Por Fábio Pugliesi*
Neste artigo far-se-á uma breve recuperação do processo que culmina na renovação do Sistema Tributário em curso, aludir-se-ão às propostas de Emenda à Constituição ns. 45 e 110, bem como ao projeto de lei n. 3.887/20.
A tributação é um tema extremamente técnico e nunca esteve tão sujeito às flutuações da opinião pública e, desde a campanha “Xô cpmf”, talvez não tenha sido objeto de tanta polêmica.
Em 1965 efetuou-se a reforma tributária por meio da Emenda à Constituição n. 18/65, a Constituição de 1946 já havia sido bem modificada por atos complementares e institucionais após de 1964. Instituíram-se as competências do ISS, IPI e o então o ICM e outros impostos monofásicos. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, atualmente vigente, foi aprovado pela lei n. 5172/66, tendo sido usado o anteprojeto de Rubens Gomes de Souza por este jurista e Gilberto de Ulhôa Canto. Teve, portanto, a academia o protagonismo no processo.
Na Constituição de 1988 foi mantido o modelo e acolhido o Código Tributário Nacional, tendo sido assegurado regime jurídico tributário às “contribuições”, inclusive muitas já existentes. A Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças da Assembleia Constituinte ouviu representantes de diferentes setores e especialistas, bem como teve êxito ao propor a extinção dos impostos monofásicos, inserindo o “S”, relativo a transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, no ICM(S), bem como criou o sistema de seguridade social e acolheu outros, a exemplo do Fundo de Amparo ao Trabalhador que passou a pagar o salário desemprego.
Com o voto do analfabeto em 1986 o eleitorado experimentou um brusco aumento, desde então o sistema social e econômico se tornou mais complexo, agravado com a urbanização desorganizada. A representação política no Congresso Nacional mudou e passou a refletir conflitos de toda ordem desde os resultantes de desigualdade social sistêmica até os oriundos da disrupção digital.
A fim de atender os compromissos formalizados com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS estabelece o cálculo sobre o preço, ao invés do chamado cálculo “por dentro” que sempre tornou mais complexo o ICMS, assegurando a transparência do valor pago, como ocorre nos outros países. Além disso define que o produto da arrecadação fica no ente federativo de domicílio do consumidor, eliminando a “guerra fiscal” por arrecadação entre os entes federativos.
Ao final do ano de 2018 encerraram os trabalhos da Comissão Especial da Reforma Tributária para a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 293/04, em que se verificou o empenho do relator, então deputado Luiz Carlos Hauly. O texto desta PEC foi recuperado pela PEC n. 110/19, iniciada no Congresso Nacional.
A Proposta de Emenda à Constituição n. 45/19 teve início na Câmara dos Deputados.
Ambas propõem extinguir o ICMS, ISS, IPI e PIS/Cofins, implantar a não cumulatividade e a PEC n. 45/19 uma alíquota única e a PEC n.110/19 assegura imunidade a bens e serviços que asseguram a integração social. A PEC n. 110/19 extingue também o IOF, salário-educação e IOF.
Segundo a PEC n. 110/19, o IBS terá cinco anos de transição e o período de teste de um ano. Diferentemente a PEC n. 45/19 adota uma transição de dez anos e o período de teste de dois anos.
A experiência demonstra que o prazo de cinco anos, fixado pela Emenda à Constituição (EC) n. 87/15, tem sido bem sucedido para a apuração e o recolhimento do ICMS na mudança na tributação quando o contribuinte destina bens e serviços para consumidor final em outro Estado. Possivelmente na economia digital a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços seja até imediata.
O procedimento para arrecadação do IBS deve ser facilitado por inteligência artificial, bem como a eficiente distribuição dos recursos no Simples Nacional, podendo ser apurado e pago concomitante no momento do recebimento do valor pelo contribuinte, segundo emenda do Senador Esperidião Amin baseada no modelo Hauly/Abuhab. A progressividade pode ser garantida no ato da aquisição pelo cadastro do auxílio emergencial em virtude da COVID-19.
A entrada em vigor da lei geral de proteção de dados em 2021, cuja experiência trará alterações na relação Fazenda Pública e Contribuinte, é prudente que o detalhamento da apuração, crédito em tempo real e pagamento seja deixado para a lei.
O Projeto de lei n. 3.887/2020, que propõe instituir uma “Contribuição de Bens e Serviços”, já traz mudanças na apuração e pagamento de tributos, podendo ser usado para a lei que instituirá o IBS, uma vez que a operacionalização deve ser feita pelo Poder Executivo. Trata-se de um apoio às propostas de renovação do Sistema Tributário em andamento e aferição do efeito na opinião pública, dado que não se editou medida provisória.
O projeto de lei n. 3887/20 já adota a não cumulatividade em cada operação (“receita bruta em cada operação”), abstendo-nos de analisar a constitucionalidade, esboça a “escrituração fiscal digital”, deixando de atribuir à Secretaria da Receita Federal do Brasil a operacionalização do sistema.
Paralelamente verifica-se o movimento “Simplifica Já” com o objetivo de uniformizar a legislação do ISS que, embora bem idealizado, ignora a queda de arrecadação dos Estados. O “Simplifica já” pode trazer elementos para a Comissão Mista da Reforma Tributária.
Por causa da diferença entre municípios, em geral as capitais contam com uma máquina burocrática mais bem treinada e têm uma base tributária mais forte, baseada no ISS e no imposto predial e territorial urbano.
A solução para o impasse pode ser distinguir os Municípios segundo o número de vereadores, baseado no artigo 29 da Constituição.
Como se verifica, a COVID-19 e a política do Poder Executivo, ligada à repercussão de suas ações na mídia social, devem levar ao término dos debates para 2021, nada impedindo que disposições da PEC n.110, como as relativas ao IPTU, sejam promulgadas já, em virtude das eleições municipais, segundo já analisado e alertado.
Neste contexto o surgimento da normatividade se relaciona com a política, mídia e economia em um ambiente que exige respostas rápidas, em virtude da COVID-19.
Publicado originalmente em: http://conversandocomoprofessor.com.br/2020/08/04/a-renovacao-do-sistema-tributario-brasileiro-em-curso/ – Acesso em: 07-julho-20
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.
Fonte: O próprio autor – Blog Direito Financeiro e Tributário
Publicação Ambiente Legal, 16/08/2020
Edição: Ana A. Alencar