De crise em crise o coração da nação pulsa entre aberturas democráticas e fechamentos institucionais
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“Não interrompa uma pessoa que lhe conta algo que você já sabe.
Uma história nunca é contada duas vezes da mesma maneira
e é sempre bom ter mais uma versão”.
Golbery do Couto e Silva
A volta do pêndulo
O pêndulo das liberdades democráticas no Brasil parece ter chegado no seu ponto de inflexão. As sucessivas crises institucionais, o esgotamento do modelo constitucional, a profunda crise de liderança e a perda de qualidade dos quadros à testa dos poderes da República apresenta um quadro de descontrole que ameaça a Ordem Econômica e Social, a Ordem Pública, a Administração do Estado, a propriedade e a segurança do cidadão.
Elementos essenciais para a composição do tecido social, como a família, a segurança jurídica e a moralidade, passaram a ser vergastados por programas emanados da própria estrutura jusburocrática inoculada nos três poderes.
À crise política, soma-se a depressão econômica.
As raízes estruturais dessa deseconomia sistêmica afetam diretamente o Estado e, embora já diagnosticadas, não encontram respaldo governamental, legislativo e judicial, para um efetivo combate. Pelo contário, as reformas necessárias encontram forte resistência na própria base do governo.
No campo fiscal, a pesada jusburocracia de Estado compromete o Tesouro e avança sobre os depósitos e poupança popular ampliando a dívida pública e comprometendo a previdência. Literalmente, dezenas de milhões de trabalhadores do setor privado, hoje, pagam uma previdência pública para sustentar algumas centenas de milhares de funcionários privilegiados, enquanto se vêem obrigados a recorrer, cada vez mais, a uma previdência privada. A previdência tornou-se um programa de transferência de renda dos pobres para os privilegiados no Brasil.
Surge o paradoxo: o Estado devora a própria sociedade que o compõe, e a estrutura política que sustenta a ambos está à beira do colapso.
O corpo social, no limite da tolerância, pode estar prestes a reagir, e a correção de rumos irá demandar centralização e eventual reforma autoritária – a volta do pêndulo.
Como nas vezes anteriores, o problema pode não estar na assunção de um período de centralização e, sim, nos “guardas da esquina”, que dele se aproveitam.
Sístoles e Diástoles no coração da República
Já vimos isso antes, várias vezes, no Brasil. Alberto Torres e Oliveira Viana também já haviam diagnosticado esse pêndulo – sistematizado pelo General Golbery do Couto e Silva como entendimento da política de Estado no contexto cronológico e geopolítico.
Golbery, resumiu toda a ópera: a história política do Brasil é pendular, oscila entre a centralização e a descentralização, entre regimes autoritários e democráticos.
Em 1º de julho de 1980, o General Golbery proferiu longa conferência na ESG – Escola Superior de Guerra, abordando a centralização e a descentralização da administração.
Golbery situou a centralização como a opção indisfarçável dos regimes arbitrários e a descentralização como o modelo mais compatível com os sistemas democráticos(*1). Remeteu a centralização adotada pela intervenção militar de março de 1964, aos fatores de crise que interferiram na consolidação da autoridade do Poder Central. Justificou a conservação do modelo por um período além do desejável, relacionando dentre os fatores de instabilidade o aparecimento imprevisto dos surtos terroristas. Defendeu então o pluralismo partidário, como modelo mais flexível para governos negociarem saídas nos momentos de crise.
O movimento cardíaco da sístole (contração) e diástole (dilatação) foi a metáfora encontrada pelo gênio estratégico de Golbery para contextualizar o período de abertura política, então em curso no histórico processo pendular brasileiro.
Nessa ocasião, a abertura política estava em plena marcha de consolidação, visando encerrar a “sístole” – o chamado “período de exceção”, iniciado em 1964.
Iniciada no governo Geisel e cumprida à risca pelo sucessor João Figueiredo, a abertura política seguiu “firme e gradual”, apesar dos solavancos ocorridos – dentre eles o frustrado atentado à bomba no Riocentro (fato que levou à saída de Golbery da chefia da Casa Civil), as manifestações populares e a decretação das medidas de emergência no Distrito Federal, para a votação da Emenda Constitucional pelas eleições diretas.
Com a eleição de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional, o General João Figueiredo terminou seu mandato, completando a transição para a Nova República.
Como ensina Sir Basil Liddell Hart, o melhor exército se conhece “nas derrotas”, principalmente quando se retira do teatro de operações. No caso brasileiro, os militares desmobilizaram seu aparato de intervenção e se retiraram da política, de forma organizada e sem conflitos, seguindo os preceitos reeducadores propugnados por Golbery e conferindo, com sucesso, suporte à transição para a Nova República.
