STF torturou sem pudor a língua pátria, para reinterpretar a Constituição
Por Sérgio Etchegoyen*
De 1961 a 1963, estudei no colégio Anchieta de Porto Alegre. Foram dois anos no velho prédio da rua Duque de Caxias, ao lado do Museu Julio de Castilhos, e um ano no Anchieta Novo, as modernas instalações recém inauguradas na avenida Nilo Peçanha.
Era uma construção imponente, novinha, com um enorme mosaico do Padre Anchieta na entrada. O ônibus nos deixava na Carlos Gomes e descíamos a pé a rua de terra, ou de barro quando chovia.
Nas calças curtas (hoje chamadas de bermudas) dos meus 11 anos, nunca atinei que integrava o grupo pioneiro dos primeiros alunos a frequentar a sede que representava o grande salto na evolução daquele tradicional estabelecimento de ensino.
Se não entendi o significado daquela experiência, guardei para o resto da vida os ensinamentos do Irmão Lino, o professor mais marcante que tive, cujas lições, não tenho dúvida em afirmar, foram as mais duradouras que colhi ao longo de minha vida de estudante.
Seu método peculiaríssimo de ministrar as matérias português e matemática fizeram dele o único professor que me ensinou para a vida toda. A aprovação no concurso para o Colégio Militar, onde estudei os sete anos seguintes, veio sem sobressaltos, tão bem preparado tinha sido por aquele inesquecível religioso.
Pois o saudoso Irmão Lino ocupou intensamente minhas lembranças desde o fim da semana passada ao ver alguns ministros da nossa Suprema Corte torturarem a gramática portuguesa para sustentar uma interpretação da Carta Magna, carregada de inacreditável descompromisso com a defesa da Constituição Federal, para, sabe-se lá porque, permitir a reeleição para mandato subsequente dos presidentes das duas casas do Congresso, na mesma legislatura, fato proibido em texto de clareza incontestável, sem margem a interpretações.
Minha memória me levou de volta à sala de aula e me fez lembrar o meu sábio professor: “sim, não, proibido, permitido, sempre, nunca, são o que são, palavras nuas, sem enfeites, nada esconde seus significados, não percam tempo em interpretá-las, elas são definitivas; dediquem suas dúvidas a expressões como talvez, mas, quente, frio, pouco, muito, longe, perto, bonito, feio, essas sim escondem um mundo de possibilidades, são moldáveis, suscetíveis às influências do tempo, do local, da perspectivas, das circunstâncias e de muitos outros fatores.”
O que sobra nesse triste episódio, é a dolorosa constatação de que dentre nossos ministros da Corte Constitucional, existem alguns que não coram ao investir despudoradamente contra a Lei Maior que lhes toca defender.
A vitória da gramática trouxe alívio, mas não consegue esconder os riscos a que estamos submetidos com o STF transformado em desconcertante fonte de insegurança jurídica, pela ação militante de alguns de seus membros.
Parte do sistema judiciário está gravemente doente, esperemos que a porção sadia tenha a coragem de salvá-lo.
*Sérgio Westphalen Etchegoyen é General de Exército da Reserva do Exército Brasileiro. Foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI, da Presidência da República do Brasil no Governo Michel Temer. Foi oficial do Estado-Maior da Missão das Nações Unidas em El Salvador e chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington – Estados Unidos. Comandou a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e chefiou o Núcleo de Implantação da Estratégia Nacional de Defesa. Comandou a 3ª Divisão de Exército, foi Chefe do Departamento-Geral do Pessoal e Chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 14/12/2020
Edição: Ana A. Alencar