O Brasil corre sérios riscos por conta de sua miopia estratégica
Por Lorenzo Carrasco*
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, acaba de anunciar o ingresso do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a candidatura à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na sexta-feira 25 de maio, um triunfante Santos, que deixa o cargo em agosto após dois mandatos, comunicou aos colombianos e ao mundo o que apresentou como uma magna conquista.
“Sermos membros da OCDE nos permitirá fazer melhor as coisas, ver o que deu errado e o que funcionou em outros países. Com nossa entrada, melhoraremos nossas políticas públicas. (…) A entrada na OTAN melhora a imagem da Colômbia e nos permite ter muito mais jogo no cenário internacional”, disse ele, em duas mensagens postadas no Twitter, mídia que parece estar tornando-se uma favorita dos chefes de Estado e governo em toda parte.
Santos viajou à Europa esta semana, onde formalizará o ingresso na OTAN na sede da entidade, em Bruxelas, e a candidatura à OCDE, em Paris.
A OCDE, com 35 membros, reúne as economias mais industrializadas do mundo e algumas emergentes, como o México e o Chile, os seus únicos sócios ibero-americanos. A entidade é conhecida informalmente como o “clube dos ricos” e atua como um órgão de discussão de políticas públicas e econômicas para os países membros, em geral, vinculadas aos interesses dos mercados financeiros, centradas no controle da inflação, austeridade orçamentária e questões fiscais. A carteirinha de sócio do clube confere ao país uma espécie de “selo de qualidade” institucional para atrair investidores internacionais, reforçando as qualificações atribuídas pelas agências de classificação de risco.
“No âmbito de seu processo de adesão, a Colômbia se reformou profundamente para ajustar sua legislação, suas políticas e suas práticas às normas da OCDE, especialmente nos seguintes âmbitos: trabalho, reforma do sistema judicial, gestão das empresas públicas, luta contra a corrupção, intercâmbios e políticas nacionais inéditas em matéria de produtos químicos industriais e gestão dos resíduos”, sinalizou uma nota oficial da OCDE (G1, 25/05/2018).
No ano passado, o Brasil apresentou a sua candidatura à entidade, mas foi discretamente recomendado a retirá-la pelos EUA, em abril deste ano, alegadamente, por falta de “respaldo eleitoral” para o pleito (Exame, 17/04/2018).
Na OTAN, a Colômbia não terá o status de membro pleno (reservado aos EUA, Canadá e países europeus), mas de sócio global, a exemplo do Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Paquistão, Mongólia e Iraque. Em sua comunicação, Santos fez questão de ressaltar que o país seria o primeiro membro latino-americano da organização.
De acordo com a organização:
Os objetivos da parceria são: desenvolver abordagens comuns para a segurança global, desafios como a segurança cibernética, segurança marítima e terrorismo, e os seus vínculos com o crime organizado; apoiar esforços de paz e segurança, inclusive segurança humana, com um foco particular na proteção de civis e crianças, e promover o papel das mulheres na paz e segurança; e construir as capacidades e capacitações das forças armadas colombianas.
Como se percebe, as metas são suficientemente abrangentes para abarcar praticamente qualquer aspecto referente ao emprego de forças militares, abrindo caminho para a participação colombiana em quaisquer operações da Aliança Atlântica, como já ocorreu em em 2015, com o envio de um navio-patrulha ao Oceano Índico, para integrar uma operação multinacional contra piratas somalis.
Bem mais séria é a possibilidade de que o ingresso da Colômbia abra espaço para eventuais maquinações geopolíticas da OTAN na América do Sul, como parte da agenda de expansão extrajurisdicional das suas atividades, que a Aliança vem adotando desde a década passada, adotando o perfil de uma autêntica “gendarmeria global” mobilizável contra um amplo espectro de desafios.
Ademais, o discurso triunfalista de Santos mostra uma grande semelhança com o de Carlos Salinas de Gortari sobre a adesão do México ao NAFTA e o da Argentina de Carlos Menem e suas “relações carnais” com os EUA. Com a agravante de que Santos aceita implicitamente a expansão militar do Comando Sul estadunidense à margem norte do rio Amazonas, pretensão da vetusta agenda geopolítica do Grande Caribe, ressuscitada por alguns segmentos mais delirantes dos estrategistas de gabinete de Washington, cujas ambições se superpõem à expansão das atividades da OTAN.
