Se todos os passageiros de aviões do mundo doassem sua milhagem a programas sociais, haveria US$ 900 bilhões para mitigar a pobreza.
Por Eugenio Singer
É impressionante como a humanidade consegue esconder-se atrás dos seus grandes erros. Bastou a inteligência de Harvard pensar na forma de traduzir a poluição atmosférica em ganhos de derivativos financeiros que o mundo todo se envolveu na questão de Quioto e do tão falado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). E os Gases de efeito estufa! Esse trinômio, também conhecido pelas sigla GHG (Green House Gases), já movimenta bilhões de dólares mundialmente. E essa cifra subirá tranqüilamente aos dois dígitos de bilhões até o fim do Protocolo de Quioto, em 2012. Os economistas, atordoados, já começam a pensar no período pós-Quioto.
Afinal, a temperatura da Terra está mesmo subindo! E não somente em razão da enorme quantidade de emissão dos gases de efeito estufa, gerados pela queima de combustíveis fósseis, pelas queimadas e desmatamentos, pelos gases emanados dos aterros sanitários ou pela produção extensiva de gado. A temperatura da Terra aumenta significativamente porque não encontramos um mecanismo para aliviar a pobreza.
A pobreza, centrada no grande aumento demográfico, deve aumentar o calor no planeta de modo muito mais significativo do que as emissões geradas pelos países desenvolvidos. O efeito de cada novo consumidor é cruel para o planeta. Para verificar essa hipótese, basta fazer o teste e calcular o seu impacto sobre o clima (www.globalexchange.com.br). Verão que se todos tiverem um consumo parecido com o seu, necessitaremos, no mínimo, de quatro planetas Terra para absorvê-los.
Precisamos reconstruir o modelo criado pelas Nações Unidas e agências multilaterais. O mundo mudou demais nos últimos 60 anos e perpetuamos um sistema financeiro arcaico e paquiderme. É sabido que quase 30% dos empréstimos contraídos pelos países-membros do sistema financeiro internacional vão para a corrupção e não atingem o seu devido fim, que seriam os projetos de desenvolvimento e o alívio da pobreza.
Sabe-se, também, que se muitos países não tivessem contraído dívidas com bancos regionais ou mundiais de desenvolvimento, estariam em melhores condições atualmente, pois pesam sobre eles dois grandes fardos: o da dívida contraída acrescida dos respectivos juros e os projetos não desenvolvidos. Todos sabem disso. Só falta aparecer um Jefferson e dois publicitários para revelar!
Os governos não são mais soluções. Ao contrário, são “sinks” ou drenos de investimentos. Talvez o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, tenha mesmo razão ao afirmar que o fenômeno da consolidação das ONG’s pode ser uma das soluções para o alívio da pobreza mundial. Clinton afirma também que, mesmo em um país com governança pouco efetiva, quando uma rede de ONG’s se estabelece, o seu trabalho pode salvar muitas vidas, propiciar abertura de empresas e promover o desenvolvimento.
Será que toda a inteligência acadêmica mundial é incapaz de pensar em um MDL para aliviar a pobreza? É tão difícil pensar que se poderia investir em nações onde cada dólar teria um efeito multiplicador altíssimo para reduzir a temperatura da Terra, aliviando a pobreza? Ou será que os intelectuais continuarão fechando seus olhos e pensando que o futuro que lhes caberá será sua exclusão do mundo social e o confinamento que lhes permita pensar confortavelmente? Será que sua aspiração não será por um mundo virtual, livre das imagens e dos cenários desoladores que vivenciamos atualmente?
Caso cada um cumpra a premissa básica da Clinton Global Initiative (CGI), de sair com uma lista de tarefas para aliviar a pobreza, quantos pobres conseguiremos transformar? Essa seria a principal meta real do milênio: a capacidade individual de abdicar do consumo e aliviar a pobreza. A conta parece complexa para as mentes brilhantes, porém, pode ser simples e indolor. Bastaria que todas as pessoas que voam de avião doassem suas milhas para um projeto de alívio da pobreza.
Sabe-se que, hoje, o valor nominal das milhas é equivalente ao capital em uso no planeta, ou seja, cerca de US$ 900 bilhões, uma soma suficiente para melhorar a qualidade de vida neste mundo, sem passar pelas agências multilaterais obviamente! Ademais, deixar de usufruir as milhas obtidas não é de todo mau, em face do risco que a aviação nos tem imposto. Vale a pena tentar! Quem abre a conta?
Eugenio Singer é empresário, membro do Conselho de Administração e diretor para a América Latina da ERM Brasil. Dirige o Instituto Pharos, ONG dedicada à defesa da costa brasileira.