Por Alfredo Attié Jr.
A imprensa tem – com as dificuldades de nossa sociedade, e em decorrência das limitações de informação, de formação e de educação de seus jornalistas e de nossas elites – falado em “Governo versus Congresso”, constantemente. É vitória do governo, aqui, derrota, acolá. Mesmo jornalistas tidos como experientes e chamados de analistas políticos fazem isso.
Mas a questão passa ao largo disso além de ser uma simplificação que não explica nada e até atrapalha o entendimento.
A imprensa, porém, não é culpada pelo que há de extremamente confuso no cenário (e nos bastidores, como se diz) da política brasileira.
O governo está gastando uma fortuna – ilegalmente, de meu ponto de vista – para fazer propaganda – enganosa, porque mais serve a fazer propaganda do que não se fez do que para explicar o que se pretende fazer e não se tem capacidade para fazer – do chamado ajuste fiscal.
A informação correta do governo implicaria em explicar a raiz da crise e dizer por qual motivo o povo está sendo chamado a pagar a conta dos erros do governo, que tem de admitir que errou e que mentiu. Não foi apenas mentira eleitoral, mas mentira de governo. E não foi apenas mentira de conveniência, mas também omissão e – dependendo do curso das investigações – ação ilícitas, na gestão e no controle da administração, da gestão pública.
E, como sempre, governo inclui executivo e legislativo.
Não é à toa que esse Congresso (legislativo) e essa Presidência (executivo) foram eleitos juntos. A campanha eleitoral é culpada por isso (e suas mentiras graves), mas também o sistema de governar, que usa e abusa da negociação com os parlamentares.
Com as investigações de Judiciário, MPF e PF (que decorrem da evolução dessas instituições e nada tem a ver com os partidos de governo, muito menos o PT), o cerco vai, na medida difícil do possível, apertando. As margens de negociação, que praticamente inexistiam no governo anterior, estreitaram-se. É um salve-se quem puder de cúmplices.
Todo mundo quer um atestado de não estar envolvido, não saber de nada.
E como aprovar o tal ajuste, veiculado por medidas provisórias? Os sinais estão trocados, ninguém conhece mais os códigos, quem era parceiro ontem, hoje sumiu, quem era cúmplice pode estar preso ou fazendo delação e, pior de tudo, políticas e políticos nem sabem mais quem são suas bases, a quem agradar. O que se agrava pelo fato de que nunca cogitaram em prestar contas a ninguém.
Por isso, não sabem governar, muito menos se submeter a controles.
Antes, fingiam que sabiam governar. Veja-se, só a título de exemplo, as bobagens que eram afirmadas em entrevistas dadas pela atual presidente, em programas de televisão e à imprensa, em geral, em que se corrigia, com soberba, indagações de jornalistas, que apenas cumpriam o seu papel de fazer perguntas de querer entender e indagar, em nome de sua profissão e pelo público.
Seria uma questão de dignidade política – a favor do povo – a destituição legítima – por renúncia ou impeachment – desse governo (executivo e chefias do legislativo, além de investigadas e investigados por atos contrários à Administração Pública.
Nesse momento, não acredito que isso venha a ocorrer – pois falta mesmo essa dignidade.
Que fazer, então?
É preciso que se crie uma instância imparcial de acompanhamento e controle (fiscalização) do Estado brasileiro, que envolva a sociedade civil e membros de todos os partidos não envolvidos nas investigações.
Que seja, a seguir, formulada a base de um pacto social.
Sim, parece anacrônico.
Mas é tão anacrônico quanto ter feito (de forma, aliás defeituosa), com enorme atraso funcionar Comissões da Verdade, em nosso País.
Ou seja, é procurar fazer, agora, o que não se fez, por ausência de coragem de fazer, na chamada transição democrática.
Depois do pacto social, a formulação de debate democrático pelo aprimoramento constitucional, com a finalidade de convocar a constituinte que, rigorosamente, nunca tivemos.
A crise sugere pensar o que ela traz de revelador sobre a nossa realidade política e recuperar o caminho da democracia, que é encontrar meios verdadeiros e adequados de expressão da cidadania, que é soberania popular.
Desse modo, convocaria a sociedade brasileira a olhar-se no espelho, tentar dizer o que é, e passar a expressar seus desejos de vir a ser.
Somos um povo rico, num País de natureza destruída por uma elite irresponsável.
Nossa riqueza somos nós, o Povo!
Alfredo Attié – Magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Doutor em Filosofia, Mestre em Direito e em Direito Comparado, Membro do Fórum Global de Justiça e Desenvolvimento, Washington, D.C., Titular da Cadeira San Tiago Dantas da Academia Paulista de Direito.
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