Gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação.
Peter Druker
Por Marilene Nunes (*)
O presente artigo é parte da reflexão que embasa o projeto de pesquisa que coordeno junto a EACH – USP (Escola de Artes e Ciências Humanas) no Programa de Pós-Doutorado em Gestão Ambiental e Sustentabilidade. O estudo tem como problemática principal a avaliação do programa curricular e projeto pedagógico do curso de graduação em Gestão Ambiental na USP a partir da análise das dificuldades profissionais enfrentadas pelos gestores ambientais egressos dessa instituição, com o objetivo de fornecer subsídios para a elaboração de instrumental que possibilite a avaliação do curso e posterior reestruturação do Projeto Pedagógico para auferir melhor qualidade e consequentemente elevar a competência profissional dos gestores para atuarem de forma mais eficaz tanto no âmbito das instituições públicas, bem como nas empresas privadas ou ONGs.
Historicamente, no Brasil, a formação em Gestão Ambiental começou em cursos de Pós-Graduação (stricto senso) por meio de linhas de pesquisas com temas ambientais nos Programas de Mestrado e Doutorado nas universidades públicas e, também, na Pós-graduação latu senso (especialização) em universidades privadas.
O surgimento de cursos de Gestão Ambiental na graduação é recente e o seu advento foram motivados pelo aumento da demanda por gestores ambientais frente a importância crescente do tema no âmbito das instituições públicas e privadas deflagradas pela crise ambiental global.
Conforme a base de dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC- 2011) o primeiro curso de graduação, bacharelado em Gestão Ambiental, data de 2002 na ESALQ – USP. A partir de 2002, as bases de dados do MEC mostram que até 2011 já existiam mais de 276 cursos de graduação em Gestão Ambiental, número que se elevou para 324 registros em outubro de 2013, dados que revelam expressivo crescimento de novos cursos.
Segundo Morgado (2012) os cursos de Gestão Ambiental no Brasil conferem diploma de bacharelado ou de tecnólogo, de acordo com a seguinte distribuição: 267 cursos tecnológicos (96%) e nove de bacharelado (3,3%). Observa o autor que essas modalidades de graduação não possuem definição clara nos programas curriculares e projetos pedagógicos que apontam distinções entre os mesmos, o que implica numa clara ausência de identidade dos cursos apresentando limitações em razão dessa falha. Assim ambos os cursos se apresentam como mescla de gestão com várias setorizações concebidas por módulos como simples agrupamento de disciplinas, conforme Schenkel citado por (Théry: Théry, 2014) no projeto pedagógico que se mostra bastante distante do conceito de interdisciplinaridade paradigma pedagógico ideal para os cursos de Gestão Ambiental dado o transito necessário com as várias áreas do conhecimento.
A forte expansão da oferta de gestores na última década e meia, formados na pós-graduações, bacharelados ou tecnólogos em Gestão Ambiental impactou nos governos municipais e nas empresas privadas e públicas no Brasil conforme mostra o Estudo desenvolvido por Théry & Théry (2014) intitulado ‘Gestores e Gestão Ambiental nos Municípios Brasileiros” cujo objetivo foi mapear a influência da formação em Gestão Ambiental na gestão municipal no Brasil. Segundo os autores os dados do perfil dos municípios brasileiros revelam que atualmente há predominância de formação superior entre os gestores municipais destacando sobretudo o fato de que 669 gestores são pós-graduados distribuídos em 2.771 municípios. Esses dados permitem ressaltar que a administração pública alterou muito o perfil dos recursos humanos na área ambiental tendo ultrapassado o patamar de gestores apenas com o ensino fundamental que até 2014 era 382. Apesar da visível alteração no que tange a formação acadêmica dos gestores ambientais da administração municipal os autores destacam que ainda existe um grande desafio a ser superado.
A pesquisa ainda mostra que globalmente a concentração de gestores ambientais estão nas cidades de maior população e por ser maior possui melhor estrutura em termos de recursos humanos e, por conseguinte, se tornam mais atrativas profissionalmente. Por outro lado, os municípios menores não atraem tantos profissionais.
Outro aspecto em destaque nesse estudo é o sexo dos gestores ambientais que mostrou predominância do sexo masculino em número de 3918 enquanto que apenas 780 são do sexo feminino, numa razão de 5 homens para cada mulher o que revela que existe mais homens qualificados nesse ramo, em razão disso, esse dado pode significar que o salário, na atividade de gestão ambiental, exerce atratividade para os homens.
Sobre a organização e modelo do órgão gestor municipal a pesquisa mostra que a maioria dos municípios 2.959 dentre 5565 ainda não possui leis ambientais. Quanto a caracterização do órgão gestor do meio ambiente no município, o principal executor das políticas públicas ambientais pode ser secretaria, departamento ou órgão da administração direta e tem como principal atribuição a implementação de licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, o exercício das atividades de monitoramento e fiscalização. A Escolha do tipo de instituição está associada a importância que o tema ambiental tem na estrutura política municipal. No ponto de vista do contexto da gestão ambiental no município, autores como Neves (2006) apontam que a falta de prioridade da problemática ambiental na agenda municipal reflete a instabilidade da presença de quadro qualificados permanentes, os quais são substituídos por estagiários e funcionários sem vínculos permanentes. Dessa realidade estabelece-se um círculo vicioso no que diz respeito à formação de uma cultura institucional o que afeta diretamente a consecução dos objetivos da agenda ambiental para o século XXI.
