De Marcia Hirota*
A vista parece a de sempre, mas não é. Nesses dias de inverno, período mais seco do ano, uma faixa de poluição é visível e aumenta a cada dia, piorando o ar de São Paulo. Uma girafa mecânica mostra que a cidade continua sendo adensada aqui e em outras regiões. Tudo demais, verde de menos.
As 3.429 cidades da Mata Atlântica, incluindo São Paulo, apresentam um dos maiores índices de urbanização do país, com quase 90% da população vivendo em áreas urbanas. Habitam os municípios do bioma 72% da população brasileira. São 145 milhões de pessoas que dependem da floresta para os serviços ambientais essenciais, como a regulação do clima, a qualidade do ar e o abastecimento de água.
Nossas cidades foram construídas sobre nossas florestas. E boa parte do que restou da Mata Atlântica original, por incrível que pareça, está próxima ou inserida nas áreas mais urbanizadas do país. Na medida em que as cidades crescem, a pressão sobre as áreas com vegetação nativa também aumenta. Diante desse cenário, a conservação das florestas urbanas ganha ainda mais importância.
O primeiro passo para proteger essas áreas verdes é conhecê-las. Foi o que acabou de fazer a Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente e com apoio técnico da Fundação SOS Mata Atlântica, ao mapear os fragmentos de remanescentes florestais, os bosques e as áreas naturais na cidade. O mapeamento, lançado no dia 30 de junho no Diário Oficial, mostra que a vegetação de São Paulo vai além das conhecidas grandes florestas naturais existentes nos extremos norte e sul. Há também uma porção de inúmeras pequenas manchas verdes acima de 85 m2 distribuídas por toda a cidade. No total, 30% da área da cidade ainda é coberta por Mata Atlântica. Para terem uma ideia, a área mínima mapeada no Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, parceria entre a SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é de 10.000 m2.
O diagnóstico da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente é um dos produtos do Plano Municipal da Mata Atlântica (PMMA) de São Paulo, e agora será utilizado para que o município, a partir do Plano Diretor, defina as áreas prioritárias para recuperação e conservação. A partir do mapeamento, as autoridades locais poderão avaliar, por exemplo, a necessidade de criação de novas Unidades de Conservação (UCs) municipais, uma ferramenta estratégica para assegurar a proteção da paisagem natural, da biodiversidade e conciliar conservação, expansão e desenvolvimento local.
Áreas protegidas nas cidades
Para compreender os desafios da relação entre urbanização e conservação da natureza, a SOS Mata Atlântica realizou recentemente um levantamento que mapeou, pela primeira vez, a situação das UCs municipais da Mata Atlântica.
As Unidades de Conservação podem ser criadas pelos governos federal, estaduais e municipais. Informações sobre as UCs federais e estaduais são de mais fácil acesso e algumas dessas, muitas vezes, são até bastante conhecidas pelo grande público, mesmo que ele não identifique essas áreas exatamente como uma Unidade de Conservação. Dois bons exemplos são os famosos e super visitados Parque Nacional do Iguaçu e Parque Nacional da Tijuca.
Já sobre as Unidades de Conservação municipais as informações são bastante fragmentadas, o que dificulta, inclusive, entender quais os desafios na criação, gestão e os caminhos para o fortalecimento desse importante mecanismo de conservação da Mata Atlântica local, lacuna que o estudo da SOS Mata Atlântica busca preencher. E os dados são surpreendentes.
O levantamento – coordenado pelo biólogo Luiz Paulo de Souza Pinto, com apoio da equipe técnica e voluntária da SOS Mata Atlântica – identificou 870 Unidades de Conservação municipais, que totalizam 2,7 milhões de hectares (ha) e representam 40% do total de unidades existentes na Mata Atlântica, considerando as esferas federal, estadual e municipal. Dessas, 852 unidades (2,6 milhões de ha) estão em áreas de florestas ou ecossistemas associados. Outras 18 unidades (131 mil ha) foram registradas na Zona Marinha.
A maioria das UCs municipais estão localizadas na malha urbana e periurbana (45% e 20%, respectivamente, em uma amostragem de 371 unidades). Isso significa que 65% das unidades estão sob influência dos centros urbanos e mais próximas das pessoas. Entretanto, mesmo em menor número (35%), as unidades inseridas no ambiente rural dos municípios representam a maior cobertura territorial (77%), contribuindo para a proteção da paisagem natural e de áreas-chave de bacias hidrográficas que abastecem as cidades.
