Por Eliana Rezende
Sempre penso em palavras que representam tabus. Morte parece-me uma delas.
As pessoas fogem de dize-la, de senti-la ou pressenti-la, considerando-a como de mau agouro. E mesmo em face de circunstâncias onde ela se impõe, quer a si próprio, quer a um ente querido, é sempre envolta em névoas de medos e superstições.
Não consigo crer que deva ser assim.
Afinal, morrer é tão parte do viver que está na outra ponta de nossa existência.
Passar pela vida significa aceitar entre outras coisas nossa finitude e que um dia não estaremos mais presentes. Em verdade, não consigo achar problema algum nisso!
Vejo que mais do que fugir da morte, pessoal ou alheia, devemos ter-lhe reverência. Ela encerra um ciclo de existência e por si só é um rito de passagem. E como todos os ritos humanos deve ser reverenciado e acolhido como parte.
Experienciei a morte de perto, algumas vezes tendo de tomar decisões claras em relação a entes queridos. Sempre uma grande dor.
Mas sempre considerei que meu amor àquela pessoa me fazia uma defensora da ‘Boa Morte’ para quem se ia. Entendia que era preciso dar a este ser a segurança e a tranquilidade de que estava tudo em seus devidos lugares. Nessas horas vi como muitos perdem o chão, se desesperam e querem negociar com a vida. Mas às vezes a vida já não está mais presente. A maior e mais forte presença é a da morte e é com ela que teriamos que negociar.
Todas as vezes optei para que meu ente querido ficasse tranquilo.
E que a morte o encontrasse em paz…
Vez por outra penso sobre o que seria para mim uma Boa Morte.
A Boa Morte é aquela que chega como continuidade da vida. Não é ruptura, nem é perda. É materialização de que uma história inteira de vida ganha um ponto final. E ganhará o status eterno de se fazer Memória.
Diz-se que pior que morrer é ser esquecido!
Infelizmente, muitos ganham o estatuto do esquecimento antes mesmo de possuir uma lápide. Isso é de fato muito triste.
Sonho ter a tranquilidade para simplesmente me deixar ir.
Sem arroubos, tristeza e desesperanças. Sei que a vida deu-me tantas coisas e eu de alguma forma tentei retribuir tanto! Por isso, não quero lágrimas e nem tristezas. Quero ser apenas uma boa lembrança de alguém que adorou viver, mas que também soube entender que era seu momento de ceder a vez para a renovação de tudo o que estava à sua volta.
Afinal, viver não é posse, é usufruto!
Em geral, vejo as pessoas se ampararem na figura de um Deus ou de uma crença qualquer.
Não acho que isso consiga com que a pessoa tenha uma Boa Morte, já que está transferindo para alguma coisa exterior a ela o que eu acredito deva ser um consentimento interno: o desapego ao que se teve por toda uma vida.
Imagino que as pessoas talvez sintam este apego exatamente porque não foram capazes de viver, larga e generosamente, tudo o que sua vida propiciava. Por achar que está sempre faltando algo e não aceita abrir mão.
Creio que o grande problema não é a morte. É simplesmente não ter vivido!
Por outro lado se você sabe que viveu, tudo fez, e da melhor forma possível, porque não se deixar ir?
Eliana Rezende é diretora da ER Consultoria, Gestão de Informação e Memória Institucional, doutora em História Social – Cultura e Cidades – UNICAMP, mestre pela PUC/SP, especialista em Preservação e Conservação de Colecções de Fotografia – Lisboa, Portugal com participação em vários projetos de política de preservação digital, proteção da memória e gestão documental governamentais e corporativos. Articulista do Portal Ambiente Legal.
Publicado originalmente no Blog Pensados a Tinta
Twitter: @ElianaRezende10
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