As armas, a Lei e a estrutura do Estado Chinês para combater a poluição
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular da China, após dois anos de debates, aprovou em 2014, emenda constitucional alterando a legislação de meio ambiente e instituindo um sistema integrado de sanções.
O novo marco autoriza aplicação de medidas coercitivas pela Agência Ambiental Chinesa, como embargos e interdições. Permite também que autoridades de controle ambiental nas províncias dotem medidas de cunho administrativo no combate às infrações ambientais.
A emenda também institui regras de responsabilização civil e criminal a serem aplicadas pelo judiciário chinês.
RESPOSTA ÀS EXIGÊNCIAS DO MERCADO E AO CLAMOR DAS RUAS
A emenda constitucional integra o esforço nacional no combate à poluição. Esse esforço nacional é uma resposta do Estado Chinês a duas fortes demandas:
1- A necessidade de adaptação da indústria chinesa às regras e padrões ocidentais, como incremento à competitividade dos seus produtos na economia global, especialmente quando os EUA e o Bloco Europeu voltam a ganhar espaço no mercado;
2- A urgência em atender aos reclamos por melhoria nas condições ambientais das cidades chinesas, reclamos esses que deram causa a protestos de toda ordem – algo inédito no fechado sistema político chinês.
A DEMANDA DO MERCADO POR MELHORIAS AMBIENTAIS
A preocupação em ultrapassar barreiras não tarifárias consistentes em critérios de sustentabilidade, bem como a necessidade de atender a um público consumidor cada vez mais consciente em relação ao assunto, estimularam o governo chinês a sujeitar sua economia a novos padrões de qualidade ambiental. Não por outro motivo, a alteração constitucional agora noticiada foi precedida da criação do Ministério do Meio Ambiente da China, no início do ano de 2014 – reflexo da importância que o tema alcançou na economia e na política, em âmbito nacional e internacional.
A mobilização segue mudança de atitude das próprias empresas chinesas. Com efeito, a China tem sido uma campeã de certificações pela norma ISO 14000. O país experimenta hoje uma implantação em larga escala de sistemas de gestão de qualidade ambiental nas suas unidades fabris. A demanda por quadros profissionais dedicados à gestão ambiental e por equipamentos, está gerando toda uma nova economia voltada para os sistema de controle de emissões, destinação de resíduos, consultoria, etc.
A QUESTÃO URGENTE DE SAÚDE PÚBLICA
A mudança legal, no entanto, também é uma resposta do governo ás crescentes manifestações populares contra a poluição, que vêm ocorrendo nas principais cidades industriais da China.
Moradores de cidades como Pequim, Xangai e Cantão, são confrontados periodicamente com níveis perigosos de “smog” – neblina misturada à poluição atmosférica. Os riscos à saúde dos milhões de habitantes são crescentes.
Os episódios críticos de poluição acarretaram ondas de protesto nas principais capitais chinesas. Junto com as manifestações, luzes foram jogadas no sombrio quadro estatístico governamental.
De fato, estudos recentes estimam que cerca de dois terços do solo chinês estariam contaminados. Análises efetuadas pelos organismos de proteção do sistema hídrico, por sua vez, apontam que 60% da água subterrânea está contaminada e tornou-se imprópria para consumo.
Um relatório oficial afirmou que 16% do solo chinês está contaminado por produtos químicos altamente tóxicos, como arsênico e mercúrio. No mês de junho de 2014, níveis perigosos de benzeno e outros cancerígenos voláteis foram detectados em várias cidades situadas ao noroeste de Lanzhou – Capital da província de Gansu, conhecida por sua petroquímica. Este fato provocou desabastecimento de água e uma corrida aos mercados em busca de água engarrafada.
Milhares de pessoas já haviam ido às ruas na cidade de Kunming, no mês de maio de 2014, para protestar contra a produção anunciada de um produto químico tóxico, em uma refinaria.
O fato é de importância histórica.