Golbery foi o cérebro por trás de todo esse processo. Observou a necessidade de ver a estratégia para além do contexto militar. Aduziu que “a estratégia deixa de ser apenas a arte dos generais, é também estratégia econômica, estratégia política, estratégia psicossocial […]”, e no que se refere à segurança nacional, considerou que “a estratégia é a Política de Segurança Nacional”, e ainda, “é o grau relativo de garantia que o Estado proporciona à coletividade nacional, para a consecução e salvaguarda de seus Objetivos […]”(*2).
Em verdade, a visão conceitual de Golbery já alcançava o caráter híbrido inserido nos “conflitos assimétricos” (*3), atualmente ocorrentes no mundo .
Como meio de resolução da crise em direção a um Estado pluralista, propôs Golbey, na célebre conferência da ESG, as seguintes medidas reeducadoras de convivência democrática:
a) evitar pronunciamentos de militares que indiquem sintomas de enfraquecimento do governo;
b) procurar legitimar nos conflitos sindicais, soluções negociadas que evitem as situações de confronto;
c) desconhecer entidades estudantis não legalmente reconhecidas e desconfiar sempre do sentido de movimentos que aliem professores e alunos; e
d) reprimir por meios legais manifestações consideradas impróprias que ocorram contra o governo, tanto no meio parlamentar quanto por parte dos órgãos de comunicação.
Sábias lições, aprendidas na transição para a “Nova República”, porém não aplicadas pelos novos quadros dirigentes republicanos…
Brossard, a ação pendular e a baixa qualidade dos quadros republicanos
De fato
Se com o advento da “Nova República”, consolidada com a Constituição de 1988, iniciou-se a “diástole” democrática, entremeada por crises em volume crescente, agora parece crer que o pêndulo esteja se movendo na trajetória inversa…
Não é difícil perceber a harmonização do movimento com o contexto geopolítico mundial.
O Brasil segue o movimento pendular que hoje já ocorre em escala global, consolidando posições das grandes potências face à assimetria dos conflitos em curso no globo. Da China aos Estados Unidos, passando por Rússia, Alemanha e o resto da Europa, o pêndulo oscila em direção ao pulso firme.
Essa harmonização também se deve à perda de qualidade e substância das lideranças. Me lembro, a propósito, de uma célebre palestra do Senador Paulo Brossard, que pude assistir pessoalmente no Hotel Macksoud, em São Paulo, no final dos anos 80.
Em pleno período de implementação da “Constituição Cidadã”, Brossard já previa o desastre a médio e longo prazo, ao lado de um incrédulo e como sempre ensimesmado FHC.
Brossard convalidava a análise de Golbery quanto às sístoles e diástoles. Porém, afirmava que as crises ocorriam por conta de estarmos sofrendo uma perda contínua de qualidade, de preparo intelectual e capacidade de governança nos quadros da política brasileira. Senão vejamos:
As crises nas repúblicas da República
1ª República:
A República de 1889 surgiu da união dos novos e brilhantes bacharéis com o velhos e experientes generais do Exército imperial, sob o patrocínio do ascendente capital cafeeiro e industrial.
Articulados com o que havia de mais atual na modernidade europeia, os novos bacharéis republicanos estavam empenhados em buscar uma identidade nacional e implementar os princípios basilares do Capitalismo – gerado no Brasil somente a partir da lei de 1850 (que instituiu a propriedade privada). O país, de fato, acabava de receber suas primeiras ondas de imigrantes e abolir o regime de escravidão.
Os entusiasmados bacharéis – nata da aristocracia cafeeira, capitaneados por Prudente de Morais e orientados por juristas do escol de Ruy Barbosa, uniram seu capital ao exército – formado por velhos e experientes oficiais (temperados pela Guerra do Paraguai e pelas revoltas regionais), assumiram o aparelho de Estado imperial sem encontrar resistência e simplesmente “demitiram” a família real, que tomou o rumo do exílio.
A República de 1889 representou uma grande diástole. Estruturada com a Constituição de 1891, conferiu autonomia aos estados da federação e liberdade partidária. Estabeleceu eleições diretas para a Câmara e o Senado e a escolha do Presidente (embora soldados, religiosos, analfabetos e mulheres ainda não votassem).
A queda de qualidade no estamento político não tardou a ocorrer.
Ao par do suporte da economia privada, o coronelismo reinante na política desde os tempos imperiais promoveu a gradual substituição das águias da república pelos falcões dos interesses paroquiais e destes pelos corvos e urubus da burocracia partidária. A degradação ocasionou o “triunfo das nulidades”, denunciado por Ruy Barbosa em seu célebre discurso na formatura da turma de 1922, na Faculdade de Direito de São Paulo.
