Ou se paga o preço para impor a Ordem ou se entrega de vez o Rio de Janeiro (e o Brasil) para o domínio da bandidagem
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
No dia 6 de maio de 2021, uma operação das forças especiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro, realizada na favela do Jacarezinho – uma das maiores da cidade, resultou em intensa troca de tiros aproximadamente 30 mortos, dentre eles um policial, apreensão de armas de fogo entre pistolas, metralhadoras, fuzis e armas antiaéreas.
A Polícia Civil carioca informou que a ação resultou de uma intensa investigação sobre o aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas local, para emprego em ações criminosas.
Do intenso tiroteio, restou que balas perdidas atingiram um vagão do metrô, que se encontrava na estação que atende á favela, ferindo dois passageiros, que foram socorridos e tratados.
Como era de se esperar, houve “comoção” na comunidade afetada pela operação policial, prontamente apoiada e ampliada, como de praxe, pelos meios de comunicação, entidades dedicadas à defesa de Direitos Humanos, autoridades pressurosas em ocupar protagonismo midiático e militantes partidários de organizações esquerdistas.
A batalha de informações e a batalha legal, integram o contexto de toda operação policial contra o crime organizado. Portanto, não devem de forma alguma impressionar o cidadão de bem – o grande interessado em ver restabelecida a Lei e a Ordem no meio social brasileiro.
Informam a imprensa mainstream e a militância empenhada em estigmatizar organismos de segurança pública, que houve uma “chacina” e não uma operação.
Com todo o respeito, há uma enorme diferença entre chacina e faxina.
Chacina ocorreu em Santa Catarina, contra funcionárias de uma creche e bebês indefesos. Faxina é o que ocorreu no Rio… e com precisão cirúrgica.
Obviamente, eventuais excessos e abusos deverão ser devidamente apurados – mas de forma alguma desnaturam a operação efetuada contra o crime organizado.
Como já dito em vários artigos que tenho oferecido à leitura dos amigos – e referencio alguns abaixo deste texto, vivemos há décadas um clima de guerra civil no Rio de Janeiro, com áreas liberadas ao tráfico de drogas ou tomadas pelas milícias ao arrepio da lei.
A ocupação territorial se faz com base na violência bélica, mas o domínio territorial se obtém com a assunção da economia local, pela cooptação cultural e pelo terror como forma de repressão.
Assim, nessa assimetria de padrões, TODA a população local – tomada pelo crime organizado, torna-se refém dos ocupantes.
O resultado psicológico sobre a comunidade diretamente impactada é similar à chamada “Síndrome de Estocolmo”, que se processa em escala multiplicada, pois os reféns não só aderem como passam a compor o sistema produtivo que dá suporte ao crime organizado.
A disfunção provocada pela perda do controle territorial do Estado é a relativização de sua soberania, gerando uma demanda por “autonomia” que favorece á estrutura marginal instalada na área em conflito.
Que fique claro: “autonomia” da “comunidade” significa lucros estratosféricos advindos da especulação imobiliária, da grilagem, do parcelamento clandestino do solo, da indústria de alugueres escorchantes e de sublocações, do comércio de materiais de construção, saneamento precário, iluminação pirateada, abastecimento de água traficada, ocupação de áreas de risco, poluição, saúde precária, etc…
Um fator importantíssimo nesse tipo de “demanda por autonomia” da “comunidade” – cuja característica difusa confunde quem não lida com conflitos híbridos, é a ideologização da atividade marginal, que a torna “expressão da comunidade” sobre a qual está instalada – e essa atividade marginal gera lucro.
A ideologização, portanto, não é gratuita, ela é fundamental para engajar a população, tornando-a um escudo humano capaz de reagir emocionalmente na defesa dos interesses de quem sequestrou seus valores, bens, liberdade e dignidade.
Esse processo de sequestro ideológico, portanto, é componente da “fidelização” do público responsável por garantir os lucros das quadrilhas de especuladores da economia local.