Protestos fazem parte da fisiologia de nossa era de conflitos por interesses difusos. No entanto, não se enquadram na obsessão por “paz social” contida na filosofia do Estado na China…
O DURO PREÇO DO PROGRESSO CHINÊS
Três décadas de expansão rápida e desenfreada resultaram em um alto preço ambiental para o país. Líderes comunistas têm se preocupado com o número crescente de protestos relacionados com o tema.
A China experimentou um crescimento econômico sem precedentes após a reforma do Estado, iniciada por Deng Xiaoping, no final dos anos 70.
Em função do Produto Interno Bruto – PIB, os chineses admitiram a implantação de todo tipo de indústria poluente em seu território, Na verdade, até pouco tempo atrás, o direito de poluir era garantido pelo governo e a própria poluição parecia ser um bem governamental protegido na China.
No entanto, a introdução internacional gradativa do princípio do poluidor-pagador, obrigou a internalização dos custos ambientais na atividade econômica chinesa e, por conseguinte, ocasionou profunda reforma no direito econômico do país.
O Direito Econômico acompanhou a evolução chinesa após a abertura de 1979, veio se aperfeiçoando reativamente, a cada avanço da participação industrial chinesa no mercado exterior.
Hoje, há todo um capítulo relacionado à atividade industrial, que foi aposto por Emenda à Constituição, em 1993. Por esse sistema, o Estado procura intervir menos e a eficiência é sempre levada em conta.
Há, nesse sentido, uma preocupação grande com o direito de patentes industriais. Nesse campo, por exemplo, as decisões proferidas pela Suprema Corte, tornam-se vinculantes a todos os juízes do país.
A China também sofreu enorme influência externa no desenvolvimento das relações de consumo. Nessa área, visando se adaptar á complexidade dos interesses difusos, o poder popular chinês permitiu ás associações de consumo assumir papel relevante.
As organizações sociais chinesas, hoje, podem receber reclamações da população e possuem capacidade de requerer medidas de ordem judicial e administrativa na proteção do consumidor. Isso conferiu ao cidadão chinês uma capacidade de mobilização e de petição impensáveis poucas gerações atrás.
Esse avanço democrático no campo das relações de consumo, abriu as portas para que o interesse ambiental provocasse a implementação de nova disciplina no campo legal, na esteira do direito do consumidor.
A CHINA APERTA A REPRESSÃO AO DANO AMBIENTAL
Na China, organizações sociais e advogados ambientalistas, por óbvio, sempre tiveram muita dificuldade em reivindicar direitos contra as principais empresas poluentes.
Responsabilizar legalmente os poluidores é tarefa difícil em um país onde governos locais costumam se concentrar no crescimento motriz e o capitalismo é de Estado.
Entre 2011 e 2013, menos de 30 mil casos ambientais foram acolhidos por ano nas cortes chinesas, de uma média anual de 11 milhões de casos.
Essa baixa estatística, entretanto, de forma alguma reflete a explosão de conflitos ambientais ocorridos de fato, canalizados para a via dos protestos explícitos nas ruas e junto às assembleias das províncias – mobilização que apresentou potencial político bastante preocupante para as severas autoridades governamentais.
Portanto, o Estado reagiu a uma demanda social e a nova legislação chinesa, construída nesse período, entre 2013/14, busca responder justamente à essa nova demanda.
Organizações sociais, pela nova legislação, de forma similar ou até mais incisiva que suas congêneres de consumo, terão participação na supervisão da atividade estatal de fiscalização e licenciamento ambiental.
Essa tendência participativa, inclusive, já se reflete nas províncias chinesas. Recentemente, a província de Hebei assumiu papel de liderança ao anunciar legislação que permite maior participação popular no processo de formulação das leis ambientais.
Pela nova regra, autoridades poderão deter administrativamente, por até 15 dias, os dirigentes da empresa que não efetuar estudos de impacto ambiental ou não paralisar a atividade poluente, após notificada a fazê-lo.
Autoridades locais também poderão sofrer sanções, serem rebaixadas ou demitidas, se consideradas culpadas de má conduta ou de encobrir delitos relacionados a danos ambientais.
