Aos Estados-nação é entendível o monopólio legítimo do uso da força dentro de seu território. Neste entendimento, são incluídos os Exércitos e a Polícia. De onde vem essa “legitimidade”?
Por Cel João Carlos Pelissari*
Gostaríamos com este post retomar um projeto do início de nosso blog, que é o de trazer ao público, profissional ou leigo, um pouco do conhecimento teórico sobre a Polícia. Esse esforço nosso se deve ao conteúdo do que ministramos nas aulas que damos ao Mestrado e ao Doutorado Profissionais na Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Hoje vamos tratar da formação dos Estados Nacionais – desde a pré-história humana – e tentar explicar o por quê a eles é concedido o “uso legítimo da força”.
A Formação.
É muito comum às pessoas que estudam Direito terem contato com uma matéria chamada de Teoria Geral do Estado¹. Nesta matéria se aprende coisas gerais sobre essa entidade chamada Estado. Por esse ramo do conhecimento humano o Estado, pessoa jurídica de direito público, para ser assim considerado, necessita de 3 fatores, ou elementos: população, território e organização política. Eu, particularmente agrego a estes três, mais um que explicitarei adiante.
A Teoria Geral do Estado, para conceber a organização do estado, parte do pressuposto que como o ser humano é um ser gregário por natureza, ou seja, gosta e necessita de viver em sociedade, ele naturalmente se organizou assim e concebeu essa ideia de estado.
Eu particularmente discordo, pois seria necessário partirmos do pressuposto que voluntariamente nós, Homo Sapiens Sapiens (é, são dois Sapiens!), achamos normal delegar a alguém até o poder de vida e de morte sobre nós! Seria meio que assim: Fulano, a partir de hoje eu te elejo o meu líder e você, a partir de hoje, poderá fazer comigo o que quiser, até me matar se assim for necessário ou lhe aprouver!
Bem humano isso, né?
Gostaria de apresentar a vocês uma outra teoria, que, creio, vocês acharão mais lógica.
Essa teoria é baseada em um artigo do Historiador William Hardy McNeill (1917-2016), As gangues de rua são uma antiga herança da civilização, publicado no livro InSegurança Pública (2002).
Na pré-história da humanidade, quando fazíamos a transição do modo de vida nômade-caçador-coletor para o de sedentário-cultivador, os jovens adolescentes sem posse se agrupavam em hordas sob comando de um líder (ele usa o termo alemão gefolgschaften) e esta horda fazia ataques aos grupos sedentários com o fim de pilhar e saquear a colheita, raptar mulheres e matar os homens; ou seja, o que os Homo Sapiens fazem!
Não fiquem impressionados! Já ouviram falar do Rapto das Sabinas? Se não ouviram, podemos falar de algo mais atual, como o Estado Islâmico e o Boko Haram.
A história humana é repleta de exemplos como estes.
Não se sabe exatamente quando ou quem, mas em algum momento um desses líderes de horda decidiu não saquear e, ao invés, propôs um “acordo”; onde ofertava uma opção ao líder da aldeia no sentido de poupá-los e poupar seus haveres em troca de pagamento de parte da produção e em contrapartida ele ofereceria proteção contra as demais hordas. É claro que isso foi aceito! Obviamente não dessa forma tão cândida, pois muita gente deve ter morrido no caminho, mas nossa realidade hoje prova que isso deu certo.
Eu sempre digo que enquanto civilização nós avançamos muito. Até colocamos uma sonda em um cometa! Porém, enquanto espécie ainda somos os mesmos Homo Sapiens Sapiens de 200 mil anos atrás. Talvez muitos conheçam esse tipo de “acordo” de pagamento em troca de proteção: máfia. Mais modernamente no nosso Brasil alguém pode lembrar do conceito de milícia. Estão vendo como ainda somos o mesmo Homo Sapiens?
A epopeia de Gilgamesh, um dos documentos mais antigos da história, mostra, por exemplo, que a monarquia começou na Mesopotâmia quando Gilgamesh e os de sua laia conquistaram o poder recrutando famílias de guerreiros das margens da sociedade, tal como chefes hebreus e germânicos fizeram mais tarde.²
Ora, depois de um certo tempo, mais e mais aldeias se juntaram a esse esquema e a partir daí passamos a ter um território, formado pelo conjunto das aldeias; uma população, formada pelo conjunto dos aldeões e uma organização política, pois o líder da horda passou a organizar essa coisa toda, pondo certa ordem.
Disso tudo se depreende que “o Estado nasceu pela força e pela força ele se mantém”.
O uso da força está intimamente ligado à formação do Estado Nacional, por isso eu agrego aos três elementos citados acima como caracterizadores de um estado um quarto, que é a força; pois só através dela um estado pode existir e só uma força superior a esta pode fazer um estado mudar de mãos.
É por esta razão meus caros e caras que ao Estado é concebido o Uso Legítimo da Força.
¹ Teoria geral do estado. Darcy Azambuja.
² InSegurança pública. Nilson Veira Oliveira (Org.), pág. 17.
Publicado originalmente em: http://coronelpmpelissari.blogspot.com.br/2017/08/a-formacao-dos-estados.html?m=1
*João Carlos Pelissari é Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo e Doutor em Segurança Pública. Formado em Direito, é Membro Consultivo da Comissão de Direito Militar da OAB/SP.