Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Nos últimos meses, temos observado o recrudescimento, em todos os cantos do País, de medidas judiciais, administrativas e legais, cujo efeito tem sido sempre a paralisação do licenciamento ou da instalação de obras de importância vital para a economia, a infra-estrutura terrestre e o turismo do Brasil. A constante nessas paralisações tem sido sempre a inserção do vetor ambiental e o levantamento de óbices provenientes da legislação de proteção de nosso meio ambiente.
A nova, pouco discutida e ainda não assimilada legislação ambiental brasileira, com efeito, vem se transformando, por obra e graça de alguns precipitados operadores do direito, em “panacéia” para todos os males que afligem nossos ecossistemas, com pífios resultados, diga-se de passagem, justamente pelo equívoco funcional de seu uso.
Há ainda os que preferem usar essa nova e complexa legislação, como uma espada contra nossas injustiças sociais, igualmente sem resultado. O que observamos, em ambos os casos, é a utilização arbitrária de nossas leis ambientais, como pretexto para embargar o Brasil.
De fato, por uma incrível ausência de visão estratégica de nossos governantes e, por que não – malgrado a advertência do Presidente do STF, Dr. Nelson Jobim, de nossos juízes e tribunais superiores, permite-se que uma espécie de “fundamentalismo” obscurantista, quase uma cegueira ideológica, espalhe-se como vírus em nossos organismos de decisão e contamine parcela de nossos operadores do direito e da administração, gerando uma somatória de ações judiciais, exigências descalibradas em processos de licenciamento ambiental, atritos com ONGs., imprensa, etc., cujos impactos resultam nocivos ao interesse nacional, sem qualquer vantagem ambiental ou econômica, para o Brasil.
Esse recrudescimento de ações impeditivas, com todo o respeito às boas intenções nelas contidas, não pode ser visto isoladamente. Não há como ignorar que a somatória de atos protagonizados por procuradores da república e promotores de justiça, zelosos, diga-se, do equilíbrio ecológico e muitas vezes impulsionados por “denúncias” esboçadas por ONG’s, acaba por involuntariamente construir intrincada trama de obstáculos ao crescimento estratégico do Brasil.
De fato, contam-se às dezenas as ações civis públicas promovidas pelos ministérios públicos estaduais ou Procuradoria da República, buscando impedir a instalação de portos hidroviários, feitura de dragagens em hidrovias e em portos marítimos, estudos para correção de cursos de água, transposições de bacias, o transporte hidroviário de milhões de toneladas de grãos, um sistema sólido de geração e distribuição de energia, a geração de empregos e divisas essenciais para a sustentabilidade econômica, social, e, principalmente, ambiental, de nossas bacias sedimentares, cidades e estados.
No campo das hidrovias, por exemplo, por questões de ordem procedimental, relacionados ao conceito ou ao alcance das Avaliações de Impacto Ambiental nos licenciamentos, chega-se a impasses cujos efeitos transcendem nossas fronteiras, ganhando alcance internacional, como é o caso da Hidrovia do Prata, essencial para o escoamento de bens e produtos da Bolívia, Paraguai, Argentina e do próprio território brasileiro. Outro caso é o da Hidrovia do Tocantins-Araguaia, cujo projeto encontra-se igualmente obstaculizado, por divergências sobre a consulta ou não a povos indígenas e ao congresso nacional, no bojo do licenciamento ambiental, obra essa que poderia escoar os produtos do Centro-Oeste para os portos da região Norte do Brasil, melhorando o aproveitamento econômico de portos de calado mais profundos, do Amapá ou Pará.
Claro, óbvio e lógico que as salvaguardas ambientais terão que ser consideradas, face à somatória de fragilidades ecossistêmicas existentes. No entanto, aí reside o ponto fulcral da aplicação da lei ambiental: o seu cumprimento deve se dar no sentido de conferir sustentabilidade à atividade social e econômica compatível com a região, sempre visando desenvolvê-la, nunca no sentido de obstaculizar o desenvolvimento econômico ou interferir negativamente na redução da pobreza e das desigualdades regionais.
No campo das rodovias, a coisa não é diferente. Duplicações essenciais para a manutenção da vida e a segurança dos usuários das artérias estratégicas para a economia brasileira como a BR 116, encontram-se paralisadas há anos, ou mesmo ocorrendo em rodovias importantes para a captação da economia agrícola e florestal do Centro-Oeste e Norte do País.
Solução idêntica vive o sistema aeroportuário com sistemáticas dificuldades criadas por ações judiciais ou exigências de licenciamento que acabam atrasando importantíssimas expansões de nossos aeroportos e a modernização desses pólos, que têm atendido à crescente demanda de cargas e passageiros e que constitui a grande porta de entrada de nosso País.
Em relação ao turismo, os problemas enfrentados são bem similares. A tecno-burocracia acompanhada por alguns zelosos operadores do direito ambiental, levanta uma muralha de exigências de ordem ecológica contra a instalação de centros hoteleiros, centrais de eventos, trilhas e passagens na área de interesse turístico e cultural; muitas vezes por puro entendimento conceitual, unilateral, do que seja área de preservação, interesse público ou social ou mesmo qual referência ideológica há de servir para avaliar a vantagem do empreendimento para o meio social local (versus a preservação cega de remanescentes naturais, muitas vezes já degradados).
O Brasil, na contra-mão da história, continua, assim, desprezando a indústria do turismo, jogando na vala comum projetos sustentáveis e empreendimentos sem importância, denominando a todos como “especulação imobiliária”.
Empreendimentos que resultariam em grandes soluções de macro-ocupação, de manutenção de áreas de preservação ambiental, de proteção de mangues e do nosso litoral, acabam desestimulados pela lentidão, pelo volume de exigências burocráticas (muitas vezes descabidas), quando não pela judicialização imprevista do licenciamento.
Assim, a pergunta que não quer calar torna-se imperiosa: se a sustentabilidade do País está no atendimento às suas demandas por infra-estrutura e a proteção ambiental se fará somente com uma economia forte e capaz de assumir compromissos contra a pior das pragas que afetam nosso meio, que é a especulação da fome, da miséria, do descaso e da incultura … a quem interessa embargar o Brasil?!
Com a palavra o povo brasileiro…
Observação: Esse artigo foi escrito em 2005 e, até hoje, permanece bastante atual, motivo pelo qual entendi de reproduzi-lo neste blog.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.