O ano de 2014 é um marco ambiental para a China.
Uma nova interpretação judicial da Suprema Corte, entrou em vigor no final de junho de 2014, antecipando, de certa forma, os efeitos das mudanças legais. Ela recorre à lei de combate à corrupção e impõe “punições mais severas” a quem permitir execução “frouxa e superficial” de leis de proteção ambiental no país, informou a agência oficial de notícias Xinhua. “Nos casos mais graves, a pena de morte poderia ser proferida”, informou a agência.
“Com critérios mais precisos para formar convicções e fundamentar a sentença, a decisão da Suprema Corte fornece uma arma poderosa para a aplicação da lei, o que é esperado para facilitar o trabalho dos juízes e apertar as punições para os poluidores”, disse o comunicado do governo sobre o fato.
“Toda a força deve ser mobilizada para descobrir pistas de quebra da lei de poluição ambiental de uma forma oportuna”, acrescentou a agência de notícias.
As sanções por crime ambiental incluem prisão e até pena de morte, nos casos de maior gravidade.
A nova disposição legal, constando penas mais severas, no entanto, só entrou em vigor no primeiro dia do ano de 2015. O prazo foi necessário para permitir adaptação da economia à nova estrutura repressiva.
UM NOVO DIREITO AMBIENTAL CHINÊS
Direito Ambiental ainda é matéria nova no direito chinês. Somente a partir de 1979, com a abertura econômica, surgiram marcos legais dedicados à questão.
Em 1989, foi baixado o marco especial de proteção ambiental na china, seguido de leis especiais de controle da poluição atmosférica e das águas. Esse marco foi o alvo da modificação ocorrida recentemente, pois sua implementação era praticamente inexistente – a opção estratégica governamental pelo crescimento, suplantava qualquer outro custo.
As Olimpíadas de Pequim, na passagem do século XXI, porém, forçaram o Estado chinês a aprimorar sua legislação de controle – exigência aposta no acordo internacional com o COI (Comitê Olímpico Internacional).
A estrutura de controle ambiental, no entanto, continuou descentralizada, afeta aos governos provinciais. Isso ainda ocorre, pois o novo Ministério do Meio Ambiente ainda é órgão de menor importância na constelação ministerial do governo central.
A pressão para impulsionar uma agenda verde diante do crescente descontentamento com o aumento da poluição, contudo, deverá modificar a estrutura administrativa nos próximos meses, para permitir a implementação dos novos parâmetros legais aprovados.
O JUDICIÁRIO CHINÊS SE PREPARA PARA O DESAFIO
O primeiro-ministro Li Keqiang, por ocasião das mudanças estruturais comunicadas em 2014, anunciou que Pequim estava “declarando guerra” à poluição.
Para tanto, como em qualquer outro país, surgiu a necessidade de novos instrumentos judiciais de implementação das novas regras.
Assim, anunciado o novo marco legal, juristas chineses alertaram para várias questões que necessitariam de revisão jurisprudencial e doutrinária. Lacunas poderiam por alguns conflitos fora do alcance da tutela do Estado.
Para atender à necessidade de adaptação do judiciário ao novo quadro legal, a Suprema Corte do Povo resolveu instituir câmaras e juizados especiais, para tratar dos novos conflitos ambientais.
Assim, “para a proteção do direito ao meio ambiente sadio”, um tribunal especial foi instituído pela Suprema Corte. Esse tribunal terá equivalentes locais, que receberão casos relativos à poluição do ar, da água e do solo, bem como à proteção de recursos minerais e naturais, como florestas e rios – segundo consta no comunicado assinado por Sun Jungong, porta-voz da Suprema Corte do Povo.
Seu estabelecimento, segundo o comunicado de Jungong, “terá um impacto positivo e profundo na proteção dos direitos e interesses ambientais do povo, evitando a deterioração futura do ambiente e melhorando a imagem internacional da China relativa à proteção ambiental”.
