Por José Francisco Fonseca Marcondes
A discussão mais em voga dos últimos dias é como será o novo cenário político-econômico mundial, com os EUA sob o comando de Donald Trump.
Na campanha presidencial e já nos primeiros dias de governo, fica clara a defesa e aplicação de uma política econômica explicita e agressivamente protecionista, focada exclusivamente no mercado interno.
Consistirá no fechamento de fronteiras, renegociando ou abandonando acordos multilaterais, como já o fez, retirando os EUA do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP), que representava 40% da economia mundial (antes da retirada dos EUA), ou seja, um mercado de 800 milhões de consumidores e manifestando a disposição de renegociar o NAFTA.
Não há demonstrações, também, de maiores interesses em acordos comerciais bilaterais, a menos que sejam direcionados ao incremento de exportações estado-unidenses, retroagindo às políticas do denominado mercantilismo clássico, aplicado na Europa, entre o século XV e o final do século XVIII, termo popularizado por Adam Smith, em 1776.
Os mercantilistas viam o sistema econômico como um jogo de soma zero, onde o lucro de uma das partes supunha a perda da outra ou, pela definição de Jean Bodin, “não há nada que alguém ganhe e que outrem não perca”.
Em suma, na visão mercantilista o volume de transações internacionais cresce ou diminui em função da demanda, no entanto, a participação relativa de um determinado país neste fluxo global de comércio só cresce em detrimento da participação de outro.
Neste sentido, é no mínimo ingenuidade supor que quem firmar acordos comerciais com os EUA terá benefícios de acesso a mercado e, por conseqüência, incremento no volume de transações e, principalmente, de superávits comerciais.
Esta política implicará, dada sua própria lógica intrínseca, na ampliação dos subsídios à agricultura e à siderurgia, visando à redução de importações e o crescimento das exportações
No que tange aos atuais subsídios agrícolas dos EUA, comparativamente à União Européia e ao Brasil, nos dias de hoje, considerando dois parâmetros distintos, de acordo ao estudo ”Impactos das políticas agrícolas dos EUA e da UE no agronegócio brasileiro”, elaborado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, os seguintes fatores de comparação devem ser agravados:
1- Percentual de subsidio com relação à renda do setor agrícola: nos EUA (4,5%), na União Européia (13,9%) e no Brasil (3,0%);
2- Valor de subsidio por hectares utilizados para a produção (lavouras e pastagens): nos EUA ($47/Hectare), na União Européia ($406/Hectare) e no Brasil ($16/Hectare).
Adicione-se a isto o direcionamento de investimentos públicos em infra-estrutura, prioritariamente a empresas locais, bem como o inevitável aumento das taxas de juros, buscando estimular a permanência, no próprio país, dos capitais internos, além de atrair e captar recursos internacionais.
Logicamente, o objetivo deste artigo não é medir e quantificar as conseqüências destas medidas nos EUA, apesar de não ser difícil vislumbrar algumas delas, a partir de recentes exemplos, desastrosos, que tivemos, aqui mesmo, na América do Sul.
O objetivo é identificar os impactos para o Brasil, neste cenário.
Antes de abordar o Brasil, no entanto, é imprescindível avaliar, também, o posicionamento da China e na União Européia, nestas circunstancias
A China seguirá sendo um player global importantíssimo, dados os baixos custos industriais, conseqüência de sua escala de produção e usufruindo, além disto, dos benefícios econômicos e financeiros decorrentes da gestão política de longo prazo, do alto estoque de Títulos do Tesouro dos EUA, que acumula, como principal credor dos EUA, estimado em $1,115 trilhão (US Treasury Department – outubro/2016), e que seguirão sendo utilizados para a aquisição de reservas minerais, pela importação massiva de commodities e para o financiamento a obras em países na África, América Latina e Ásia, ampliando sua influencia nestes mercados, alguns deles agora ainda mais acessíveis, com a saída dos EUA do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP), como por exemplo, os países da Aliança do Pacifico (Chile, Colômbia, Peru e México), que interessam diretamente ao Brasil, entre outros.
