Por Fábio Pugliesi*
Neste artigo destacar-se-á a relevância do tema da unificação dos tributos sobre o consumo para a industrialização.
Embora o Brasil tenha abandonado uma política industrial baseada no desenvolvimento tecnológico, o processo de substituição de importações garante modernização nas relações sociais e emprego.
A transferência das atividades industriais da Ford para o Uruguai e Argentina tem um caráter simbólico, pois o Mercosul dispõe de um regime automotivo e se verifica a isenção dos impostos sobre a importação entre o Brasil e estes países.
Ocorre que a Ford foi pioneira na fabricação em massa de bens de consumo, produzia todas as peças dos veículos que produzia, exceto os pneus, e vinha fabricando seus veículos no Brasil desde 1919.
O fundador da Ford, Henry Ford, aplicou métodos de administração inovadores.
A desindustrialização no Brasil tem sido acelerada nos últimos anos. Estima-se o fechamento de uma dezena de fábricas diariamente nos últimos cinco anos.
As diferentes políticas sanitárias durante
a pandemia da COVID-19 têm determinado que os países a fixação de barreiras não tarifárias.
Assim a autonomia do país envolve produção interna por meio de sua indústria, a exemplo do que aconteceu na primeira e na segunda guerra mundiais.
Os argumentos contrários ao exposto entendem que tais empresas industriais tiveram “incentivos fiscais” suficientes, mas justamente aí se encontra a vulnerabilidade do argumento.
Ocorre que tais “incentivos fiscais” consistentes na isenção e redução de tributos sujeitam-se a requisitos que conformam sua conduta futura e se sujeitam ao controle da Administração Tributária.
Caso se considere que qualquer requisito não tenha sido observado, deve a autoridade tributária exigir o tributo acrescido de multas e juros de mora.
Enfim se a indústria necessita de “incentivos fiscais”, a tributação sobre o consumo é ruim e desestimula o investimento que aumenta a produtividade.
Neste sentido, cabe razão a Cleide Regina Furlani Pompermaier ao criticar que não se deve chamar de “reforma tributária” a uma “unificação dos tributos sobre o consumo”. De fato, o ideal seria ao menos uma tributação sobre o patrimônio renovada segundo a PEC n.110/19.
A OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, constitui um foro composto por 35 países, dedicado à fixação de padrões em vários temas (“soft law”). Suas reuniões e debates, particularmente sobre atividade econômica e investimento internacional, permitem troca de experiências e coordenação de políticas em áreas diversas da atuação governamental. O ingresso do Brasil na OCDE permite que possamos influenciar estes padrões entre os países mais desenvolvidos.
A OCDE condiciona a entrada do Brasil à eliminação dos cinco tributos diferentes (ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS) e seus diferentes regimes que inviabilizam a concretização do direito constitucional do contribuinte: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Além do disposto no artigo 6., inciso III do CDC que estabelece a informação sobre tributos incidentes no consumo.
Ocorre que estas disposições se tornam difíceis de serem concretizadas diante da complexa incidência de diferentes tributos sobre a mesma base e os cálculos “por dentro” do ICMS que dificultam ao consumidor o entendimento do valor que arca e os diferentes regimes jurídicos
Neste sentido as propostas do imposto sobre bens e serviços – IBS, constantes nas Propostas de Emenda à Constituição ns. 110/19 e 45/19 viabilizam que o produto da arrecadação permaneça no domicílio do consumidor e o cálculo do IBS deva ser sobre o preço como se verifica nos países que adotam o IVA.
A cobrança no destino ao invés da origem torna sem sentido a persistente “guerra fiscal” entre Estados e Municípios para atrair investimento para o seu território.
A OCDE considera que o sistema tributário fragmentado do Brasil dá origem a um dos custos fiscais mais elevados do mundo. Uma ampla gama de isenções e regimes especiais reduzem a justiça e o efeito de redistribuição de impostos. Assim o investimento em infraestrutura está aquém do necessário há anos, tornando a logística também desafiadora e cara.
No relatório da OCDE sobre o Brasil aconselha que se siga o exemplo da India (Estado federativo, a exemplo do Brasil) que implementou, em 2017, um imposto sobre valor agregado nacional, chamado Imposto sobre Mercadorias e Serviços (GST). O GST substituiu cerca de trinta impostos diferentes anteriormente cobrados separadamente pelos governos central, estadual e local.
As alíquotas do GST foram harmonizadas em toda Índia e foram criados incentivos para formalização e conformidade, pois os compradores de insumos intermediários têm interesse que essas entradas observem a legislação, o que poderia ser uma ideia para superar os modelos do Simples Nacional que acabam por estimular que a empresa permaneça de pequeno porte.
A OCDE destaca que um consenso entre os entes federativos foi difícil. O sucesso desta unificação levou a um crescimento da economia como um todo dissolvendo eventuais perdas setoriais.
Alcançar o consenso entre os estados foi politicamente difícil na India, a exemplo do Brasil de hoje, mas as preocupações sobre quebras de receita foram tratadas por uma central de garantia do governo de que as receitas do estado cresceriam 14% ao ano em 5 anos.
Estabeleceu-se uma compensação por meio de um fundo criado para compensar os estados por receitas mais baixas.
A governança do imposto na Índia foi delegada a um Conselho de Secretários da Fazenda, semelhante ao Conselho de Política Fazendária (CONFAZ).
As decisões do conselho exigem uma maioria de 75%, não unanimidade, embora experiência tenha demonstrado que se acabe adotando uma postura colaborativa e todas as decisões estejam sendo tomadas por unanimidade, dado o sucesso no crescimento da economia com a unificação dos impostos sobre o consumo.
Um recurso atraente do GST para reduzir a evasão fiscal foi uma coordenação de documentos fiscais por meio da aplicação de técnicas de dados para identificar lacunas de conformidade, que estariam fora do alcance da maioria dos entes federativos.
A pandemia da COVID-19 demonstra uma aceleração de processos de mudança que podem isolar o Brasil até no continente, considerando que México, Chile e, no ano de 2020, a Colômbia já ingressaram na OCDE.
Publicado originalmente em:
http://conversandocomoprofessor.com.br/2021/02/11/a-industria-e-a-unificacao-dos-tributos-sobre-o-consumo/. Acesso em: 15-fev-2021
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.
Fonte: Direito Tributário e Financeiro
Publicação Dazibao, 12/02/2021
Edição: Ana A. Alencar
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