Por Gen. Sérgio Westphalen Etchegoyen*
A Europa deu ao mundo gênios inigualáveis na filosofia, na ciência e nas artes ao longo de 2500 anos da mais brilhante produção intelectual. Difícil imaginar que em alguma outra parte do planeta se tenha contribuído tanto, em áreas tão variadas, por tanto tempo, para o avanço cultural do homem.
A versão mais difundida da origem da palavra Europa conta que ela foi tomada de uma princesa fenícia que, segundo a mitologia grega, depois de sequestrada por Zeus deu à luz o Minotauro, criatura com corpo de homem e cabeça e cauda de touro que viveu aprisionado em um labirinto na ilha de Creta.
O Velho Continente parece repetir o trágico destino daquele ser mitológico, eternamente perdido no labirinto de suas insolúveis contradições, incapaz de encontrar a saída iluminada da paz.
A guerra é a sina europeia. O esforço pela harmonia entre as soberanias que lá convivem parece interminável e inútil, voltando aos antigos gregos, uma verdadeira obra de Sísifo.
A culta e rica Europa tem sido ao longo dos séculos a mais grave fonte de instabilidade para o mundo. Só no século XX gerou duas guerras mundiais e quatro genocídios: o terror stalinista, o Holodomor ucraniano, o holocausto nazista e, há apenas 25 anos, uma infame limpeza étnica nos Balcãs.
A mesma Europa gestou, embalou e exportou, nesse mesmo período, três tiranias assassinas, o comunismo soviético, o fascismo italiano e o nazismo alemão que infelicitaram e escravizaram povos por todos os continentes.
A invasão russa da Ucrânia é apenas mais uma triste recaída na incurável síndrome que submete aquele continente aos efeitos devastadores de violentas e cíclicas convulsões.
A humanidade está paralisada sob a aterrorizante ameaça nuclear lançada por Vladimir Putin, com frieza e ira patológicas. Somos todos, mais uma vez, reféns da incontrolável compulsão belicista da Europa que tingiu de sangue seu território e os dos países que colonizou.
É triste constatar a desfaçatez com que líderes daquela região discursam em defesa dos direitos humanos, da preservação ambiental, do desarmamento, do combate à fome e a hipocrisia com que se atrevem a apontar soluções a outros países para temas que são incapazes de lidar sem recorrer à violência.
Não se pode ser ingênuo, não há mocinhos nesta guerra. A irresponsabilidade de Putin é reação à irresponsabilidade dos hoje seus adversários. A guerra não é resultado de uma única vontade, de um único fato, mas de uma cadeia de ações e omissões que interagem com um conjunto de causas remotas e imediatas. É como uma fagulha que acende um longo pavio, suficientemente visível e lento para ser interrompido, mas que é solene e inexplicavelmente ignorado por todos.
Nosso canto do mundo, a pobre América do Sul, é, felizmente, a antítese daquele cenário de ebulição permanente. A despeito de todas as nossas conhecidas mazelas, logramos construir um ambiente de paz e estabilidade que não se repete em nenhum outro continente.
Neste mundo dramaticamente carente de mediadores, o Brasil, só superado pela Rússia em número de vizinhos, tem a apresentar as credenciais de uma nação provedora de paz. Mais uma vez, o cavalo da história se oferece encilhado, tomara que Brasília o perceba.
*Sérgio Westphalen Etchegoyen é General de Exército da Reserva do Exército Brasileiro. Foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI, da Presidência da República do Brasil no Governo Michel Temer. Foi oficial do Estado-Maior da Missão das Nações Unidas em El Salvador e chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington – Estados Unidos. Comandou a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e chefiou o Núcleo de Implantação da Estratégia Nacional de Defesa. Comandou a 3ª Divisão de Exército, foi Chefe do Departamento-Geral do Pessoal e Chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro.
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 06/03/2022
Edição: Ana Alves Alencar
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