O quadro composto sobre a realidade da Gestão Ambiental nos municípios brasileiros revela inequivocavelmente que a boa gestão ambiental se faz a partir do conhecimento da realidade onde atuará o gestor ambiental e esse conhecimento deverá ser foco da base curricular e do projeto pedagógico de aprendizagem.
Quantitativamente verificou-se que aumentou a demanda por gestores ambientais conforme mostram exaustivamente a pesquisa de Théry & Théry (2014). E a resposta à crescente demanda foi a abertura de novas cursos a cada ano. No entanto nota-se, a existência de uma lacuna no mapeamento quantitativo e qualitativo dos cursos, bem como espaços de reflexão e discussão sobre a natureza e fronteiras na formação dos profissionais e na construção do papel da gestão ambiental e do gestor ambiental e que aspectos impactam na competência desses profissionais. Para que a ação profissional dos gestores ambientais seja de qualidade se faz necessário acompanhar e avaliar os cursos de graduação em Gestão Ambiental, uma vez que diante do quadro de degradação constante do meio ambiente se faz necessária uma gestão ampla e abrangente inserida nas relações sociais complexas da sociedade contemporânea exigindo competências de conhecimento interdisciplinar que extrapolam a gestão para se situar nas diversas áreas das ciências. Assim a discussão permanente do papel da Gestão Ambiental e do gestor ambiental no cenário de transformações impostos pela crise ambiental contemporânea se faz pelo o acompanhamento dos egressos desses cursos, acompanhamento que permitam a reavaliação constante dos currículos e dos projetos pedagógicos de forma a aperfeiçoar a prática profissional formativas capacitando o gestor ambiental para resolver os problemas ambientais já existentes e simultaneamente prevenindo a ocorrência de outros. A Gestão Ambiental não deverá ser essencialmente técnica, mas uma síntese entre o gerencial e o técnico, além de um profundo conhecimento dos problemas sociais. No dizer de Almeida Junior (2007), a Gestão Ambiental não pode servir apenas como camuflagem das atividades organizacionais que lesam o ambiente, de outra forma pode ativamente buscar transformações mais profundas dos sistemas de produção. Assim uma Gestão Ambiental sem capacidade crítica perde uma das suas dimensões essenciais que é a dimensão política em uma das esferas mais conflitais de nosso tempo. Solucionar conflitos ambientais se constitui tarefa fundamental na gestão ambiental crítica. Portanto, é cada vez mais evidente que o papel fundamental da Gestão Ambiental e do gestor ambiental em todas as esferas da vida contemporânea é de promover as mudanças que se impõem frente aos desafios da crise ambiental.
REFERÊNCIAS
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo. Atlas, 1987.
NEVES, E. M. S. C. A política ambiental e os municípios brasileiros. Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado em Ciências Sociais): Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Persona. Lisboa, 1998.
PEDRO, PINHEIRO. A.F. Morte ao biocentrismo fascista. Portal Ambiente Legal. SP, Brasil.
. Nossa Política Nacional do Meio Ambiente é Filha do Regime Militar. Portal Ambiente Legal. SP, Brasil.
. Gestão Ambiental no Brasil uma verdade inconveniente. Portal Ambiente Legal. SP, Brasil.
TONI, R. F. Análise do Egresso de Gestão Ambiental EACH -USP. Relatório Final. EACH- USP. São Paulo, 2013.
THÈRY, N.A. M.; THÉRY, Gestores e gestão ambiental nos municípios brasileiros. In: CAVALCANTE, M. M. (org.) Gestão Ambiental- Desafios e Possibilidades. Editora CVR. Curitiba, 2014 (P.9. 34.).
MORGADO, R. P.; THÉRY, N. A. M. A Formação de Bacharéis em Gestão Ambiental face à Complexidade e os Desafios Socioambientais Contemporâneos. In JACOBI, P. (org.) Novos Paradigmas, práticas sociais e desafios para a governança ambiental. São Paulo, Anna Blume, 2013.
ALMEIDA JUNIOR, A.R. Gestor Ambiental: profissional ou intelectual. OLAM Ciência e Tecnologia. Rio Claro. São Paulo. Ano VII, Vol. 7. Nº 7. Pag. 45. dezembro, 2007.
NUNES, M. Educação Ambiental. Revista Eletrônica: Portal Ambiente Legal. Abril, 2015.
(*) Marilene Nunes é pesquisadora e docente do Núcleo de Pesquisa DIVERSITAS vinculado FFLCH – USP (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas). Pós-doutoranda no Programa de Pós-doutorado em Gestão Ambiental e Sustentabilidade da EACH – USP. Doutora em Gestão e Políticas Públicas, USP – SP, Mestre em Economia Política UFRGS, especialista em Gestão do conhecimento FCV – SP. Graduada em Pedagogia UFRGS é também especialista do CEE – SP (Conselho Estadual em Educação).
Concordo com tudo que está postado, mais tudo isto já é de conhecimento de quase todos da área ambiental, mesmo por que o desemprego na área é grande na atualidade (2017)o problema é como contornar todas estas questões de forma efetiva e concreta, de forma a estabilizar a área e diferenciar os profissionais e cursos. Tanbén devo lembrar que os problemas passam pela área política, um exemplo é que em muitos municípios o cargo na área ambiental é de indicação do prefeito e que este indicado é o único que pode multar e por ai vai, sem contar que não há transparência nas secretarias de meio ambiente.