O Estatuto da Família foi aprovado nos moldes do conservadorismo.
Que conclusões tirar deste fato?
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O Projeto de Lei do Estatuto da Família (Projeto de Lei 6583/13) foi aprovado por 17 votos favoráveis e cinco contrários na Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
O texto do relator, deputado Diego Garcia (PHS-PR), define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher.
Constituição explicita claramente o conceito de família no artigo 226. Foi neste dispositivo que os parlamentares encontraram a lacuna para criar uma lei que assegurasse direitos como o do atendimento garantido em saúde.
“A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconheceu um dado que é da natureza. Porque o afeto não é critério constitutivo de família. As pessoas que quiserem ter o afeto que tenham, e o Estado vai garantir isso. Daí a transformar em entidade estável, que garante a procriação e a formação de pessoas, é outra conversa. Não estamos querendo impor nada, pelo contrário. Nós humildemente estamos reconhecendo o que a natureza prescreve”, argumentou o deputado Evandro Gussi (PV-SP), que, apesar de “verde”, votou com os conservadores.
“Quanto mais essa comissão caminha, mas tenho convicção de que está sendo tramado um golpe no país. Temos que ter liberdade nas nossas relações. Que lógica é essa que impede a relação de um com o outro. Esse estatuto nasce morto. Será barrado no STF”, disse a Deputada Erika Kokay (PT-DF), que várias vezes lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu favoravelmente à união civil homoafetiva.
Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República junto ao STF, o relator do processo, Ministro Ayres Britto declarou que nenhum dos dispositivos da Constituição Federal – que tratam da família, proíbiam formação do ente familiar a partir de uma relação homoafetiva. Segundo o Supremo Tribunal Federal, diferentemente da Constituição de 1967 – que previa a família constituída somente pelo casamento, a Carta de 1988 evoluiu para dar ênfase à instituição da família, independentemente da preferência sexual de seus integrantes.
“A preferência sexual é um autêntico bem da humanidade”, disse o relator Ayres Britto, completando que o artigo 1.723 do Código Civil deve ser interpretado conforme a Constituição, excluindo “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’”.
No entanto, segundo os deputados conservadores – vitoriosos na votação do PL na Comissão Especial, a entidade familiar é “algo assemelhado a família”, não é, portanto, a própria família – explicitada no próprio art. 226 da Constituição Federal.
Assim, nem a norma constitucional, nem o entendimento do STF impediriam que o conceito de família fosse definido claramente pela Lei. Isso não interfere nas demais conformações afetivas, pretendidas para obtenção de reconhecimento nos moldes da Constituição.
Esse raciocínio vencedor até aqui, no bojo do processo legislativo, foi capitaneado pelo Deputado Marco Feliciano – liderança inconteste da bancada evangélica e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, cuja habilidade política típica de um bom pastor é sistematicamente ignorada pelos radicais liberticidas, sempre com resultados funestos para as pretensões destes últimos.
Aprovado na Comissão, o projeto segue para o Senado Federal, a menos que se admita o recurso dos deputados desfavoráveis ao projeto – sendo, então, o PL, submetido ao plenário da Câmara – cujo destino não deverá ser diferente da aprovação obtida na Comissão Especial…
Poderia ser diferente? Sim, poderia. Mas para tanto seria necessário rever determinados comportamentos históricos ostensivamente impostos por quadros liberticidas, nas últimas legislaturas. O fato é que as bancadas esquerdistas insistem em não enxergar a diversidade de opiniões sobre o assunto. Não respeitam preceitos religiosos que formam e colorem a sociedade brasileira.
A arrogância faz com que determinados políticos só enxerguem a realidade por meio de uma lente de arco-iris. Muitas vezes, no entanto, a realidade é monocromática.
Certa militância precisa entender que não se impõe conceitos e idéias fazendo uso da vitimização sistemática da sua própria condição ou da condição alheia. Muito menos deveria pretender criminalizar o ato de discordar a respeito disso, como forma de impor arbitrariamente mudanças no comportamento moral, cultural ou religioso da sociedade.
Por óbvio, a reação não tardea, como não tardou a ocorrer. Nesse embate, a razão democrática falou mais alto e o quadro de representação parlamentar se traduziu numa postura consentânea com a soberania popular – simples assim.
Conclusões importantes a tirar do fato:
1 – Subestimar a determinação, o preparo intelectual e a capacidade de articulação do Deputado Marco Feliciano e seus colegas de bancada, além de demonstrar preconceito, politicamente é pecado mortal;
2- Todo militante de causas liberais ou libertárias precisa, antes de qualquer coisa, compreender os interesses religiosos da sociedade, também defendidos no parlamento – seja no Brasil, seja em qualquer democracia no mundo;
3- Se há culpa a ser atribuída – por conta do resgate do Estatuto da Família pela bancada conservadora – esta deve ser dirigida ao Governo Federal – teve condições e tempo para mobilizar sua bancada e, simplesmente não o fez;
4- INTERESSES DIFUSOS são intrinsecamente conflituosos – jamais haverá consenso entre eles. Portanto, nem sempre o estado agirá como parcela da sociedade quer;
5- Na democracia, as leis podem (e muitas vezes devem) mudar…
6- A vida sempre segue. Assim, o sentido de família seguirá compreendido nos entes familiares e assemelhados, abrangidos pela constituição e admitidos pelo amor, carinho e compreensão. Isso, não se exprime no papel…
Matéria originalmente publicada em The Eagle View
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.