Por óbvio, para ser eficaz, o sequestro envolve múltiplos fenômenos culturais. Abrange da promoção dos eventos de “pancadão” à assunção dos serviços locais de “assistência social” e infraestrutura – assumida por ONGs e mantida por políticos financiados pela economia clandestina.
O sequestro implica na imposição da ordem marginal e – o mais perverso – desestruturação e aparelhamento dos entes familiares, com a apropriação das adolescentes pelos “soldados” do crime… muitas vezes com a violação sexual abonada pelo chefe local e/ou casamento abençoado pelo pastor evangélico autorizado a cuidar do rebanho.
Esse tipo de funcionalidade ocupacional bárbara é milenar. Mas convive paripassu com o avanço civilizatório – como num espasmo arquetípico, um lado obscuro do subconsciente coletivo.
Pausa para uma referência histórica:
O fenômeno ideológico da “autonomia” territorial, ganhou reforço político como estratégia esquerdista durante a guerra fria. Ganhou método e passou a integrar a estratégia urdida pelas forças em conflito no Século XX. Tem como paradigma a forma de infiltração subversiva executada na Guerra da Argélia pela NLA (Frente de Libertação Nacional), que se apropriou da Casbah, o bairro árabe mais pobre de Argel, tornando a área “impermeável” ao domínio colonial francês.
A técnica foquista foi utilizada em Cuba, no mesmo período. Também serviu como forma de exclusão e apropriação territorial e ideológica na Ásia, consolidando-se como componente da guerra assimétrica de guerrilhas. Foi então adotada – inclusive o proselitismo, pelos Cartéis do Tráfico de Drogas – que passaram a financiar organizações guerrilheiras, partidos radicais de esquerda e líderes populistas – como forma de construir cobertura política e organizar “narcoestados”.
A ação, portanto, nada tem de “legítima”, “humanitária” ou “social”. Ela tem método e representa lucro.
Voltando à questão. Por óbvio que torna-se muito difícil, para os órgãos de repressão do Estado, vencerem a nuvem proselitista que atua como escudo protetor do fenômeno criminológico.
Essa nuvem é força de dissuação contra a implementação da lei e da ordem.
O proselitismo, portanto, atua como gigolô da tragédia humana envolvida no fato. “Vitimiza” a “comunidade” que sedia atividades do tráfico de drogas. Normaliza a especulação imobiliária e a degradação ambiental. Denuncia como “genocídio da população preta” e “segregação social”, justamente o combate policial que pacificaria o massacre contínuo à liberdade oriundo da guerra de facções. Estigmatiza como “preconceito contra pobre” e transforma em “massacre”, toda e qualquer operação policial que resulte positivamente na eliminação, prisão ou erradicação de componentes das quadrilhas criminosadee de traficantes.
Ao par do sequestro da comunidade para manter a renda da economia clandestina ( com enorme lucratividade), o crime organizado organiza sua franquia do fornecimento da cocaína nessas regiões – sob o abrigo da “autonomia”.
A cocaína ainda é uma “droga social”. Parte do consumo ocorre na camada social intelectualmente encarregada de encenar essa pantomima proselitista, repercutindo o discurso da vitimização na chamada Opinião Pública e Jusburocracia. Assim, a comercialização dos pontos nas áreas miseráveis, não só reforça a “segurança armada” do crime, como cultiva a base territorial para o recrutamento de soldados… mantendo reféns toda a família destes.
É nesse momento que surgem os quadros da Guerra de Informação e da Guerra Legal – que interagem para “desmontar” a implementação da lei penal sobre a “comunidade” liberada ao tráfico. Eles advém da massa de “consumidores” da droga, e da extensa rede institucional de proteção, financiada pela elevadíssima lucratividade do tráfico. A rede envolve, assim, não só a corrupção policial mas, também, a judiciária, jornalistas engajados, ONGs financiadas, a classe política, igrejas cristãs e comunidades afro oriundas do sincretismo, artistas, etc…
É dessa forma que o Estado Brasileiro permanece “enxugando gelo” e a soberania nacional se perde, favorecendo a cultura da bandidagem.
