Controle de armas no Brasil configura um Estado de Coisas Inconstitucional
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Esta é uma análise da balbúrdia sobre o desarmamento civil, o Estado de Coisas Inconstitucional e o direito do cidadão a defender-se contra isso.
Enquanto marginais disparam suas metralhadoras e até bazucas pelas ruas do Brasil, o Poder Pùblico insiste em proibir o porte e registro de armas de baixo calibre para a defesa pessoal das pessoas de bem.
A obssessão estatal revela indisfarçável covardia: Nossas autoridades TEMEM armar a população, cientes que cidadãos capazes de resistir ao banditismo, também são capazes de resistir ao arbítrio.
Qualquer tragédia, ocorrida aqui ou em qualquer outra parte do mundo, serve de pretexto para que desarmamentistas, desconsiderando todas as circunstâncias dos fatos, caiam como moscas na carniça das vítimas, para justificar sua tirania liberticida. Afinal, como dizia Esopo, “o tirano usa pretextos justos, para exercer sua tirania”.
Talvez seja essa a razão da manifestação sociopata de se buscar proibir também o porte e uso de facas e canivetes. Algo como permitir que a burocracia de Estado passe a gerir a cozinha e a garagem de nossas casas.
Uma república que não consegue manter criminosos perigosos na cadeia, não controla o tráfico de armas e não protege seus próprios policiais, tratará doravante de caçar e prender os escoteiros mirins…
Armas brancas matam…
A afirmação óbvia constitui o “fundamento” de dois projetos de lei que tramitam em conjunto no Senado e estão na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Os textos criam um novo tipo penal para quem portar objetos como tesouras, facas, foices, enxadas, canivetes, punhais e estiletes. Foram apresentados, como sempre, durante a comoção social ocasionada por uma onda de ataques a faca feitos a ciclistas no Rio de Janeiro.
O Projeto de Lei 320/2015, do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), tipifica o porte de arma branca, definindo o objeto como “artefato perfurante, cortante ou contundente com vistas à prática de crime”. A pena prevista é a de multa e detenção de um a três anos. Circular com esses objetos seria permitido apenas a pessoas que os utilizem “para emprego em ofício, arte ou atividade para o qual fabricado”.
Já o Projeto de Lei 311/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), prevê, além do tipo penal por porte de arma branca para “cometer crime”, penas mais graves a delitos com armas brancas realizados “com violência ou grave ameaça à pessoa”.
“O nosso ordenamento jurídico não conta com um crime específico para o porte de arma branca”, escreveu Jucá em sua justificativa. “Tal como outros tipos penais, como o de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), a conduta só será punível se cometida com a finalidade de cometer um crime”, explicou o senador roraimense à imprensa*.
A manipulação estatística, obviamente, constitui o suporte das duas iniciativas imbecis – capazes de criminalizar dona de casa incauta que manipular faca de cozinha.
Os dois senadores alegam que o último anuário da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2016, mostrou que de 42.755 mortes por agressão registradas no Brasil, 12.102 (28,3%) foram com arma branca. Em estados como Acre, Tocantins, Roraima e Amapá o número de assassinatos cometidos com o uso de objeto cortante passa de 40% do total de mortes.
A ONG especializada em números órfãos, ao que tudo indica desconhece que “arma” é qualquer objeto ou instrumento utilizado para ataque ou defesa, que possa produzir ferimentos em outrem. Vale dizer, o problema não está na “arma” utilizada e, sim, nas razões para a violência praticada.
O equívoco cognitivo evidente é divulgado à exaustão pela manada de repetidores de bobagens postados na mídia nacional. Por conta disso, seguindo a lógica imbecil, daqui a pouco nossos políticos estarão exigindo porte da polícia federal para uso de lápis e canetas…
Incompreensão histórica
O Poder Público brasileiro é incapaz de entender seu papel na sociedade. Não identifica e nem enfrenta as causas da impressionante onda de violência que acomete o país. No entanto se empenha em desarmar ainda mais os cidadãos de bem, permitindo toda sorte de abusos e delitos. Combatem o fenômeno ignorando as causas e impondo regime legal aos efeitos – o famoso ato de “enxugar gelo”.
A substituição da justiça pela hipocrisia é criminosa. O “Estatuto do Desarmamento”, por sua vez, é símbolo maior dessa trágica escolha.
Nos governos FHC, dirigentes tucanos agiram com absoluto cinismo para embolar dados estatísticos, visando fazer da violência urbana um pretexto para desarmar a população civil. O resultado dessa miséria política surgiu no início do governo Lula, com a edição da Lei Federal 10.826 de 2003.
De olho nos exemplos “bolivarianos” de controle populista, a esquerda petista e seus satélites buscaram assenhorar-se do Estado Brasileiro às custas da capitulação da sociedade. Pretenderam fazê-lo por meio do desarmamento sistemático, imposto contra a vontade popular expressa em plebiscito e, pior ainda, mediante ordem expressa ao aparato da polícia federal.