A União Européia, envolta em uma onda de nacionalismo, ampliado em função da crise de refugiados, e de protecionismo, a começar pelo Brexit, que poderá ser seguido pela França, e por outros países, terá que concentrar grandes esforços na manutenção do EURO, em meio a crises econômicas em países membros mas, fundamentalmente, com um grau de atendimento da demanda interna próximo à saturação, o que obriga à busca permanente de novos mercados.
Consideradas todas estas premissas, fica claro que por todos os aspectos, mas, principalmente, pelas medidas protecionistas dos EUA, teremos uma redução do volume de transações internacionais (exportações / importações) e à disputa mais acirrada por mercados.
O Brasil, em meio a este ambiente turbulento e hostil, fez uma recente opção de se distanciar do MERCOSUL, dos demais países da América Latina, da África e do Oriente Médio, por questões de natureza de política interna e ideológicas, voltando-se para os países desenvolvidos do Norte (EUA e União Européia), na expectativa de encontrar um oasis de oportunidades comerciais.
Infelizmente, esta movimentação, revertendo ações diplomáticas das duas últimas décadas, a partir da analise deste novo cenário, posicionou o Brasil na contramão, em uma posição ainda mais fragilizada, encontrando, ao mesmo tempo, maiores obstáculos ao Norte, quer seja nos EUA como também na União Européia, e assistindo à ampliação da influencia da China nestes países em que exercíamos uma influencia comercial ativa e natural, até por questões históricas e geográficas.
A inegável comprovação estatística desta influencia natural do Brasil, na América Latina, e do importante posicionamento na África e no Oriente Médio, devemos lembrar que no período 1999/2016, incluindo, portanto, governantes de diferentes matizes políticos, o Brasil acumulou um superávit total de pouco mais de $350 bilhões, valor muito próximo ao total de nossas reservas internacionais, ao final de 2016, que totalizaram $372 bilhões, de acordo a informações do Banco Central do Brasil.
Observemos, então, que do superávit total acumulado no período, 61,2% das receitas foram originadas no comércio com estas regiões, o que fica ainda maior se excluirmos o continente africano, com quem temos déficits crônicos, e considerando apenas América Latina e Oriente Médio, neste caso, as receitas acumuladas neste fluxo comercial representam cerca de 75% do superávit total acumulado, ou seja, quase $260 bilhões.
De outra parte, nossa indústria, em estado quase terminal, como conseqüência da grave crise econômica por que passamos, terá ainda menos oportunidades, ainda restritas às mesmas regiões (África, América Latina e Oriente Médio), mercados tão menosprezados pelos que conduziram à guinada na política externa do país, onde, agora adicionalmente, enfrentarão maior concorrência externa, vinda de todos os lados (EUA, Europa e China) e que historicamente são os principais destinos de nossos produtos industrializados (40,0%), e quase a metade dos manufaturados (47,2%), no mesmo período de 1999/2016.
Em conclusão, nos restará aproveitar as vantagens comparativas em mineração e no agronegócio, para o que necessitaremos de significativos investimentos em logística e infra-estrutura, que só poderão ser concretizados com capitais próprios (públicos ou privados), de que não dispomos, ou aceitando a “ajuda” de investimentos externos, oriundos em sua grande maioria, da China.
Por tudo isto, temo pelas próximas décadas e rogo aos céus que esta tempestade perfeita se desfaça ou que a realidade contradiga completamente o diagnostico…
José Francisco Fonseca Marcondes Neto, economista formado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Empresário no setor de Comercio Internacional, é Presidente do Conselho de Câmaras de Comércio e Indústria das Américas e da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil – FECAMVENEZ. Membro do Conselho Consultivo do Instituto Victor Brecheret e membro honorário do Conselho Consultivo do Global Council of Sales Marketing. Palestrante em diversos seminários sobre comercio exterior, com artigos publicados em diversas publicações, é colaborador do Portal Ambiente Legal.
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José Francisco
Parabéns pelo excelente e compreensivo artigo.
Curto e grosso.
Continue divulgando seus excelentes conhecimentos e inteligentes interpretações.
José Francisco
Bravo!
Texto lúcido e esclarecedor.