A economia resultante dessa barbárie rega toda a cadeia de perversões nacionais: do roubo de cargas, sequestros e chacinas à corrupção de menores, tráfico de órgãos, exploração sexual de mulheres adolescentes e esbulho possessório… passando obviamente pela corrupção e lavagem de dinheiro.
Que fique claro para todos: tal qual numa guerra (pois é disso que se trata), o inimigo do Estado de Direito e da Democracia escolhe os pontos fracos, para ali instalar suas bases. Assim, o crime organizado finca sua infraestrutura física na pobreza.
Usa os pobres, não porque é expressão da “luta de classes”, mas porque se utiliza da miséria como fonte de mão de obra barata, e terreno fértil para explorar os miseráveis, até o último centavo, tornando-os dependentes da criminalidade.
O que fazer?
Para desalojar a corja e recuperar a comunidade para a economia nacional… o Estado deve fazer a opção pelo uso da força. E deve agir de forma cirúrgica, como se faz na moderna estratégia da guerra assimétrica. Porém, não escapará das casualidades inerentes às batalhas.
A única saída para o combate duro à esse esquema tentacular e de controle territorial, é aliar as forças de segurança com apoio militar estratégico, organizadas em grupos interdisciplinares com firme apoio jurídico e tutela especial por meio de legislação especial.
Assim, por meio de firme ação de inteligência e operações desenvolvidas com máxima eficácia – vale dizer: identificação, cerco e destruição, pode-se retomar o controle do Estado e pulverizar o esquema criminoso, reduzindo a sua periculosidade e capacidade organizacional.
Por óbvio que há toda uma agenda que deve ser planejada e cumprida de forma transdisciplinar, envolvendo a ocupação material do Estado nas áreas “resgatadas”. Desde infraestrutura, urbanização, saneamento e saúde, até educação, crédito popular, restauração do comércio etc.
Mas, nada disso poderá ocorrer, se não se fizer a faxina e limar a bandidagem da área.
O resto… é proselitismo.
Essa guerra é assimétrica, envolve portanto aspectos que refogem às táticas de repressão e confronto policiais ou militares. O conflito envolve questões institucionais, inclusive o dito proselitismo político e conflitos legais.
A “lawfare”, como visto, constitui o grande bastião – contra ou a favor do combate ao crime organizado. A vitória da Ordem Pública, portanto, dependerá da vontade política e nível de engajamento dos agentes públicos encarregados de implementar a lei e da organização vigilante da sociedade civil – refletida na opinião pública.
Como já dito, é no conflito de opiniões, palpites despropositados, apelos emocionais e vitimizações identitárias, que o crime organizado se articula com mídia engajada, políticos esquerdistas, militantes idealistas e agentes públicos mal intencionados. O fenômeno criminológico investe nessa gente todas as fichas – pois no campo da lawfare – da Guerra Legal e de Comunicação, usa e abusa da manipulação dos institutos e instituições de proteção aos “direitos humanos”, “garantias individuais”, “direito de defesa”, “abolicionismo penal”, “humanização dos presídios” e outros conceitos ideologicamente puros, porém manipulados, que reduzem a capacidade de punir do Estado e de reprimir das forças de segurança.
É pegar, pagar o preço ou… largar de vez o Brasil para os celerados.
Escolham!
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro, em 8 de maio de 2021.
Referências:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Conflitos Assimétricos, Paramilitarismo, Interesses Difusos e Guerra Híbrida de 4ª Geração”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Crime Organizado Organiza a Oposição”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2018/10/crime-organizado-organiza-oposicao.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A Ponta do Iceberg” (A infiltração do crime nos Direitos Humanos), in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2016/11/a-ponta-do-iceberg.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A Violência nas Ruas, A Rebelião nos Presídios e a Supremacia dos Idiotas”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2017/01/a-rebeliao-nos-presidios-dissimulacao-e.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A República dos Bananas Assassinos”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2014/01/a-republica-dos-bananas-assassinos.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Riscos Ambientais, Interesses Difusos e Conflitos Assimétricos”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2020/12/riscos-ambientais-interesses-difusos-e.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. É diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 28/03/2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.