Nesse sentido, desde então as autoridades policiais, sob o comando do Ministério da Justiça, vêm ostensivamente desobedecendo o próprio estatuto legal, impedindo que cidadãos em condição regular obtenham autorização para porte ou até registro de armas. A alegação seria hilária se não fosse trágica: “reduzir índices de criminalidade por armas de fogo”.
O resultado, como é notório, foi e continua sendo desastroso.
O governo não reduziu a violência. Pelo contrário, incentivou criminosos a agredir e matar cidadãos, na certeza destes se encontrarem desarmados e indefesos.
A sociedade brasileira já foi oficialmente consultada por meio de plebiscito, disse não à proibição do registro e porte de armas para defesa pessoal. A vontade popular, no entanto, continua sendo desrespeitada pelos dirigentes de segurança pública.
O governo insiste em negar validade à soberania popular e corrompe a própria lei, que hoje se encontra emendada de forma a prejudicar ainda mais o acesso do cidadão ao seu direito ao registro e porte de armas legais.
Não fossem protagonistas de parte da tragédia nacional os próprios “guardiões” do conceito, seria o caso de propor a judicialização do conflito no Supremo Tribunal Federal, por estar mais que caracterizado o chamado Estado de Coisas Inconstitucional.
Explico:
O Estado de Coisas Inconstitucional
Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) é uma situação fática, provocada por um conjunto de ações e omissões do próprio Poder Público, e que demanda tutela jurisdicional visando impor um ajuste na conduta do Estado em prol da tutela dos direitos constitucionais afetados.
O instituto foi recentemente adotado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 347/DF*, tendo por referência decisões da Corte Constitucional Colombiana (CCC) proferidas no final do século passado. É, portanto, um mecanismo de constatação tipicamente latino americano.
A justiça colombiana, quando ainda grassava enorme onda de violência e, também, de desmandos administrativos naquele país, entendeu necessário tutelar conflitos diante da constatação de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais. A finalidade da tutela seria a “construção de soluções estruturais voltadas à superação de um lamentável quadro de violação massiva de direitos das populações vulneráveis em face das omissões do poder público.”*
A primeira decisão da Corte Constitucional Colombiana que reconheceu o ECI foi proferida em 1997 (Sentencia de Unificación – SU 559, de 6/11/1997), numa demanda promovida por diversos professores que tiveram seus direitos previdenciários sistematicamente violados pelas autoridades públicas. Ao declarar, diante da grave situação, o Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Colombiana determinou às autoridades envolvidas uma obrigação de fazer: a superação do quadro de inconstitucionalidades em prazo razoável.
O Estado de Coisas Inconstitucional exurge quando uma grave, permanente e generalizada violação de direitos fundamentais passa a afetar gravemente um número elevado, amplo e indeterminado de pessoas. Essas violações deverão ser atribuídas ao descumprimento generalizado de organismos estatais, de suas obrigações de proteção dos direitos fundamentais – seja por omissão legislativa, legal, administrativa ou orçamentária.
Posto isso, o judiciário deverá, para aplicação do instituto, vislumbrar uma necessidade premente de se construir solução que envolva a ação coordenada de uma pluralidade órgãos e autoridades, visando mudanças estruturais (elaboração de novas políticas públicas, a alocação de recursos, etc.).
O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, e sua tutela, pressupõe, no entanto, o chamado “Ativismo Judicial Estrutural”, doutrina que admite judicialização das funções executivas e legislativas, com evidente repercussão orçamentária.
A atual judicatura do Supremo Tribunal Federal reflete o fenômeno do ativismo judicial. Não por outro motivo, o STF tem protagonizado conflitos político-institucionais tanto quanto procurado solucioná-los.
Na ADPF 347/DF, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo esquerdista PSOL, o STF se debruçou para analisar a grave situação da população carcerária no Brasil, e, reconhecendo o “Estado de Coisas Inconstitucional”, concedeu parcialmente a cautela para determinar a implementação das audiências de custódia, prevista no art. 7º. da Convenção Americana dos Direitos Humanos, e descontingenciar o fundo penitenciário, implementando o mecanismo previsto na própria lei.
Ora, algo similar poderia ser aplicado ao gravíssimo fato do descumprimento oficial do estatuto que regula o registro e porte de armas – totalmente obstruído por normas e regras administrativas propositadamente apostas no âmbito do Ministério da Justiça e Polícia Federal, para impedir o acesso do cidadão ao exercício do seu direito fundamental á defesa da própria vida, da vida de seus familiares e de seus bens – direito esse que independe do dever do Estado de zelar pela Segurança Pública e integridade das pessoas.
A Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Garante ser a casa um “asilo inviolável do indivíduo”, de forma que ninguém nela pode penetrar sem consentimento do morador, salvo condições legais expressamente previstas. Dispõe ser direito fundamental a livre locomoção do cidadão e constituir a Segurança Pública um dever do Estado, um direito e responsabilidade de todos.
