Por Marcelo Francisco Sestini*
A economia circular busca um modelo de produção baseado em práticas sustentáveis que, além da reutilização, remanufatura e reciclagem, inclui outras práticas regenerativas da natureza, mantendo a capacidade dos ecossistemas de continuar a prestar serviços à sociedade, em oposição ao modelo linear tradicional, onde os produtos são fabricados, usados e descartados, causando perda de valor econômico agregado a esses e degradação ambiental, resultado de resíduos e poluição gerados. O ciclo de vida de um produto deve ser considerado em toda sua extensão, desde a extração da matéria prima até a destinação final, buscando evitar ao máximo, nos casos em que for possível, a linha berço-ao-túmulo ou, ao menos, mitigar os impactos desse.
A cadeia de suprimentos circular é formada por fluxo não unidirecional, existindo um metabolismo reverso para os produtos, sendo seus componentes reprocessados e reinseridos nas atividades econômicas. Nesse esquema, a fonte original da produção ou aquela geradora de resíduo não é necessariamente a mesma que irá reprocessar as peças ou materiais descartados, mas sim aquele que permite que ocorra o feedback desses para os agentes que atenderão ao reprocessamento, garantindo a sua continuidade no espaço econômico. A circularidade existe quando os recursos são mantidos em uso por tempo mais longo possível, reduzindo desperdício e poluição.
A fim de se aplicar o modelo circular, os setores públicos e privados devem buscar a valorização econômica de todas as etapas da cadeia produtiva e internalizar, em suas práticas, a logística reversa, coletando materiais em seu final de ciclo de vida, o que envolve analisar e reavaliar as formas de tributação, subsídios e papel dos diversos atores privados e públicos em tais processos. Dessa forma, os novos produtos a serem fabricados necessitam ser projetados visando longevidade de sua vida útil e de forma a atender sua fácil reutilização, reaproveitamento, desmonte e reforma.
A substituição de matéria prima virgem por matéria de origem reciclada ou que combine ambas, ou, ainda, por matérias primas virgens de fontes com ampla capacidade regenerativa e baixa pressão sobre ecossistemas deve atender os requisitos de qualidade e preço e passar pelo crivo do consumidor, o qual determina a aceitação dessa no mercado, bem como esse deve ser estimulado a se envolver no processo por meio de incentivos a entregar seus descartes nos pontos de coleta definidos, a fim de garantir o ciclo circular do material.
Para que tenham sua reincorporação na cadeia sob várias formas ou mesmo uma destinação final de menor impacto ambiental, os materiais devem ter características, como, citando algumas: reciclabilidade, ou seja, não haver fatores que retirem valor agregado de seu resíduo e comprometam sua reinserção na cadeia, como, entre outros, presença de componentes ou cuja produção a partir de matéria prima original envolva custos elevados associados ao seu fim de vida; solubilidade em água; período de decomposição natural ou de compostagem não estendido e sem aplicação de certos insumos extras; ausência ou redução à menor fração possível de contaminantes; modularidade (produtos desenhados para terem componentes que possam ser desmontados e usados separadamente ou realocados).
Os designers de produtos buscam, dessa forma, a facilidade em se reciclar/reutilizar materiais e produtos, bem como alternativas que signifiquem menos impactos prejudiciais ao meio ambiente caso o destino final seja tal deposição. Quanto mais tempo dura um produto, melhor é seu desempenho com relação às questões ambientais. Entretanto, alguns materiais são de difícil substituição, devido aos custos elevados, tanto econômicos quanto ambientais e sociais, quando se utiliza os seus alternativos, o que pode, além de não resolver a questão, até piorá-la. Já, outros podem solucionar alguns impactos, como emissão de GEE´s, mas gerar outros, igualmente prejudiciais.
Pode-se tomar como exemplo a transição do uso de plásticos para o de fibras naturais em alguns locais, a qual mostrou, analisando o ciclo de vida dessas, impactos negativos em sua produção e utilização relacionados, entre outros, ao mau uso da terra e eutrofização de ambientes aquáticos, resultado de volume de orgânicos envolvidos nos processos e depositados em tais ambientes. Dessa forma, não apenas a redução de emissão de GEE´s incorporados na produção de bens ou as pressões ambientais mais evidentes na mídia (como sobre ecossistemas florestais) e questões climáticas devem ser analisados. Uma visão holística do ciclo econômico alternativo mostra que impactos, tanto downstream como upstream, de certos materiais alternativos podem ser bem negativos. Assim, deve-se levar em conta a seleção de materiais substitutos de menor impacto, analisando comparativamente, bem como buscar a variedade de opções, inclusive a não substituição completa, conforme caso, dos materiais convencionalmente em uso em nossas cadeias produtivas.
Além das questões ambientais, têm-se os aspectos econômicos envolvidos no ciclo produtivo circular. Há custos relacionados à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e materiais e à logística reversa. As medidas de caráter tributário e auxílio por meio de subsídios podem auxiliar nessas questões, mas, também, conforme o caso, representar significativos custos públicos e deve ser analisada sua compensação no aspecto econômico e não apenas ambiental. Dessa forma, iniciativas relacionadas a parcerias e compartilhamento de informações e de etapas da cadeia produtiva podem mitigar tais obstáculos e analisar o quanto tais investimentos são amortizados e qual seu retorno e ganho ao longo do tempo, tanto devido aos resultados diretos quanto às externalidades positivas advindas, como menos gastos com questões sanitárias, novos conhecimentos que são aplicados à eficiência da produção, etc.
Também se deve considerar as implicações na qualidade e/ou custos ao consumidor de alguns produtos que necessitem de matéria prima virgem para um melhor desempenho ou para os quais a economia gira, ao menos em parte, em inovações bem como serviços exclusivos de manutenção, como ocorre, p. ex, com eletrônicos. Cabe ao consumidor avaliar o que melhor o atende ou tenha afinidade com seus ideais e tomar a decisão com relação ao produto, o que é auxiliado pela rotulagem desse, que deve comunicar de forma clara todos esses aspectos. Caso esse opte pelos produtos certificados para economia circular, tem-se a sua contribuição no cumprimento de parte do escopo 3 do Protocolo de emissões de GEE´s (emissões indiretas da cadeia produtiva, neste caso downstream), o qual relaciona-se com a responsabilidade compartilhada na produção de bens e seus impactos.
Finalizando a questão, deve-se considerar as realidades amplas de onde os materiais e manufaturas, dentro desse tipo de economia, são produzidos: quais os aspectos ambientais, políticos (e geopolíticos), socioeconômicos e culturais desses. É necessário analisar questões como capacitação profissional da mão de obra e inserção no mercado para esse modo de produzir, qual a capacidade de escalar a produção, efeitos sobre preços, atendimento às demandas, se há novos tipos de pressão sobre recursos naturais, etc.
Bibliografia consultada
Pacini, H., Formenti, L., Wilson, G. Product design and circular value chains: Understanding essential components of circular commercial metabolismo (draft for Yale-Silverado Workshop) 2023.
UNCTAD. Plastic pollution: The pressing case for natural and environmentally friendly substitutes to plastics. 2023.
*Marcelo Francisco Sestini – analista socioambiental; realiza estudos de impacto ambiental; diagnósticos, monitoramento[, planejamento, riscos, susceptibilidade física, vulnerabilidade socioambiental e sustentabilidade.
Fonte: O autor
Publicação Ambiente Legal, 03/07/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.