A crise do REDD+ não é equatoriana, é conceitual…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O clima do planeta terra está se alterando vertiginosamente, em termos geológicos. O aumento da temperatura global no planeta, até o final deste século, já demanda e demandará ainda mais, de todos os países, medidas de defesa civil e intervenções no domínio das economias em escala considerável, de modo a permitir a continuidade da produção de alimentos, a mobilidade humana e a qualidade de vida das populações.
Ainda que subsistam dúvidas quanto ao grau de influência humana no processo – se acessório ou determinante, é fato que as emissões de gases de efeito estufa por atividade antrópica, em especial as advindas da queima de combustível fóssil e as resultantes do desmatamento em larga escala, prejudicam a qualidade atmosférica e, no mínimo, aceleram todo o processo de mudança do clima em nosso planeta.
A Convenção Quadro de Mudanças Climáticas (CQMC), criou critérios para o controle e redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEEs) por atividades humanas. O esforço de engajamento dos países responsáveis pelas emissões históricas de GEEs fez, então, surgir um promissor mercado de títulos de compensação para o atingimento de metas.
Com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, treze anos após firmada a Convenção, o mercado de carbono tornou-se ainda mais atrativo, na primeira década deste século.
A crise financeira de 2008 e a quebra de várias economias nacionais em 2012, porém, mudaram o quadro.
O Esquema de Comércio de Emissões da Europa (ETS) foi terrivelmente impactado por medidas aprovadas pelo Parlamento Europeu que, a título de desonerar a indústria e manter empregos, permitiu até mesmo a concessão de direitos de emissão de GEEs gratuitamente, acarretando uma inundação de títulos e queda vertiginosa de preços. Novos títulos, ao que tudo indica, só após 2020.
O mercado norte-americano assistiu à reversão total de expectativas quanto ao mercado de carbono externo ao Protocolo de Kyoto. Esse retrocesso engolfou os títulos de Kyoto e foi agravado com o impasse na condução do novo marco legal de energia, no primeiro mandato de Barak Obama. Agora, ante o advento do mercado do Gás de Xisto, pode ser banido das cestas de investimento.
A nova ordem pelo visto, não é “reduzir” e sim “emitir” GEEs.
Com as portas se fechando na Europa e EUA para os títulos de carbono oriundos de projetos ao sul do equador, os países latino americanos têm apelado ao novo mecanismo do REDD+.
REDD+, significa Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (o sinal + inclui “o papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de estoques de carbono nas florestas”). O mecanismo prometia sucesso no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas a partir de 2020.
Porém, quando tudo parecia caminhar para o ramo lucrativo do manejo das florestas em pé, o Equador resolve abortar o projeto considerado o modelo mais consagrado de REDD+ em todo o mundo: o manejo sustentável do Parque Yasuní.
Prestes a se tornar o primeiro país a abrir mão de explorar uma reserva petrolífera em troca de compensações pelo manejo sustentável da floresta amazônica o Equador interrompe um projeto-modelo que tinha o engajamento dos EUA, da Espanha e mais cinco países europeus, com valor estimado em US$ 3.6 bilhões.
O projeto, de fato, afundou nos 930 milhões de barris de petróleo depositados no subsolo do Parque, amarrado pelas indefinições acometidas nos países que prometiam fundos mas se perderam nos mundos da crise econômica.
O Presidente Rafael Correa, do Equador, declarou: “o mundo [nós] falhou”.
Será? Ou será que o que falhou foi justamente a indefinição conceitual do que seja “Desenvolvimento Sustentável?
Ora, a manutenção da floresta em pé não deveria ter por contrapartida a retenção indefinida de uma reserva petrolífera cuja exploração poderia se dar em bases extrativas sustentáveis. O sequestro de um recurso estratégico em prol de outro, a ser manejado conforme planos urdidos fora do controle soberano do país hospedeiro, desafia o efetivo controle territorial deste país sobre ambas as riquezas envolvidas.
Rafael Correa, ao justificar o aborto do projeto de REDD+ declarou que a lógica da proteção ambiental não pode prejudicar a lógica do desenvolvimento econômico, isso seria “não a lógica da justiça, mas a lógica do poder”.
O Presidente do Equador repetiu, à maneira bolivariana, o Princípio 4 da Declaração do Rio (1992), que reza ser a proteção ambiental integrante do processo de planejamento econômico, não podendo ser vista de forma isolada daquele.
Governante atento à armadilha conceitual, Rafael Correa percebeu o vírus da dependência econômica embutido no mecanismo de compensação climático.
Isso é um alerta para o Brasil.
O Brasil fenece com a ausência de regulamentação, com a burocracia, indefinições políticas setoriais e despreparo conceitual de seus dirigentes.
O caso do Equador é paradigma. Devemos evitar medidas territoriais restritivas ao desenvolvimento das matrizes de energia. Limites e garantias não devem obstruir o acesso a recursos estratégicos mas, sim, orientar o uso racional desses elementos, dentro de um planejamento sustentável.
É necessário definições legais, aposição de regulamentação realista, séria, humanista e a recusa expressa de conceitos biocentristas tolos e inaplicáveis.
Caso contrário, o fantasma equatoriano baterá ás portas dos projetos de REDD+ brasileiros, enterrando de vez nosso mercado de carbono, ainda indefinido e, no entanto, ainda promissor…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.
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