No Brasil, o problema ambiental gerado pelo lixo também está longe da solução. A maior parte das cidades e municípios não possui serviço de coleta adequado, o que proporciona, certamente, um descarte inadequado. E a situação está muito longe de uma resolução que proporcione qualidade de vida alinhada ao consumo consciente.
Por Fernanda Leopoldina Dutra Brandani Tiisel*
Introdução
O sistema capitalista por um lado proporciona o desenvolvimento de novas tecnologias, mas, por outro, está fundamentado na própria manutenção e estimula o consumo exagerado, o descarte dos produtos consumidos, inclusive eletroeletrônicos, acaba contribuindo efetivamente com a degradação ambiental.
Este processo tem desencadeado uma problemática que aguarda por soluções, pois o lixo eletrônico possui diversos componentes que põem em risco à saúde do planeta e do homem. Além disso, o estímulo ao consumo visa o aumento de lucros – proposta fundamental do capitalismo – resulta na explosão do consumo mundial, e, influencia a base do sistema cultural atual.
No Brasil, o problema ambiental gerado pelo lixo também está longe da solução. A maior parte das cidades e municípios não possui serviço de coleta adequado, o que proporciona, certamente, um descarte inadequado. E a situação está muito longe de uma resolução que proporcione qualidade de vida alinhada ao consumo consciente.
Este artigo objetiva uma reflexão sobre o lixo eletrônico, suas consequências, e possíveis soluções no Brasil, onde em 2010 foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), por meio da lei 12.305, que trouxe novas esperanças para a criação e desenvolvimento de um programa eficaz e integrado às demais políticas públicas. Nesse contexto, verifica-se a necessidade de medidas relacionadas aos resíduos sólidos que trabalhem em harmonia com diretrizes legislativas como a Política Nacional do Meio Ambiente lei 6938/81, a Política Nacional das Relações de Consumo lei 8078/90, bem como a Política Nacional da Educação Ambiental lei 9.795/99.
Nas relações de consumo, a PNRS toma como base o Princípio da Ecoeficiencia, relacionado à necessidade do consumo sustentável, cria a Responsabilidade Compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos eletrônicos. Propõe-se até mesmo a criminalização pelo descarte inadequado do lixo, situação que levanta várias questões sobre a PNRS e os conteúdos e consequêcias jurídicas da responsabilidade compartilhada pela sociedade.
Diante de tantas particularidades e mesmo dificuldades, esta pesquisa foi baseada em conteúdos produzidos por diversos públicos de interesse pelo tema, veiculados pela doutrina do direito, sites, ONGs, jornais, revistas, monografias, artigos e legislações, inclusive sob a perspectiva do filósofo Hans Jonas, isso porque a nova realidade exige mudanças éticas.
Portanto, nesse artigo argumentamos que, frente ao excesso de resíduos sólidos produzidos pelo consumo, muitas vezes inconsciente, a responsabilização dos diferentes atores sociais pode apresentar uma nova solução inclusive ética, por meio da implementação da PNRS, facilitando sua eficácia e impacto positivo diante da questão ambiental que sempre aponta para o futuro e impõe limites à exploração dos bens ambientais.
1 O CONSUMISMO VERSUS CONSUMIDOR SOB OS OLHOS DA INDÚSTRIA CULTURAL
[…] a sociedade pós-moderna produz para consumir e cria para produzir algo consumível, em um ciclo cultural onde a noção fundamental é a aceleração, de tal forma que o consumismo condiciona as relações humanas.
Na pós-modernidade vivemos a chamada cultura do consumo. As pessoas valem pelo que têm. O mercado é quem define o que é bom, belo, necessário.
De acordo com Rizatto Nunes
O mercado é uma ficção econômica, mas também é uma realidade concreta, ele pertence à sociedade. Não é da propriedade, posse ou uso de ninguém em particular e também não é exclusividade de nenhum grupo específico. A existência do mercado é confirmada por sua exploração diuturna concreta e histórica. Mas essa exploração não pode ser tal que possa prejudicar o próprio mercado ou a sociedade. O mercado é composto, como se sabe, não só pelos empreendedores da atividade econômica, mas também pelos consumidores. Não existe mercado sem consumidor.3
Nesse contexto, as técnicas de propaganda partem do vínculo de consciência, criando uma ligação de indetidade entre consumidor e produto oferecido. Aos poucos se busca oferecer mais produtos ao consumidor cativo.
