Por Washington Carlos de Almeida*
A relação jurídica obrigacional é estruturada em três elementos fundamentais que estão alicerçados nos artigos 104 (capacidade e legitimidade das partes, objeto lícito e forma adequada), 421 (princípio da autonomia da vontade privada) e 422 (princípio da boa-fé objetiva e probidade, vale dizer, honestidade dos sujeitos), todos do Código Civil, sendo que a ausência de um desses elementos acarreta a invalidade do negócio jurídico.
Outrossim, a relação jurídica obrigacional possui três fontes, a saber:
-Os contratos, que são a principal fonte;
-Os atos ilícitos; e,
-Os atos unilaterais de vontade
O art. 884 e parágrafo único do Código Civil tratam do enriquecimento sem causa, que se funda no princípio da equidade, pelo qual nenhuma parte de uma relação jurídica pode enriquecer indevidamente à custa do empobrecimento de outrem.
Muito se fala sobre o relacionamento afetivo. Em se tratando de namoro, que é a fase de conhecimento entre as partes para entabular um futuro relacionamento, é comum os namorados perfazerem doações entre si, em especial em datas comemorativas, visando uma evolução desse relacionamento para uma união estável ou casamento podendo, ainda, ocorrer nesse meio tempo o chamado “noivado”, que é a fase da preparação para as núpcias, porém, ainda, não amparado pelo art. 1566 do Código Civil que traduz os deveres de ambos os cônjuges, como deveres de mútua assistência, fidelidade e lealdades reciprocas, etc. .
Contudo, a boa fé e probidade presentes nas relações jurídicas de direito privado permeiam também as relações afetivas, trazendo consequências jurídicas, como a obrigação de restituir, ao fim da relação, caso não se concretize a união estável ou casamento, os presentes de expressivo valor econômico eventualmente trocados entre as partes.
A questão jurídica no caso em tela é, com o rompimento do namoro ou noivado, os bens recebidos a título de presentes, doações, devem ser restituídos? Parece-nos que a resposta é afirmativa, porque todo o animus donandi nessas duas fases do relacionamento (namoro/noivado), baseiam-se na confiança e na certeza de que a união, seja através de casamento ou união estável, com objetivo de constituir família, ocorreria e, ocorrendo, haveria uma espécie de “confusão patrimonial”, já que esses bens seriam desfrutados pelo casal.
Necessário entender a evolução patrimonial caso a caso, visto que nem sempre um bem doado durante o namoro caracteriza, necessariamente, o enriquecimento de uma parte em função do empobrecimento da outra parte, a ensejar a aplicação do art. 884 e parágrafo único do Código Civil ao caso concreto.
Cremos que nem mesmo a aliança de compromisso ou noivado, adquirida com esforço de apenas um.a das partes, deva ser restituída àquele que a adquiriu, por mera liberalidade.
Por fim, cumpre sublinhar que mesmo que o bem doado já tenha se deteriorado ou perdido, caberá a restituição por enriquecimento sem causa, conferindo a lei ao lesado a indenização por perdas e danos ou pelo equivalente pecuniário, conforme disposto no art. 886 do Código Civil.
*Washington Carlos de Almeida – Graduado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutor em direito civil pela PUC-SP, pós doutor pela Universidade de Salamanca. Sócio do escritório Aloia e Almeida Advocacia e Consultoria – www.aloiaealmeida.com.br , Facebook/Aloia Amaro e Almeida Advocacia e Consultoria Jurídica
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 23/02/2021
Edição: Ana A. Alencar
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