Megashows como o do U2, em São Paulo, e do Rolling Stones, no Rio, são diversão garantida para multidões, mas também um incômodo para quem simplesmente mora ao lado.
Por Soraia Sene
O Brasil está na rota de apresentação dos principais artistas do mundo. Os dois megashows da temporada – as bandas U2 e Rolling Stones – atraíram uma multidão. Eventos emocionantes, e também muito lucrativos para seus organizadores. Mas nem tudo são luzes na ribalta. Transtornos são impostos a quem reside próximo dos locais que recebem essas superestrelas e seus alvoroçados fãs. E aí começam os problemas.
Armando Benetollo é vice-presidente do Conselho Comunitário da Região de Santana-Tucuruvi, zona norte de São Paulo, onde está localizada a praça Campos de Bagatelle. “De acordo com o Código Civil, a via pública é ilegal para a realização de shows, pois é de uso exclusivo do sistema viário. Em nossa praça são organizados grandes eventos, que, após seu término, deixam o local completamente destruído”, lamenta o morador.
“Um show musical gera um tumulto no trânsito bem pior que nos dias de jogos de futebol. Esses eventos atraem um público quase selvagem. O comércio clandestino invade o espaço, mas o principal mesmo é o barulho”, afirma Edison Farah, presidente da Associação Bairro Vivo, que atua no Pacaembu, bairro de classe média e alta da zona oeste da capital paulista, região famosa por abrigar o estádio de futebol símbolo da cidade.
Per força de um acordo envolvendo a vizinhança, este ano, um grande show realizado no estádio do Pacaembu, da banda americana Pearl Jam, foi assistido por 40 mil pessoas e terminou exatamente às 21h30. Segundo o delegado-titular do 23º Distrito Policial, Carlos Eduardo Martins, nenhuma ocorrência de perturbação do silêncio foi registrada.
Os municípios legislam sobre os níveis máximos de decibéis. Em áreas residenciais paulistanas, a chamada “Lei do Silêncio” adota, em geral, a seguinte determinação: após as 22h, o barulho não pode ultrapassar os 50dB (que equivale ao choro de um bebê). Em áreas comerciais, o limite fica em torno dos 60dB (o som produzido por uma máquina de costura em funcionamento).
Questão de sensibilidade – A reclamação mais comum ainda é em relação aos shows que adentram a madrugada. Nestes casos, os vizinhos incomodados pelo barulho, e que moram na cidade de São Paulo, acionam a Divisão Técnica de Fiscalização do Silêncio Urbano, mais conhecida como Programa Psiu.
O major da Polícia Militar, Moacir Rozado, diretor do Psiu, revela que é comum conversar com os organizadores de shows para que façam o direcionamento do som. “Fizemos isso com o U2. Essa adequação consiste em inverter o som e jogá-lo para cima, para não incomodar tanto os vizinhos”, explica o major da PM.
Porém, nem sempre a recomendação é seguida. No Rio de Janeiro, das 21 medidas exigidas pela Secretaria de Segurança Pública para a realização do show dos Rolling Stones, que reuniu mais de 1,3 milhão de fãs na praia de Copacabana, a única não cumprida foi a da lei do silêncio. Pudera, a potencia dos equipamentos que garantiram o som de arromba do grupo só foi possível porque consumiu energia equivalente a de 300 apartamentos.
“Cumprimos todas as medidas de segurança, mas o som dos Rolling Stones é o som dos Rolling Stones. Era uma questão de sensibilidade”, disse Ana Maria Maia, subsecretária especial de eventos da prefeitura do Rio em entrevista ao portal UOL para justificar o atropelo no ouvido alheio.
Emprego e lucro – No Rio, o show dos Rolling Stones empregou 1500 pessoas na montagem de equipamentos e palco e 2700 na segurança. Um público de cerca de 1,3 milhão de pessoas movimentou o comércio e lotou bares, restaurantes e hotéis da Cidade Maravilhosa.
Já o setor de feiras é um dos segmentos que mais tem crescido na cidade de São Paulo. O trânsito praticamente pára nas redondezas dos espaços que abrigam eventos como a Feira do Automóvel, o São Paulo Fashion Week e a Bienal do Livro.
Armando Arruda Pereira Campos, superintendente da União Brasileira dos Promotores de Feiras (UBRAFE) fala sobre o potencial de crescimento do setor. “Anualmente, as feiras de negócios em São Paulo geram cerca de 140 mil empregos diretos e indiretos. São hotéis, restaurantes, lojas, táxis, companhias aéreas e outros negócios que faturam muito”, diz. Segundo Campos, no país, as feiras movimentam cerca de R$ 3,2 bilhões por ano, e 80% dessa cifra é abocanhada por São Paulo.
Trânsito barrado – Outro ingrediente explosivo dessa complicada convivência é o direito de ir e vir. “O acesso às casas fica prejudicado. Tem morador que não consegue chegar em sua própria residência. Se fica doente ou tem de socorrer alguém, não consegue por causa do congestionamento e tumulto de pessoas”, reclama o vice-presidente do Conselho Comunitário da Região de Santana-Tucuruvi.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), responsável para que essa situação não ocorra na prática, não atendeu nenhuma das solicitações de nossa reportagem. Sua assessoria de imprensa apenas informou que não comentaria o assunto ou qualquer outro aspecto da questão.
O comandante do 2º Batalhão de Policiamento de Choque da Polícia Militar, tenente-coronel Luis Fernando Tarifa Serpa, explica que a corporação cuida da organização, controle e ingresso de pessoas nos estádios e faz a revista pessoal. “O policiamento na área externa é dividido com o policiamento local. Participamos de reuniões com a prefeitura, Guarda Civil e Companhia de Engenharia de Tráfego a fim de minimizar problemas de toda ordem, sempre agravados nos shows”, esclarece o comandante.
Conviver é preciso – A produtora Sunshine, uma das líderes do mercado, procura aplicar a fórmula do diálogo para garantir seu negócio. “Acreditamos que espetáculos, como os shows musicais, somam valor para o cotidiano das comunidades. Com organização, responsabilidade e planejamento, podem ser realizados sem que haja problemas para a população local e o meio ambiente”, disse a diretoria da empresa.
A Sunshine realiza megaeventos, como o Réveillon na Paulista e o Criança Esperança. Segundo informou, a empresa procura manter entendimento prévio com a população. “Estabelecemos um compromisso entre as partes envolvidas e desde a elaboração de um projeto temos como meta o bom convívio com a população”, concluí a nota da diretoria da Sunshine.
O entendimento entre moradores e organizadores de eventos nem sempre é fácil, mas não resta dúvida: esse é um exercício de diálogo absolutamente necessário. Afinal, o show não pode parar.