Por Alexandre Machado*
Nos últimos anos o Brasil vem promovendo uma agenda positiva no setor de petróleo e gás natural, buscando estabelecer um ambiente favorável à atração de investimentos. Para tanto, várias medidas vêm sendo tomadas, como a execução do calendário plurianual de leilões de blocos exploratórios, a revisão das cláusulas de conteúdo local e a oferta permanente entre outras (EPE, 2020).
Utilizando como base o Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2020), além de dados da própria Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as projeções de produção de petróleo para médio e longo prazo indicam a possibilidade de o Brasil manter-se como grande produtor de hidrocarbonetos com uma média aproximada de 5,5 milhões de barris de petróleo/dia e volumes de gás natural líquido em torno de 115 milhões de m3/dia por volta de 2030.
A tendência crescente das produções é influenciada pelas expectativas de produção no Pré-sal que atualmente contribui com cerca de 70% da produção nacional de P&G (2,586 MMboe/d) (ANP, 2020). Dessa forma, o potencial de atração de investimentos para a indústria petrolífera seria da ordem de R$ 2,5 trilhões nos próximos dez anos além da possibilidade de arrecadação pelo governo federal de cerca de R$1,8 trilhão em tributos e royalty ao longo de 30 anos, já considerando a contratação dos volumes excedentes dos campos da Cessão Onerosa.
Por outro lado, a Agência Internacional de Energia, publicou em seu último World Energy Outlook 2020, que a era de crescimento da demanda global por petróleo termina em dez anos, mas a forma da recuperação econômica ainda é uma incerteza, acredita-se que a demanda por petróleo se estabilize em 2030. Assim, pode ser observada a importância do setor para o Brasil, nesse caso específico, com seu tempo contado para expansão e desenvolvimento, justificando a recomendação para um melhor desenvolvimento da infraestrutura de transporte desse P&G, seja para o mercado interno ou externo, lembrando nesse caso, que o aumento de produção vem essencialmente do ambiente offshore (Pré-sal) (EPE, 2020).
Diante desse contexto, recentemente a ANP flexibilizou a regulação de granéis líquidos em portos, com a aprovação da Resolução nº 811, de 16 de março de 2020, que regulamenta a atividade de transporte a granel de petróleo, seus derivados, gás natural e biocombustíveis por meio aquaviário e as operações de transbordo entre embarcações, também conhecida como ship to ship (STS).
A nova portaria revogou a Portaria ANP nº 170 de 2002 e a Resolução ANP nº 39 de 2004, as quais cuidavam do assunto. Vale destacar que esse movimento não é algo novo, ele segue a Ação 14.1, da Agenda Regulatória de 2017-2018, inclusive com a Consulta e Audiência Pública nº 21/2017 e no 1/2019, quando a minuta sofreu alterações, agora incorporadas na nova resolução.
Dentre as diversas propostas e inovações trazidas pela nova resolução, duas delas merecem atenção, pois abrangem aspectos legais, econômicos, administrativos e operacionais. A primeira é talvez a mais polêmica, é a desobrigação das Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs), realizarem o transporte de petróleo e seus derivados, o que por sua vez, contribuirá com as empresas petroleiras, pois poderão contratar diretamente navios para suas cargas de exportação sem precisar da intermediação de Empresa Brasileiras de Navegação (EBN). A segunda, cuida dos aspectos das operações de transferência de carga entre navios (ship to ship – STS) realizadas em águas jurisdicionais brasileiras, muito em face da relevância que tais operações têm em virtude da escassez de terminais para importação de derivados e por conta do incremento das exportações de petróleo (UNCTAD, 2020).
É fato que investir em novos terminais é visto no setor de P&G como mais oneroso do que aproveitar estruturas existentes e adaptá-las para garantir maior fluidez dessas operações de transbordo. Nesse sentido, segundo a ANP (2020), a partir do aumento de produção na Bacia de Campos e de Santos, deixou de haver terminais suficientes para movimentar óleo e o ship to ship se tornou uma alternativa viável nessa logística.
Fazendo um breve adendo, entende-se por ship to ship a transferência de petróleo e seus derivados, gases liquefeitos e químicos, como carga, entre dois navios amarrados, um a contrabordo do outro, podendo ocorrer em mar aberto (fundeados ou em movimento) ou em áreas portuárias (atracados ou fundeados). Tal procedimento é padronizado pela Norma da Autoridade Marítima nº8/DPC, que trata do Tráfego e Permanência de Embarcações em Águas Jurisdicionais Brasileiras, de 2013 e revisada em 2019, em seu capítulo 6, contudo, por se tratar de uma atividade de risco ambiental, requer autorizações, pontos pré-determinados e licenças.
Assim, nota-se que a resolução, de certa forma, se alinha ao plano nacional de energia 2050, impulsionando e contribuindo para uma rápida resposta o mercado de P&G, seja em investimentos internos e/ou externos, acomodando-se a um cenário energético favorável, pelo menos até 2030, mesmo não sendo a melhor escolha ambiental, o movimento exploratório segue como grande paradoxo.
Por outro lado, temos as EBNs pleiteando essa fatia do mercado, alegando perdas incalculáveis para o setor. Sem contar, que o ship to ship compete diretamente com as instalações portuárias, sendo recentemente discutido em audiência pública para a revisão da Portaria ANP nº 251/2000, que trata da regulamentação do acesso não discriminatório, por terceiros interessados, aos terminais aquaviários para movimentação de petróleo, seus derivados e de biocombustíveis.
Diante do exposto, caberá uma análise fria e aprofundada comparando ganhos reais ao Brasil, através de um mecanismo que permita a realização dessas operações e contratações, de forma equilibrada, tornando-o competitivo, porém garanta o comprometimento do desenvolvimento de todos os setores envolvidos.
*Alexandre Machado é Doutor em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, possui Especialização em Direito do Petróleo e Gás e Didática do Ensino Superior, professor de Terminais Offshore, Transporte Marítimo e Comércio Exterior e Logística na Faculdade Estadual de Tecnologia da Baixada Santista (FATEC Rubens Lara/SP).
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 23/11/2020
Edição: Ana A. Alencar