Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Pesquisa recente, realizada pelo Instituto Orbis e doada à prefeitura pela Associação Paulista dos Empresários do Circuito de Compras de São Paulo, revelou impressionante adesão do paulistano (de todas as faixas e seguimentos) ao assunto “mudanças climáticas”.
Os paulistanos pesquisados não só “comentam o assunto em família”, como também fazem perfeita relação entre o “preço dos alimentos e os efeitos do clima” na agricultura. Não é de se admirar, pois todos sentem os efeitos do clima, na chuva, no calor e também no frio. Sofrem com as inundações e também com a falta d’água.
O dado curioso da pesquisa, no entanto, foi o absoluto desconhecimento dos paulistanos quanto ao que faz a Prefeitura do Município sobre a questão.
Não surpreende. Afinal se trata de um hiato histórico. É fato que o vínculo do governo com o clima perde visibilidade na medida em que a gestão climática se diluí na administração pública; e essa diluição leva o público a não identificar as ações governamentais em prol do clima.
A burocracia governamental historicamente dilui a governança climática por nunca antes ter existido essa cultura especializada de governança no seu ordenamento. Por isso mesmo é comum governantes relegarem o assunto a um departamento de gestão ambiental ou ao sistema de previsão de chuvas e defesa civil, relevando ações importantes de coordenação e articulação transdisciplinar. Com isso, várias atribuições de governança climática terminam dispersas e segregadas no organograma da Administração, sem a devida e necessária conexão. Afinal, como conectar metas globais de descarbonização e resiliência humana sem articular defesa civil, transição da matriz energética, mobilidade e transporte público, reflorestamento, agricultura e arborização urbana, controle de emissões, georreferenciamento, saneamento, administração hídrica, etc?
Governança das questões relativas à mudança global do clima supera, em muito, a defesa civil, a gestão ambiental, o saneamento básico, a regulação da energia e a engenharia de transportes. Aliás, compreende a articulação de todos esses setores em função de um macro projeto de resiliência humana às intempéries já experimentadas e que deverão se ampliar nos próximos anos, obrigando Estados Nacionais, governos regionais e autoridades locais a implementar medidas de redução de emissões, substituição de matrizes de energia e saneamento do meio.
Não é fácil, no entanto, levar adiante essa compreensão estratégica do problema sem esbarrar nos espaços consolidados de poder, nos egos das lideranças constituídas e na conveniência das agendas estabelecidas. Furar essa zona de conforto demanda vontade política, que deve ser determinada do topo à base – top down.
Bruno Covas, eleito Prefeito da Cidade de São Paulo, parece ter-se dado conta disso; tanto que desenhou, no decreto de reforma de seu governo, em dezembro de 2020, uma secretaria executiva de mudanças climáticas ligada ao seu gabinete – também tratou de conduzir o processo de elaboração do Plano Climático do Município.
Bruno não estava sozinho. Da mesma forma, nos Estados Unidos, o presidente eleito Joe Biden criou secretaria específica no seu governo. O mesmo ocorreu na Cidade fluminense de Niterói, com o Prefeito Axel Grael e, também, na Província de Misiones, na Argentina (com Patricio Lombardi, sob as bençãos do Papa Francisco). Essas são as primeiras quatro instituições de primeiro escalão, uma federal, outra regional e duas locais, dedicadas à questão do clima, em todo o continente americano.
Covas, porém, faleceu sem nomear o secretário e, assim, coube ao Prefeito Ricardo Nunes a tarefa de fazê-lo, atribuindo à Secretaria de Mudanças Climáticas funções de coordenação, gestão e articulação bem abrangentes.
Fui o escolhido por Ricardo Nunes, para a missão de organizar a SECLIMA e implementar a governança climática no Município de São Paulo.
A boa governança é aquela que não aparece, porém resulta com sucesso. Assim, imbuído das atribuições conferidas pelo prefeito, à testa da SECLIMA pude administrar com sucesso as ações da OIDA – Operação Integrada de Defesa das Águas, em parceria com a Polícia Militar Ambiental, órgãos e secretarias do estado e município, fazendo a diferença nas ações de defesa dos mananciais da Região Metropolitana de SP. Também pude organizar o mais bem sucedido Plano Preventivo de Chuvas de Verão, integrando obras, mobilizações e ações que antes se encontravam dispersas no tecido da burocracia, na cidade e no estado de São Paulo.
A gestão da transição da matriz energética da frota circulante, o equacionamento climático do saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), a segurança alimentar e o abastecimento da energia, exigem maior empoderamento, dado os interesses em causa nessas áreas – e é o que se busca na Cidade de São Paulo. No entanto, é fato que o atrelamento das políticas setoriais às metas globais de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa, e à necessidade de ampliação da resiliência humana aos eventos extremos dos ciclos do clima, obrigam os Estados Nacionais e Administrações regionais e locais a formatarem essa nova forma de fluxo de administração.
Posto isso, a partir da experiência paulistana e das demais estruturas de governança climática, é muito importante que a Administração Pública se reinvente como um todo. Se inove politicamente em prol de uma estratégia global.
Um conselho, a partir da experiência sentida aqui, em São Paulo, em Niterói e Misiones – Argentina (com os quais mantenho contato regular): o chefe do executivo precisa manter a estrutura próxima a ele, porque a ciumeira palaciana permanece endêmica no Estado Moderno.
Se por um lado há necessidade de compreensão e empoderamento, é essencial que a gestão climática não caia em mãos “naturebas”, de “ecochatos”, militantes da causa ou pavões de plantão. A gestão climática não é ambiental – é econômica, de governança e autoridade – dispensa proselitismo e demanda foco, eficiência e eficácia.
A governança climática ganha peso na opinião pública na medida em que fazemos a diferença em relação às outras capitais no Brasil e no mundo. E isso se fará com boas entregas.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Advogado formado pela USP, consultor ambiental, exerce atualmente o cargo de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo. Foi sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View
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Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro.
Fonte: OrbiNews
Publicação Ambiente Legal, 29/04/22
Edição: Ana Alves Alencar
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