“Quem pariu Mateus, que o embale…”
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A expressão tem origem em uma crítica atribuída pelos fariseus a Jesus, que decidira acolher um sujeito tido por arrogante, chamado Mateus, entre seus discípulos, mesmo sendo ele um cobrador de impostos nomeado por Herodes – o tetrarca da Galileia.
Mateus convidou Jesus para um banquete em sua casa.
“Como poderia o filho de Deus cear com coletores de impostos e pecadores? Só a mãe seria capaz de gostar de um áulico fiscal de Herodes. Somente ela, que pariu Mateus, teria a obrigação de embalá-lo”… criticavam, com o habitual humor sarcástico da região, os céticos da obra do Nazareno.
A frase passou a representar a responsabilidade que todos temos pelos próprios atos – da qual nem Jesus Cristo escapou – embora Mateus tenha sido mais um acerto divino.
O episódio nos lembra da necessidade de pensar para além do interesse atual, antes de decidir, para depois não ter de arcar com as consequências…
A passagem também aplica-se ao quadro político brasileiro, à profunda crise em que estamos atolados, pois diz respeito a escolhas feitas por vários atores institucionais, ao longo da história recente.
Caso exemplar dessa passagem é a mea culpa assumida pelo jornalista Breno Altman, nome de expressão da esquerda brasileira entrincheirada no Partido dos Trabalhadores, em postagem nas redes sociais.
Vale a pena ler a postagem para entender o quanto é difícil lidar com as consequências do aparelhamento ideológico empreendido pela esquerda petista na instituição do Ministério Público.
Esse aparelhamento – cujos efeitos danosos sentimos a partir de sua cúpula – o homem dos bambus e flechas… se deu, todavia à custa de enormes benesses financeiras e de uma teratológica autonomia, completamente sem controle, a qual, agora, ironicamente, volta-se contra a própria esquerdalha nacional.
Mas os corvos criados não comem os olhos do PT gratuitamente. Fazem-no por absoluta obrigação institucional, ante o volume de escândalos de corrupção, falcatruas, malversação de dinheiro público, incompetências explícitas e más decisões políticas em que este partido e seus satélites ideológicos se envolveram no período de Lula e Dilma… e ainda se envolvem.
Aliás, foi no esteio do denuncismo militante que se construiu o “ativismo judicial”, tão caro aos petistas que buscavam “o direito achado nas ruas” (doutrina do grande pensador jurídico esquerdista Roberto Lyra Filho) e a “justiça alternativa” (iniciada pelos magistrados de esquerda do Rio Grande do Sul nos anos 80/90). Esse ativismo resultou na desconstrução sistemática da legislação em prol de um visionário direito baseado em “princípios”, “republicanismo” e “supremacia do interesse público”… Um cipoal de proselitismos que instituiu a insegurança jurídica no país como regra.
Agora, vítimas do próprio veneno, os esquerdistas, acuados, recorrem ao “garantismo” e à “restauração”…
O que ocorre com os que hoje se julgam vítimas da sanha persecutória, é, portanto, mero reflexo de suas próprias e nefastas decisões.
Vale para o PT, a propósito, o provérbio registrado pelo próprio Mateus, em seu livro inserto na Bíblia:
“Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem.”
(Bíblia, Novo Testamento, Livro de Mateus, Capítulo 7, versículo 6)
Segue a postagem:
“Cría cuervos, que te comerán los ojos.”
Breno Altman – MEA CULPA
A bem da verdade, o PT é cúmplice no surgimento do Ministerio Público como um quarto poder, sem qualquer controle e com um nível de autonomia inexistente em qualquer outro país relevante do planeta.
Já na Constituinte de 1988, sob a batuta do então deputado petista Plinio de Arruda Sampaio, egresso do MP, que depois foi para o PSOL, o partido se alinhou às medidas autonomistas, sob um conceito que não escondia a contaminação das ideias liberais no pensamento de esquerda: a Procuradoria recebia status de representante da sociedade, não mais do Estado, e portanto deixava de ser um braço do poder executivo.
Essa raciocínio era fruto de uma lógica na qual a contradição entre Estado e sociedade seria o princípio reitor da democracia, mais restrita quando prevalecia o primeiro elemento, mais ampla quando predominava o segundo.
A luta de classes, nesse modo de entender o país, era apenas um pano de fundo, que se expressaria de forma protagonista nas questões econômicas e sociais, mas não naquelas relativas ao poder político.
No correr dos anos, esse viés apenas se aprofundou. Chegou ao seu clímax durante os governos Lula e Dilma, quando se chancelou como soberana a lista tríplice formatada pela corporação (através de eleição na qual participam exclusivamente os filiados de uma das sete associações de procuradores federais), escolhendo-se o mais votado como uma espécie de obrigação moral.
A brutalidade do erro hoje salta às vistas: o petismo criou jacaré no tanque. Ou, como diz o ditado espanhol: “cría cuervos, que te comerán los ojos.”
Tal situação seria impensável em democracias burguesas consolidadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o secretário de Justiça é o procurador-geral, nomeado ou demitido por livre escolha do presidente da República, com poder de indicar ou deslocar procuradores federais por todo o país.
Por lá, assim como na Franca, Inglaterra ou Alemanha, somente existiria uma operação como a Lava Jato se fosse decisão do governo legitimamente eleito pelo povo. Qualquer governante ou parlamentar poderia ser investigado, é claro, mas uma operação que coloca em risco a vida econômica ou a segurança jurídica caberia apenas a quem dirige o Estado e a própria procuradoria.
O Brasil, no entanto, inventou também essa jaboticaba, que agora corrói as garantias constitucionais e a própria ordem democrática.
Mais cedo ou mais tarde, o PT e a esquerda deveriam acertar contas com esse mau passo, em uma revisão transparente do erro cometido e propondo as medidas legais cabíveis que possam repará-lo.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View