Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Para quem não entende o porquê do Rio estar no atoleiro em que se encontra, basta ver a imagem posta acima. Ela retrata a atitude de desrespeito a um membro das Forças Armadas, que se encontrava em serviço de garantia da Lei e da Ordem numa favela carioca.
A imagem é atemporal. Vale para ontem e vale para hoje.
Não se trata apenas da corrupção, da violência urbana, do tráfico de drogas.
Trata-se da lassidão moral de todos os personagens que compõem a paisagem carioca. Trata-se da desconexão ética, social e familiar de gerações de tolos e levianos, criados na cultura do hedonismo. Do descaso para com o semelhante atulhado nas favelas e o contrastante abismo social. Trata-se da estética da malandragem e do ódio militante contra o trabalho, a humildade e a honestidade.
A crítica não faz qualquer diferenciação social. Vale para o celerado “pé rapado” da foto, vale para o playboy endinheirado do Posto 9 – que costuma fazer o mesmo gesto para a mesma autoridade. Vale também para o bombadinho do condomínio da barra, “miliciano de coração”, que destrói a farda da polícia achando bonito reverenciar milícia. Afinal, essa estética da malandragem está disseminada em todas as classes sociais no Rio. E essa estética não discrimina.
O cenário miserável é ironicamente produzido pelo dinheiro fácil, a moeda corrente no ambiente moralmente degradado.
O dinheiro fácil alimenta o crime – o tráfico de drogas, a exploração de menores, a prostituição, o roubo e a extorsão, o suborno e o “arrego”, os gatos apropriados pelos donos dos territórios, a corrupção endêmica na burocracia, as “rachadinhas” e subcontratações parlamentares, as falcatruas financeiras, os “esquemas” e “penduricalhos” do funcionalismo nababesco e corrupto, os arranjos financeiros que contribuem para uma das maiores concentrações de renda e socialização da miséria em zona urbana do mundo.
O dinheiro vem fácil… e facilmente se esvai. Esse ir e vir rega a pobreza e a mediocridade, destrói a dignidade obtida pelo trabalho, elimina o mérito, massacra pais e mães de família e desmoraliza a estrutura familiar; degrada a moral e pavimenta a miséria cultural. Essa moeda corrente da perversão moral inverte valores. Surge tão rápido quanto desaparece, deixando rastro de sangue, miséria e cinismo.
O cinismo é a regra na sociedade carioca e o preço dessa escolha está aí, no gesto e nas expressões contidas na imagem da foto.
A imagem reflete a certeza da impunidade e o trabalho inútil das forças de segurança que “enxugam gelo” em “territórios liberados” pelo tráfico, ou conquistados pela milícia – não raro com salvo conduto de um Judiciário desprovido de compromisso e pleno de hipocrisia.
Mas não é mais um problema regional. Esse cancro já ganhou escala nacional.
A podridão é retroalimentada pela criminalidade em simbiose com uma larga cepa de agentes culturais ideologicamente contaminados, que replicam o modelo fétido Brasil afora, por meio da radiodifusão, da arte, da educação e da política.
Expressa a apologia da marginalidade, acobertada pela vitimização patrocinada por uma imprensa ignorante e abertamente hipócrita.
Há razões históricas, antropológicas, e sociais que explicam a escolha dos celerados, a opção pelos criminosos. Aliás, todos os malefícios decorrem dessas escolhas.
Há hipócritas que justificam as escolhas vitimizando os celerados. Há também hipócritas que justificam a violência indiscriminada contra comunidades miseráveis, para justificar a caça aos celerados. Aliás, há toda uma imensa burocracia que incentiva toda essa hipocrisia a partir do Poder Público. Essas escolhas terminam desmotivando o civismo, ridicularizando o patriotismo e substituindo a educação pela cultura torta das incorreções “politicamente corretas”.
O povo brasileiro, em sua imensa, mansa e tristemente pacífica maioria, não escolheu o atoleiro moral. Porém, vota e contribui para a manutenção dos cartórios que legitimam a podridão. Contribui para o atoleiro por não ter alternativas na conjuntura.
A sociedade reclama, mas pouco faz para alterar a conjuntura. Todos nós estamos incluídos nessa omissão.
Em verdade, a questão sempre foi, é e será conjuntural. Vivemos uma espiral viciosa em direção à entropia – inefável e carregada de “ismos” salvacionistas.
É a hegemonia dos “bananas assassinos” sobre a cidadania no Brasil. Bananas porque se encolhem ante a podridão que deviam erradicar e, no entanto, alimentam. Assassinos porque nesse campo, a hipocrisia mata.
Não há outra saída. Só haverá algum conserto se o aprendizado ocorrer pela dor… pelo sangue e pelo resgate da Justiça.
Texto originalmente publicado em https://www.theeagleview.com.br/
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: Observatório da Justiça Militar
Publicação Ambiente Legal, 07/05/2021
Edição: Ana A. Alencar
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