Uma nova agenda para a OTAN
Os novos objetivos da OTAN foram definidos no final da década de 1990, coroando a busca da Aliança por novas missões, após a implosão da União Soviética, que justificou a sua criação, em 1949. Uma interessante e oportuna síntese sobre eles foi feita pelo então ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, em setembro de 2010, no seminário “O Futuro da Comunidade Transatlântica”, promovido pelo Instituto de Defesa Nacional de Portugal, como parte da preparação da cúpula da OTAN, que se realizaria em Lisboa, no mês de dezembro seguinte. Na ocasião, além de explicitar os desdobramentos da nova estratégia da Aliança, Jobim externou a firme oposição do Brasil a uma pretendida expansão das suas operações no Atlântico Sul. Vejamos algumas de suas considerações, como reproduzidas na Resenha Estratégica de 15 de setembro de 2010:
Ainda em 1999, publicou-se o novo conceito estratégico da Aliança Atlântica. O novo conceito ampliou o escopo e o raio de atuação da Aliança – não mais restrito ao teatro europeu. Uma interpretação literal desse conceito nos leva a afirmar que a OTAN passaria a poder intervir em qualquer parte do mundo. Os pretextos para operações poderiam ser vários: antiterrorismo; ações humanitárias; tráfico de drogas; agressões ao meio ambiente; ameaças à democracia; entre outras.
Mais adiante, sem meias palavras, o ministro enfatizou os riscos implícitos nas novas missões primárias da OTAN fora da sua área “tradicional” de operações:
No que toca ao “novo conceito estratégico” da organização, é patente a similaridade entre as propostas em estudo e a agenda internacional dos Estados Unidos – o que, a bem da verdade, não constitui propriamente surpresa… Vale reproduzir um dos itens do capítulo quinto do documento:
“NATO 2020: assured security; dynamic engagement… desdobrar e sustentar capacidades expedicionárias para operações militares além da área abrangida pelo tratado quando requerido para impedir um ataque na área abrangida pelo tratado ou para proteger os direitos e outros interesses vitais dos membros da aliança [grifos no original].”
Ela pode levantar questionamentos a respeito do caráter efetivamente regional da OTAN.
Para além de enquadrar ações como aquelas desenvolvidas no Afeganistão, no contexto da International Security Assistance Force (ISAF), o texto permite justificar intervenções da organização em qualquer parte do mundo (“… para proteger… outros interesses vitais dos membros da Aliança!”).
O mesmo se passa com a menção à possibilidade de consultas sob os auspícios do artigo quarto do Tratado do Atlântico Norte – ameaça a um ou mais dos Estados membros – em episódios que envolvam “segurança energética”.
Temos, ainda, a recomendação de que a Aliança prepare-se para contingências relacionadas à mudança climática.
Tudo isso gera indagações. Peço permissão para afirmar que, a meu ver, o elemento fulcral dessa problemática tem a ver com a extrema dependência européia das capacidades militares norte-americanas no seio da OTAN. Muitos analistas, inclusive no Brasil, acreditam que ela poderia fornecer verniz de legitimidade às ações militares que os decisores estadunidenses não queiram abraçar de maneira unilateral ou não possam ver aprovados no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Do ponto de vista brasileiro – Estado amante da paz e que mantém relações amistosas com a totalidade dos 28 países que compõem a organização – o Conselho de Segurança da ONU, apesar de sua restrita e superada composição, constitui, ainda, a única instância internacional capaz de legitimar o uso da força.
Nesse sentido, vejo com reservas iniciativas que procurem, de alguma forma, associar o “norte do Atlântico” ao “sul do Atlântico” – esta, o “Sul”, área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança relacionadas às duas metades desse oceano são notoriamente distintas. O mesmo se diga sobre hipotético “Atlântico central”.
Oito anos depois, as considerações de Jobim, que refletiam o pensamento prevalecente entre os militares e grande parte da diplomacia nacional, são ainda mais relevantes no contexto da adesão colombiana à estrutura da OTAN e da anunciada intenção dos EUA de retomar em grande estilo a sua influência no Hemisfério Ocidental, em face da presença crescente da China e da Rússia na América do Sul, em uma espécie de reedição da Doutrina Monroe. O objetivo foi explicitado na visita do então secretário de Estado Rex Tillerson a cinco países da América Latina e Caribe (entre os quais a Colômbia), em fevereiro último: “Promover um hemisfério seguro, próspero, democrático e com segurança energética.”