Essa garantia é absoluta. Ela não é conferida ao Estado à custa da supressão do seu exercício pelo cidadão. Pelo contrário, há de ser prioritariamente garantida e exercida pelo cidadão – inclusive contra o Estado, se este for o violador da garantia.
Não se tratam de direitos “outorgados” pelo governo. Da mesma forma, governo nenhum, em qualquer parte do mundo, garante por si a segurança do cidadão, sem que este também o faça, muito menos ousa o Poder Público reduzir, cercear ou suprimir um direito natural da pessoa de se defender.
Só no Brasil, idiotas ousam “debater” esse núcleo essencial á vida em sociedade organizada. Por isso mesmo, vivemos o caos em que estamos.
Nos Estados Unidos, palco de grandes debates sobre a venda sem restrições de armas de fogo, a esquerda há décadas tenta em vão construir um regulamento nacional de controle em moldes muito inferiores ás regras existentes no Brasil, desde antes do Estatuto de 2003. Porém, a segunda emenda á Constituição Americana é expressa:
“Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser infringido.”
A emenda americana é, portanto, um apoio aos direitos naturais de autodefesa e resistência à opressão, e também ao dever cívico de agir coletivamente na defesa do Estado.
Os americanos, assim, resolveram há séculos um conflito que corrói a segurança jurídica da cidadania no Brasil. O fato é que o desarmamento imposto à população brasileira contraria vontade legalmente expressa por ela e fragiliza a cidadania, expondo pessoas em condições legais de buscar sua defesa pessoal à violência urbana protagonizada pela criminalidade sem contrôle.
São elementos suficientes para caracterizar um Estado de Coisas Inconstitucional tão ou mais grave que o verificado pelo STF no caso da população prisional brasileira. Talvez para o Supremo emitir declaração em moldes similares à emenda norte americana, impedindo o Estado brasileiro de agir contra o direito constitucional do cidadão de buscar meios legítimos de garantir sua defesa.
É nessas circunstâncias que seria uma estratégia inteligente buscar tutela a direito fundamental da cidadania, fazendo uso da “arma jurídica” do ECI.
Um paradoxo do bem – pois estimula o ativismo judicial a deixar de criar conflitos para tutelar direitos fundamentais que o Estado, hoje, trata de violar…
Uma luz oriunda do legislativo?
Felizmente, não só de caçar os direitos dos escoteiros mirins vive, felizmente, o Senado Federal.
O Senado abriu mais uma consulta online sobre aquisição e porte de armas no Brasil, por conta da tramitação de novo projeto de lei do senador Wilder Morais (PP-GO), nº 378/2017.
Aberta a consulta, no dia 16 de outubro, em pouco mais de 24 horas, o projeto já contava com quase 45 mil apoios contra apenas 4,7 mil reprovações.
O projeto tem seis capítulos. Estabelece bases racionais e objetivas para a compra, porte e circulação de armas no país, ao mesmo tempo em que revoga o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003).
Na justificativa do projeto de lei, constam várias pesquisas realizadas sem manipulação e estudos demonstrando o óbvio: o número de armas em poder da população não interfere nas estatísticas de violência.
“Não são as armas que matam as pessoas, mas sim o próprio ser humano, o ser humano com o intuito de cometer crimes, que cometeria o ato independente de portar ou não arma de fogo”, declara o Senador Wilder. Para ele, o projeto vai resgatar “o livre exercício dos direitos fundamentais suprimidos pelo Estatuto do Desarmamento”.
A realidade dura de ser engolida pela burocracia brasileira é, no entanto, evidente: Se a matéria estivesse nas mãos do povo brasileiro, já haveria decisão firme por garantir o exercício regular da compra e uso de armas de fogo pelo cidadão de bem que assim deseje assumir esta responsabilidade.
Os números, nesse caso, nunca mentiram.
Pesquisa divulgada em setembro deste ano de 2017, apontou que 52,7% são favoráveis ao acesso facilitado a armas de fogo, enquanto que outros 13,9% acreditam que as restrições atuais deveriam ser menores. Váras pesquisas, em todos esses anos, chegam à mesma conclusão.
Não foi diferente o resultado oficial do referendo realizado em 2005, quando 63% da população se posicionou contra a pretensão confessa do governo, de proibir o registro e o porte de armas ao cidadão.
Portanto, os entraves criados pela lei e pelas diretrizes da burocracia inoperante, praticamente inviabilizando o acesso do cidadão ao seu direito sagrado de obter registro e porte de armas, além de estimularem a corrupção, fragilizam a vida de quem poderia se defender e constituem odiosa inconstitucionalidade.
Se o legislativo não corrigir agora esse rumo, talvez seja o caso de buscar a tutela judicial.
Fontes:
*http://www.gazetadopovo.com.br/justica/andar-com-arma-branca-pode-virar-crime-27ko81vbqmm397lxl3m7edngr
*https://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/264042160/estado-de-coisas-inconstitucional
*http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Postado há Yesterday por Antonio Fernando Pinheiro Pedro