O estudo, lançado no final de 2015, contou com patrocínio do Bradesco Seguros e Bradesco Cartões e a ampliação dos dados foi realizada graças ao apoio do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo.
Recorde de UCs
Os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná possuem o maior número e área de UCs municipais. Os três Estados, juntos, contêm 81% da área e 70% do número total dessas unidades. Duas das maiores unidades municipais, com área acima de 50 mil ha, são as Áreas de Proteção Ambiental do oeste do Paraná, dos municípios de Altônia e Alto Paraíso, que formam um complexo de unidades para a proteção das florestas do rio Paraná.
Minas Gerais possui o maior número de municípios com UCs municipais (135) e mais da metade (52%) da área total das UCs municipais da Mata Atlântica. Umas dessas unidades é o Parque Natural Municipal das Andorinhas, em Ouro Preto. Seus 557 ha abrangem as nascentes que formam a Cachoeira das Andorinhas e a cabeceira do Rio das Velhas, importante afluente do Rio São Francisco e uma das principais fontes de água para a região metropolitana de Belo Horizonte.
O Estado do Rio de Janeiro mostra maior capilaridade na cobertura dessas unidades. Pelo menos 83% dos municípios fluminenses possuem UCs municipais, com destaque para a capital, que tem a maior rede de proteção entre os municípios avaliados. Uma das unidades de conservação municipais na cidade carioca é o Monumento Natural Municipal dos Morros do Pão de Açúcar e Urca, que protege um dos ícones do Rio de Janeiro e do país, o Pão de Açúcar. O estado do Rio de Janeiro possui ainda o maior parque municipal da Mata Atlântica – o Parque Natural Municipal Montanhas de Teresópolis – e o maior número de Unidades de Conservação municipais Marinhas.
Há 55 unidades municipais no Estado de São Paulo. Distribuídas por 25 municípios, somam cerca de 186 mil ha. Entre elas está a Reserva Biológica Municipal Serra do Japi, em Jundiaí, um importante sítio de pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e outras universidades, onde foram registradas mais de 660 espécies de plantas.
Apesar da relevância, as Unidades de Conservação municipais ainda são invisíveis e não estão integradas, efetivamente, nas análises e estratégias de conservação da biodiversidade. No entanto, o levantamento apresenta um indicativo da importante contribuição dessas unidades na proteção de populações de espécies e na manutenção e provimento de serviços ambientais, como abastecimento de água para consumo humano. E mais: por estarem concentradas nas áreas urbanas, elas são extremamente importantes no desafio de reconectar natureza e sociedade, garantindo para os cidadãos qualidade de vida, belas paisagens e oportunidades de lazer e recreação.
Para contribuir com esse desafio, a Fundação SOS Mata Atlântica apoiará neste ano, por meio de um edital, 24 projetos que buscam criar ou implementar UCs municipais públicas e privadas no país. O patrocínio do edital é do Bradesco Seguros, do Bradesco Cartões e da Repsol Sinopec Brasil.
O objetivo é estimular as cidades a fortalecerem a gestão ambiental de seus territórios, investindo nas políticas, no planejamento e na execução de medidas que assegurem proteção e uso sustentável do ambiente. É um conjunto de projetos agregadores que contribuirão muito para fortalecer esses importantes mecanismos de conservação da biodiversidade local, reunindo poder público, instituições e pessoas, especialmente proprietários de terras, para somar esforços.
No último domingo (17/7), comemorou-se o Dia da Proteção das Florestas, uma data criada com o objetivo de conscientizar a população sobre a necessidade de conservar e recuperar as áreas verdes. Neste dia, é importante constatar que há ainda muito o que fazer, mas que essa realidade só vai mudar quando a sociedade assumir a missão de proteger e usufruir os benefícios das nossas florestas urbanas. Um caminho é reconhecer as Unidades de Conservação municipais como um importante instrumento de proteção ambiental e torná-las visíveis. Desafio que depende de conhecimento, mas também de engajamento das autoridades locais e de toda sociedade.
*Marcia Hirota é diretora-executiva da organização, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie
Fonte: SOSMA
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