Em um discurso proferido no Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade do Texas em Austin, às vésperas da viagem, o próprio Tillerson investiu contra a China e a Rússia, rotulando-as como “atores predatórios” e, particularmente, referindo-se à China, “potência imperial”. E, em uma mistura de candidez e cinismo, chegou a afirmar que “a América Latina não precisa de uma nova potência imperial” – possivelmente, referindo-se à atitude estadunidense na região.
A Colômbia e o “novo atlanticismo”
A aproximação da Colômbia com a OTAN não é nova, remontando à década passada, quando os “neoconservadores” que dominavam o governo do presidente George W. Bush (2001-09) subempreitaram ao ex-presidente do governo espanhol, José María Aznar (1996-2004) e às redes da Fundação para a Análise e Estudos Sociais (FAES), think-tank ligado ao seu Partido Popular (PP), a tarefa de estabelecer um “novo atlanticismo”, eufemismo para a extensão dos tentáculos da OTAN à Ibero-América (ver nota seguinte).
Em outubro de 2005, a FAES divulgou o estudo “A OTAN: uma aliança para a liberdade – como transformar a aliança para defender efetivamente nossa liberdade e nossas democracias”, o qual citava entre os novos objetivos da Aliança, a “construção da democracia” e a “ampliação dos membros, com convites para a adesão de Israel, Japão e Austrália, e associações estratégicas com a Colômbia e a Índia”.
Para Aznar e seus associados, a nova OTAN passaria a ser “uma livre associação de países democráticos, engajados em um sistema de vida aberto e liberal, baseado na economia de mercado, que ofereçam uma tolerância religiosa e respeito aos direitos do homem (Resenha Estratégica, 22/03/2006)”.
No tocante à Colômbia, a agenda está sendo implementada como planejado.
Todavia, é forçoso reconhecer que a aproximação Colômbia-OTAN se deu no contexto do vácuo do fracasso dos países sul-americanos de definir uma estratégia de defesa e segurança continental, iniciativa cuja liderança caberia naturalmente ao Brasil. A intentona da OTAN na América do Sul obedece ao imperativo do restabelecimento da proeminência dos EUA nesse quesito, como ocorria com o antigo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), sepultado pelo alinhamento estadunidense com o Reino Unido na Guerra das Malvinas de 1982. Tarefa, indubitavelmente, facilitada pelo fracasso dos esforços de elaboração de uma política de defesa e segurança própria para a América do Sul, com a virtual implosão da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Quanto ao Brasil, o vácuo de soberania existente na determinação dos usos físicos do território nacional, principalmente na Amazônia, e a perda de rumo que se observa no País (condições sintomaticamente apontadas pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas), abrem caminho para que os “novos atlanticistas” preencham o vazio deixado pela omissão voluntária da maior nação do subcontinente.
Não por acaso, vem da Colômbia outra fonte de preocupação para os brasileiros, o chamado Corredor AAA (de Andes-Amazônia-Atlântico) de unidades de conservação e terras indígenas, que o aparato ambientalista-indigenista internacional não teve dificuldade em convencer o presidente Santos a apoiar e no qual está se empenhando em envolver o Brasil.
Em síntese: ou os brasileiros recolocam o País nos trilhos, com um novo projeto nacional de desenvolvimento e inserção soberana no cenário global, ou correrão altos riscos de virem a confrontar-se com desdobramentos estratégicos imprevisíveis no seu entorno, determinados por atores estrangeiros e potencialmente contrários aos seus interesses.
Nota:
*in Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) Capa – Destaque 1 de junho de 2018
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*Lorenzo Carrasco é jornalista, fundador do movimento e editor do Boletim Solidariedade Ibero-Americana, foi jornalista correspondente da revista Executive Intelligence Review (EIR). Fundador e diretor da revista Fusión Nuclear. Fundador e membro do conselho editorial da revista Benengeli. Membro fundador do Instituto Schiller.
Fonte: The Eagle View