É fundamental que façamos uma regressão para as sociedades antigas, nas quais se verifica um padrão de consumo que, posteriormente, foi também adotado no período medieval, caracterizado pela pessoalidade e simplicidade. À época, as relações de troca estavam limitadas pela precariedade dos meios de transporte, bem como pela própria estrutura social.
Esse período de consumo do homem medieval foi marcado pela pessoalidade: cada um consumia o que produzia – normalmente produtos ou serviços simples. Ou então, consumia-se apenas aquilo que era produzido por pessoas próximas.
As revoluções burguesas tiveram papel importante para que o homem buscasse o progresso industrial, científico e técnico. Dessa forma, alteraram-se de maneira explícita os padrões de consumo, o que forçou cair por terra os privilégios da nobreza. Assim, a Primeira Revolução Industrial favoreceu o desenvolvimento, alterando os padrões de consumo.
A evolução científica e técnica, fatos marcantes da segunda metade do século XVIII, permitiu que os produtos tivessem cada vez mais complexidade, resultado em uma produção sistematicamente organizada.
Esvaiu-se o caráter pessoal do consumo, o que deu início a um processo com viés de impessoalidade e complexidade. Os produtos tornaram-se cada vez mais complexos, principlamente do ponto de vista da cadeia produtiva.
De forma que ocorre o fenômeno da separação entre produção e comercialização, onde o comerciante passa a ser um intermediador de mercadorias. Assim, o mercado passou a exigir especialização, tanto da indústria quanto do comércio.
Retratando a realidade do século XX, verifica-se que surgiram diferente produtos similares a baixo custo, bem como redes varejistas e sistemas de distribuição, fundamentados pelos meios de comunicação, dando suporte à produção de massa.
A sociedade de massa então deve ser compreendida como resultado de uma longa evolução do homem no seu cotidiano, que supostamente responde aos estímulos das necessidades de sobrevivência no mundo.
Neste contexto social, Adorno e Horkheimer desenvolveram o conceito da Indústria Cultural, segundo a qual as mentes humanas são manipuladas, diminuindo as atitudes críticas e propiciando as reproduções ideológicas do capitalismo. Pode-se citar como exemplos as produções artísticas que se transformaram em mercadorias, sujeitas às leis do mercado da oferta e da procura.4
Sob esse poder do monopólio, toda cultura de massa é idêntica, o cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte, tornando-se uma forma de negócio lucrativo, utilizada como uma ideologia destinada a legitimar o “lixo cultural” que propositalmente produzem.
Portanto, a indústria cultural tem como atribuição incentivar o consumo, por meio da união do negócio lucrativo com a ideologia, objetivando a expansão do sistema capitalista.
Sob esse prisma, a sociedade pós-moderna produz para consumir e cria para produzir algo consumível, em um ciclo cultural onde a noção fundamental é a aceleração, de tal forma que o consumismo condiciona as relações humanas.5
A cultura de massa universaliza as produções a ponto de transformar a ética em produto de venda, de maneira que tudo é medido pelo sucesso econômico.
Então, é no final dos anos 70 que nasce a sociedade do hiperconsumisno. E esta traz um novo lema: “compro, logo existo”. De acordo com esse lema, o objeto de desejo social é um símbolo representando alguém ou algo, um poder da cultura industrial que, conforme Moles, é colocado a serviço da manipulação de massa desenvolvendo materialmente a sociedade.
A produção é tamanha que logo surgem substitutos. E o que era novo torna-se velho e ultrapassado, levando a um aumento considerável dos produtos obsoletos. Essa aceleração resulta em descarte rápido, contribui para a produção de resíduos sólidos, especialmente os eletrônicos.
Nessa satisfação de necessidades individuais, o consumo culmina por apresentar reflexos que ultrapassam a pessoa do consumidor. O mesmo consumo que assegura uma vida digna à população, enseja um movimento inverso, afetar negativamente a qualidade de vida antes desejada.
Portanto, o consumo é um fenômeno social. Não envolve apenas a satisfação das nossas necessidades. A escolha dos produtos não é individual, como se poderia pensar em princípio. Isso porque há todo um contexto de inserção na vida em sociedade, fazendo com que nossas opções de consumo levem em consideração fatores econômicos e sociais.
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*Fernanda Leopoldina Dutra Brandani Tiisel é advogada especialista em gestão e planejamento de cidades. Mestranda em direitos difusos e coletivos
Fonte: Migalhas