Por Cyro Vicente Boccuzzi
Enquanto o Brasil vinha insistindo em uma política energética privilegiando grandes usinas e extensas linhas de transmissão, cada vez mais distantes dos centros consumidores, o mundo caminhava a passos largos em uma direção diametralmente oposta, onde novas tecnologias viabilizavam a produção local de eletricidade, em quantidades e preços cada vez mais competitivos no longo prazo.
É consenso mundial que os grandes empreendimentos energéticos do passado (e no caso do Brasil, também do presente) trazem consigo enormes passivos ambientais ocultos, legados às futuras gerações e por isso hoje estes grandes projetos são consensualmente sempre bastante questionados pela grande maioria dos países do mundo.
Além disso, a energia é a mola mestra da sociedade moderna e o pilar fundamental de bem estar e saúde econômica dos países, e por isso tem sido priorizada pelos governos de forma absolutamente responsável e conservadora, onde outra unanimidade consensual se construiu: a energia é um bem escasso e com custos crescentes no mundo e por isso a promoção e o incentivo ao uso racional e eficiente da energia está entre as maiores prioridades dos governos no mundo.
Aqui, novamente, o Brasil demonstrou, historicamente, um conservadorismo na política energética: tradicional, centralizadora e promotora de projetos de grande porte. Mas felizmente começou a mudar, com a progressiva incorporação competitiva de projetos eólicos e mais recentemente solares, apesar de ter perdido a excelente oportunidade da promoção da biomassa e das PCHs. As grandes obras, muito distantes dos centros de consumo, contribuem para o aumento das perdas técnicas, que são inerentes aos processos de geração, transmissão e distribuição de energia. Estas perdas técnicas, hoje em torno de 10%, são também mais elevadas do que outros países do mundo pelo fato do Brasil ser um país de dimensões continentais e por ter desenvolvido um extenso programa de universalização do acesso à energia elétrica. Nos últimos 8 anos, muitas redes extremamente extensas foram construídas levando fios a grandes distâncias, em locais dos mais distantes do país, visando atender, também de forma absolutamente tradicional e ultrapassada tecnologicamente, pequenas comunidades de baixo consumo, para a universalização do acesso à da energia elétrica. Estas redes de longa distância representaram crescimento de ativos da ordem de 50% para um grande numero de empresas distribuidoras e por isso hoje não proporcionam receitas sequer para remunerar os pesados custos de operação e manutenção, sem falar nas elevadas perdas técnicas já mencionadas.
Além destas perdas técnicas, entretanto, existem ainda as relevantes perdas comerciais, ou decorrentes de furto de energia, onde seguimos entre as mais altas do mundo. A ineficiência causada pelo furto de energia é a pior das formas de desperdício, pois quem furta não tem motivos para economizar. As perdas comerciais equivalem, no total a cerca de 8% do mercado total de energia do Brasil, havendo, entretanto, locais específicos aonde chega a valores acima de 50%.
Apesar dos programas de inclusão social e de universalização, o Brasil segue com elevadas ineficiências em seu suprimento de energia. Assim, somadas, as perdas totais chegam a impressionantes 17%, contra números como 8% na América do Norte e 9% na Europa, onde efetivamente existem preocupações com a escassez de energia no mundo e os programas de uso racional e eficiente são estimulados para toda a população, a partir do bom exemplo dos governantes.
O Brasil, entretanto, a despeito desta situação incoerente, seguiu até recentemente desenvolvendo foco quase exclusivo voltado para a “modicidade tarifária” e “inclusão social”, como se elas já não estivessem instaladas e ocorrendo na prática, sem respaldo econômico. Pior que isso, não bastasse uma carga tributária total de 45% sobre os preços finais de eletricidade, com a edição da Portaria 579 em setembro de 2012, estas distorções foram acentuadas pela oferta de tarifas ainda mais abaixo do custo real e com mais subsídios embutidos, sem a proporcional desoneração dos impostos e encargos existentes.
Esta medida, e as subsequentes, acabaram por estimular o consumo ineficiente e também provocaram distorções nas contas nacionais, comprometendo a segurança energética e a sustentabilidade das empresas de energia no curto e médio prazos.
Assim, a recente crise energética não se deveu apenas à hidrologia desfavorável, mas fundamentalmente a um modelo de preços inadequados, que acabou por estimular o consumo ineficiente e o desperdício, sem remunerar adequadamente investimentos necessários, que acabam não tendo a contrapartida de receita.
Em qualquer setor de infraestrutura a confiança é o ingrediente fundamental para encorajar investimentos que retornarão somente a longo prazo. Por isso, é fundamental manter a confiança dos agentes, assegurando estabilidade de regras num setor de longo prazo e transparência na governança setorial, além de prover, entre outras medidas, desoneração fiscal em setor de oferta de serviço essencial.
A visão tradicional, calcada nas tecnologias convencionais, está rapidamente cedendo lugar a novas abordagens e alternativas tecnológicas, em escala mundial, e conseqüentemente desafiando de forma muito rápida o antigo e consolidado modelo de negócios do setor elétrico. Estas novas tecnologias permitem construir soluções conhecidas genericamente pelo nome “Smart Grids” ou “Redes Inteligentes”, pois incorporam tecnologias de informação e telecomunicações para gerenciar de forma automática e otimizada a administração de serviços de eletricidade com excelentes níveis de serviço e de qualidade, comparativamente às tecnologias convencionais. Por isso, a importância da articulação institucional na discussão da estratégia energética e da inclusão de uma ampla gama de públicos interessados neste debate é ainda mais relevante e urgente do que em muitas outras partes do mundo.
Cyro Boccuzzi é presidente do Fórum Latino-Americano de Smart Grid
(cyro.boccuzzi@ecoee.com.br)
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