Factoide que agrada também atrapalha…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“A Gaiola das Loucas” (The Birdcage), obra cinematográfica consagrada (em duas produções), narra a chegada de Val Goldman à casa dos pais, um casal homossexual formado por Armand, o gerente de uma boate drag de Miami, e Albert, a atração principal do estabelecimento. Val volta para casa para anunciar que está noivo de Barbara, filha do senador republicano ultraconservador Kevin Keeley.
Com a ocorrência de um escândalo sexual em seu partido político, Kevin e sua esposa Louise decidiram que o momento é propício para deixar sua filha se casar com Val (para fazer a mídia se focalizar no casamento e esquecer o escândalo), sem imaginar como é a família do noivo…
A obra vem a propósito do momento político atual e a reedição de antigos traumas, vícios e preconceitos no momento em que os atores políticos em cena, todos eles, pretendem fazer a mídia se focalizar em qualquer outra coisa que não os escândalos de corrupção, mordomias, altos salários, burocracia burra, incompetência e mediocridade…
O factoide do momento é a proposta apresentada e debatida durante uma audiência pública, promovida pelo Ministério Público Federal, em Brasília, que obviamente visava criticar as iniciativas do Congresso Nacional e do próprio Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, visando desburocratizar o licenciamento ambiental.
Desesperado por algum holofote que não seja o das baterias anti-aéreas… o novo governo Temer nomeou Ministro do Meio Ambiente o Deputado Sarney Filho – conhecido ambientalista, pretendendo, com isso, atrair para sua esfera de articulações um componente costumeiramente barulhento no bojo dos chamados movimentos sociais: a militância ambientalista.
Deveria ter tido mais cuidado.
O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, na audiência do MPF, visando contemporizar com gregos e troianos, anunciou um perigoso factóide, uma nova estratégia visando criar “uma lei geral do licenciamento ambiental”.
De acordo com Sarney, o plano é utilizar, como base para a dita lei geral, o substitutivo ao Projeto de Lei nº 3729/2004 – que propunha dispensar o licenciamento ambiental para várias atividades econômicas de caráter híbrido, como o reflorestamento e a monocultura em áreas consolidadeas , e que pretende modernizar o sistema por meio do licenciamento autodeclaratório, por cadastro eletrônico.
A referência ao projeto de lei não é gratuita. A simples menção à retirada de entraves, do instituto que é considerado um dos maiores entraves à economia do país, causa crise de histeria nos maníacos por burocracia – um espécie de criadores de caso que infesta as hostes ambientalistas no Brasil – em especial nas ONGs e Ministério Público.
“Destaco que não se trata do projeto de lei original nem do substitutivo da Comissão de Agricultura, é o substitutivo da Comissão de Meio Ambiente”, acenou o Ministro.
Claro que o texto da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal restaura o cipoal de empecilhos necessários á preservação de todo tipo de protagonismo na “BirdCage” que se transformou o licenciamento ambiental no Brasil – em que pese todos os louváveis esforços realizados pelo próprio governo federal, nos últimos anos, sob a batuta de Izabella Teixeira, para introduzir alguma racionalidade em toda essa loucura.
Para o neo-reeditado Ministro Sarney, o próprio texto da Comissão de Meio Ambiente necessita de ajustes. “Mas ele é, na minha avaliação, o mais consistente que surgiu no legislativo até agora”, acrescentou.
A “construção” da lei deverá ser um “processo democrático” , afirmou Sarney, aditando uma preocupante a quase inconstitucional declaração: “as regras irão valer para os licenciamentos federais, estaduais e municipais”.
A preocupação deve ser redobrada em função do que pretende o Ministro e sua assessoria burocratizante. Afinal, o relator do substitutivo da CMADS é o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) – um político competente, porém, refém da patrulha biocentrista que literalmente costuma sequestrar o seu mandato…
“A nossa leitura é que o Ministério do Meio Ambiente tem se mantido omisso nesse processo [de construção de proposta legislativa sobre o licenciamento] e que se ele não tiver uma posição forte de que lei ele quer, vai ser aprovada uma lei que nós não vamos gostar”, disse Suely Araújo, recém-empossada presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “A gente não quer que aconteça o que aconteceu na lei florestal, a gente não quer perder o timing desse processo”, afirmou Suely, fazendo referência ao processo de elaboração do Código Florestal.
A referência desairosa dos dirigentes do governo, ao marco legal que parece estar pacificando o regime de uso da terra no país… acende o sinal amarelo de todo o setor produtivo (o que resta dele) e do setor de investimentos (com os dois pés fora do Brasil).
Pronto, está formado o quadro mais absurdo desse casamento entre os “Goldman” e os “Keeley”, no citado roteiro de cinema.
Explico: o Presidente Michel Temer quer reconstruir a economia do país. Propõe uma série de medidas de estímulo à iniciativa privada e reorganiza o sistema de parcerias entre governo, bancos e empreendedores. No afã de ampliar sua base parlamentar, atrai para o seu ministério a bancada ambientalista liderada pelo agora Ministro Sarney. No entanto, não atentou para o fato de estar inoculando, no governo, verdadeiro retrocesso burocrático.
No horizonte desses pronunciamentos que parecem música aos ouvidos dos criadores de caso na ecoburocracia nacional, estão a instalação de obstáculos, geração de inseguranças jurídicas e judicialização previsível da economia nacional.
Presa da costumeira ignorância quanto à natureza, conceito, alcance e mecanismos de Gestão do Desenvolvimento Sustentável no país, o governo Temer, por meio de seu Ministro Sarney, pode estar prestes a entregar, de bandeja, o gerenciamento ambiental do Estado brasileiro a quem igualmente nunca aprendeu que licença ambiental é suporte à economia sustentável, não obstáculo ao desenvolvimento…
O risco de ser editado, no governo Temer, o festival de besteiras que assolou o final do governo FHC e desintegrou o PAC no governo Lula é enorme. O pior é que a ignorância quase ingênua quanto aos aspectos econômicos do vetor ambiental nas políticas públicas, poderá levar Temer a contemporizar com os multicoloridos ecologistas do “não a todo custo” e, com isso, reduzir a pó as iniciativas estruturantes de seu governo.
Claro que toda militância ambientalista é importante. E que buscar a flexibilização dos mecanismos de licenciamento ambiental não pode significar licença para poluir a qualquer custo.
Por óbvio que a lei deve conferir segurança jurídica E ambiental às atividades econômicas. No entanto, isso não pode significar a destruição da livre iniciativa.
Há preconceitos demais e diálogo de menos. Isso, por outro lado, não irá se resolver colocando na estrutura de Poder quem não entende os limites entre militância ambientalista e gestão da coisa pública…
Não é o caso de Sarney – bastante escolado no assunto. Porém, o factóide que resolveu fabricar em prol da jusburocracia biocentrista poderá torná-lo refém da própria língua – o que já ocorria no parlamento nacional, quando coordenou a frente parlamentar ambientalista no Congresso.
Como no caso da Gaiola das Loucas, é preciso saber com quem seu filho casa, mas é preciso ver isso para além dos seus próprios interesses escapistas, sobretudo sem preconceito e sem mágoas…
Fica o alerta.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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