Importante observar: o Judiciário da China não é um Poder de Estado. É órgão subordinado ao grande poder legislativo.
O judiciário julga conflitos entre as partes, não interfere nos assuntos de Estado. Não pode, por exemplo, declarar inconstitucionalidade de lei.
Os direitos humanos, bem como princípios internacionais não contemplados expressamente na legislação interna chinesa, não podem ser invocados em juízo.
Qualquer reclamação que envolva interesses difusos não expressos em lei, ou conflitos normativos ocorrentes da aplicação da norma por organismo estatal, deve ser dirigida aos comitês do Poder Legislativo.
Aliás, quem manda é o Poder Legislativo da China, formado por 2 mil deputados oriundos de todas as províncias, que se reúnem uma ou duas vezes por ano. A atividade ordinária do legislativo é executada pelo comitê executivo da Assembleia, formado por 200 deputados divididos em vários outros comitês, criados para temas específicos. Essa estrutura de poder popular é repetida nas províncias, que possuem sua própria Assembleia Popular e respectivo Comitê.
UM JUDICIÁRIO GIGANTESCAMENTE ENXUTO…
A Justiça da China é única, sua estrutura tem alcance nacional. Não existem “tribunais especializados”, apenas Varas ou Câmaras especializadas – assim, deve-se entender a criação de tribunal especializado na área ambiental, por câmara na Suprema Corte, câmaras nos tribunais provinciais e varas especializadas no julgamento dessas questões.
Os juízes são funcionários da administração, selecionados em quadro de carreira administrativa acessada por concurso nacional. Começam suas atividades como funcionários administrativos, são promovidos a auxiliares do juiz e depois nomeados juízes.
Ministério Público e Polícia seguem parâmetros similares e possuem relativa autonomia entre si. A polícia pode investigar e inclusive instituir escutas e determinar buscas sem necessitar de ordem judicial ou autorização do promotor.
Não há foro privilegiado na China. Funcionários graduados, primeiro PERDEM o posto e são demitidos, por decisão do Comitê legislativo, só depois são submetidos a julgamento.
Os julgamentos costumam ser rápidos – reformas ocorridas nos últimos vinte anos instituíram garantias de contraditório e oportunidade de defesa.
Há apenas duas instâncias, o juízo da causa e o tribunal recursal. Excepcionalmente, como nos casos de pena de morte, admite-se seguimento de recurso para decisão da Suprema Corte.
A maioridade penal dá-se com 16 anos de idade. Há condenação à prisão perpétua. Condenados, em qualquer caso, são obrigados a trabalhar.
A pena de morte na China constitui um caso especial. Antes das reformas, nos anos 80, abrangia 68 tipos penais. Hoje, ela é aplicada a casos de latrocínio, homicídio com qualificadoras, tráfico de entorpecentes, fraude em financiamentos com prejuízo ao público, corrupção, prevaricação e fraude, traição e espionagem, terrorismo e sequestro com morte.
A sanção capital deverá, agora, abranger poluição com danos à saúde pública, envenenamento do ar ou da água.
Esses dados são importantes por conta das alterações anunciadas na legislação de controle da poluição, cujas penas de caráter administrativo, civil e penal, poderão produzir certo grau de injustiças irreparáveis.
Grupos de direitos humanos informam que a China ainda executa milhares de pessoas por ano, mais do que todos os outros países do planeta juntos. A pena de morte é muitas vezes imposta didaticamente por corrupção e crimes econômicos.
Por outro, e pelo fato da estrutura ser gigantescamente enxuta (se é que se pode usar termos contraditórios para classificar o sistema chinês) o impacto da legislação imporá efeito didático suficiente para coagir o sistema industrial chinês a buscar a regularização ambiental a médio prazo.
É ver para conferir.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) , sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.
Para diminuir a contaminçao é necessario fazer investimentos nas companhias e entao o valor do produto chinese subiria de preço, cairiam suas exportaçoes,etc,etc.
Vcs. acham que vao fazer isto…