Durabilidade e escala caracterizam o luxo. Entretanto, é possível conferir durabilidade à industria de bens de consumo como um todo…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Temos uma tendência de criticar o luxo, vinculá-lo com a ostentação e o desperdício.
Pouco se fala, entretanto, das características sustentáveis de várias marcas e produtos luxuosos cujo design e durabilidade constituem exemplo histórico de correção ecológica. Canetas duráveis e que utilizam refis, relógios resistentes, roupas clássicas e úteis para toda a vida…são alguns exemplos da sustentabilidade de vários produtos tradicionalmente luxuosos.
Não se trata aqui de referendar grifes como melhores opções de consumo. Trata-se de valorizar princípios utilizados na criação de produtos consagrados que aliaram luxo ao conceito de desenvolvimento sustentável, muito antes do próprio conceito de sustentabilidade virar moda…
Luxo é durabilidade
De fato, há uma gama de produtos cobiçados pelo status que conferem ao consumidor, que de há muito seguem a definição clássica enunciada no Relatório Brutland, de 1987 para desenvolvimento sustentável: aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades.
Longe da cultura do descartável – que inutiliza a cada segundo milhões de produtos – parte considerável dos produtos tradicionalmente luxuosos tem como princípios a durabilidade, a resistência e a não efemeridade. Características que sempre atraíram e vêm atraindo cada vez mais consumidores pelo mundo.
O consumo do luxo guarda relações interessantes. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (EAE), no Brasil, 70% deste segmento de mercado está concentrado em São Paulo, sendo que 50% dessa parcela representa moda e acessórios.
De acordo com um estudo sobre o mercado de luxo realizado pela consultoria SPC Brasil, 82% dos consumidores levam em consideração a marca antes de comprar. Já uma pesquisa realizada pela consultoria PwC revelou que pessoas de diversas classes sociais passaram a dar maior importância para acessórios de luxo, visto que o número de consumidores que pretende adquirir um produto deste segmento cresceu 4%, mesmo após a crise econômica em 2014.
Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito – SPC Brasil, para os consumidores pertencentes à “classe A”, luxo tem a ver com “qualidade muito acima dos demais”, algo que confere “status ao usuário”.
Produtos mais duráveis, obviamente, poluem menos. O luxo reduz o descarte e, portanto, a geração de resíduos pós-consumo. Por outro lado, produtos luxuosos possuem escala de produção reduzida, por óbvias razões. Sendo que a durabilidade é apenas uma delas…
Exemplos não faltam
Criada no início do século passado, na Alemanha – a caneta Montblanc (nome associado ao pico mais alto da Europa) é sinônimo de qualidade, tradição e durabilidade. A caneta pode ser utilizada anos a fio, bastando realimentar a tinta ou, no máximo, renovar o pequeno refil.
Descartar uma Montblanc? Impensável!
Não é diferente, também, com o estrato mais luxuoso das tradicionais canetas Parker.
Outro exemplo é a marca Armani. Não é exagero afirmar que a qualidade dos tecidos aliada ao estilo clássico das formas permite que uma roupa da grife possa ser utilizada por anos – porque não dizer até décadas, sem perder sua qualidade. Há casos de peças Armani que seguem sucessão familiar…
Aliás, a sucessão de proprietários de um mesmo bem de luxo, revela o reúso potencial como outra característica sustentável – típico da chamada economia circular.
Desde 2007, quando a Ford vendeu a marca à indiana Tata Motors, a Jaguar passou a estar intimamente ligada à sua irmã de origem britânica dos utilitários, formando a Jaguar Land Rover – JLR.
A JLR se expandiu para a Índia. No entanto não perdeu o brilho, o luxo e a durabilidade. Falar de Jaguar é saber que um SS Jaguar, dos anos 30, um XK dos anos 40 ou um E-Type dos anos 60 continuam rodando com a mesma qualidade e… com valor cada vez maior…
Contra o descarte, a socialização da durabilidade
Segundo estudo feito pela consultoria de geomarketing Escopo, no Brasil, cerca de 58,5 mil pessoas consomem produtos de alto luxo. Neste mesmo estudo, constatou-se que pelo menos 77% das pessoas dos consumidores deste mercado fazem parte dele por considerar os produtos “mais duráveis”.
É certo que a escala determina a necessidade de contabilizar os altos custos da fabricação de produtos luxuosos. As reduzidas edições dos produtos de luxo, no entanto, é que constituem o grande diferencial nessa escala.
A incrível pirâmide social brasileira, que destaca poucas dezenas de milhares de consumidores do luxo, em duas centenas de milhões de habitantes, revela também que a cultura do descarte guarda relação direta com a popularização da base de consumo.
Vale dizer: “descartável” é característica de bens de consumo popular.
Porém, a relação percebida não é determinante. A durabilidade, embora associada, é possível de ver-se aplicada a outros seguimentos.
O padrão de durabilidade observado na fabricação de vários produtos de grife, pode ser estendido à indústria de bens de consumo como um todo, tornando-a mais consciente e responsável.
A questão afeta a própria filosofia da indústria e resgata a durabilidade como padrão de qualidade e critério de sustentabilidade ambiental.
A chave está na responsabilidade
Para que esse resgate seja possível, é necessário descartar o marketing verde e assumir a responsabilidade socio-ambiental.
O princípio do poluidor-pagador – razão econômica do desenvolvimento sustentável, implica na responsabilidade pós-consumo do fabricante – o que implica, antes da logística reversa, na redução do descarte por meio da melhora contínua da durabilidade.
O Poder Público vem legislando no sentido de obrigar os fabricantes a internalizar cada vez mais o custo ambiental dos produtos, envolvendo a responsabilidade pós-consumo. Por conta disso, o ecodesign deixou de ser “termo de grife” para envolver o ciclo de vida do produto, o balanço de massa e o combate às obsolescências induzida e programada.
A adoção do consumo sustentável como objetivo cultural permanente envolve a reedução do mercado consumidor. É necessário que os consumidores avaliem a relação custo-benefício dos produtos para além do luxo.
O mercado agradece, a natureza também.
Pesquisa SPC:
https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/mercado_de_luxo_analise1.pdf
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Conselheiro da UBAA – União Brasileira da Advocacia Ambiental, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
A comprovação da durabilidade regulamentada dos catalisadores brasileiros de motocicletas é de 18 mil km enquanto um escapamento original de qualidade mediana (ao qual ele está integrado), dura 60 a 80 mil km. Isso serve no final das contas, apenas para reduzir um pouquinho (30 US$) o custo da motocicleta.o mesmo ocorre com os automóveis,cuja durabilidade é de 80 mil no Brasil, enquanto fora do Brasil é de 160 mil. Em suma, pratica-se a baixa qualidade sem nenhum critério de avaliação da consequência ambiental dessa pseudo-economia.