tentar reforçar seus equívocos, atribuindo a tragédia justamente à reação que se começa a organizar contra aqueles.
A banalização do mal, tal qual já apregoava Hannah Arendt, é hoje, fruto da mais pura política.
O grande vilão dessa violência, portanto, é a hipocrisia.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, CEO da AICA – Inteligência Corporativa, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da API – Associação Paulista de Imprensa. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.