As eleições “a bico de pena” não resistiram à crise tenentista de 1922, à revolução paulista de 1924, à Coluna Prestes de 1927 e à crise econômica mundial de 1929. Tudo ruiu com a Revolução de 1930, impulsionando o pêndulo na direção do centralismo e o coração da república no impulso da sístole.
2ª República e Estado Novo:
Getúlio assumiu o poder pela força, sob os escombros da República Velha, anunciando uma nova democracia. Porém, adotou um regime de intervenção.
Após a revolução sangrenta de 1932 em São Paulo, a constituição caótica e corporativista de 1934 e a covarde intentona comunista de 1935, cumpriu ao caudilho gaúcho provocar o golpe do Estado Novo, em 1937, instalando uma ditadura em moldes fascistas no Brasil.
Por meio do regime ditatorial, Getúlio pôde conduzir a transformação da base econômica brasileira em direção à industrialização e urbanização – em especial com a instalação da indústria de base (siderurgia). Getúlio não estava sozinho, o movimento pendular seguia a inércia da política internacional, clamando por um Estado provedor, liderado por um poder executivo hegemônico.
Adveio a II Grande Guerra e, após ela, o modelo getulista restou fora do contexto.
3ª República:
Getúlio caiu. Porém, próceres e experientes políticos da República Velha ainda se encontravam vivos no cenário nacional, bem como a geração de ministros de primeira linha consolidados no período getulista.
Assim, a Constituinte liberal de 1946 contava com três ex-presidentes da República, líderes políticos importantes à direita e à esquerda, incluso os comunistas, e juristas de escol responsáveis pela construção do direito brasileiro. Esta talvez tenha sido a razão de se ter uma Constituição liberal e estruturante, que permitiu à Terceira República administrar as crises de governança transcorridas nos 18 anos seguintes.
No entanto, os quadros que formaram o arcabouço constitucional de 1946 não chegaram à metade da década de 1950. O Brasil perdeu seus líderes mais antigos por “decurso de prazo”. As novas lideranças, criadas no período da ditadura getulista e durante a guerra, carregaram para dentro do governo todos os vícios relacionados ao caudilhismo e à polarização ideológica da nascente guerra fria.
A transição foi complexa. Getúlio reassumiu democraticamente, propondo um projeto nacionalista em moldes populistas absolutamente desconforme com a ideia liberal projetada no regime constitucional. A disparidade de contextos impulsionou um mecanismo de paradoxos, como o discurso nacionalista do “o petróleo é nosso” e a sucessão de escândalos de corrupção do “mar de lama”.
O suicídio de Getúlio, seguido de revoltas militares localizadas, tentativas de golpe e sucessivas trocas de governo, encontraram um breve hiato de estabilidade no programa econômico e desenvolvimentista de JK – centrado em um projeto nacional e geopolítico, de modernização da infraestrutura nacional. Juscelino, por sua vez, demonstrou rara habilidade para contornar as crises militares e concentrar esforços na construção da nova Capital do Brasil.
Porém, o populismo retomara as rédeas da república. Sobrevieram a eleição e renúncia de Jânio Quadros, a crise militar da rede da legalidade montada por Brizola (para garantir a assunção do Vice, João Goulart), a introdução casuísta do regime parlamentarista, o plebiscito de 1963 – restaurando o regime presidencial, a explosão sindicalista e a crise de hierarquia nas Forças Armadas.
1964: O horizonte novamente se escurece
A crise se deveu, mais uma vez, à má qualidade das lideranças – inexperientes, sem vivência democrática, principalmente na formação intelectual.
Os novos quadros da terceira república abandonaram o Estado Novo getulista para singrar o mar do regime democrático dos anos 50, abrigados nos barcos furados das afirmações ideológicas totalitárias peronistas, nasseristas, stalinistas, castristas e no engajamento sem neutralidade de Foster Dulles, condicionados pelo pesadelo da Guerra Fria.
Assim, após reações populares de grandes proporções, nas ruas das principais capitais do país – algo que a mídia engajada insiste até hoje em ignorar, o estamento militar engrena a tomada do Poder pelo golpe de Estado – tal qual na primeira, segunda e terceira repúblicas – com ocupação militar e defenestramento dos quadros do regime anterior.
O golpe militar de 1964, como revelou Golbery e afirmava solenemente o Marechal Castelo Branco, era novamente uma “ação de transição”.
Porém, a edição do Ato Institucional nº1 demonstrou que o quadro militar não desocuparia o poder até “restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas”.
Claro estava a intenção de alterar as estruturas em vigor, como afirmava o preambulo do Ato Institucional (invenção normativa do mesmo autor do mecanismo dos Decretos do Estado Novo, Francisco Campos):
“A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe.”
Preocupados com a questão secular das sinecuras e benesses conferidas à elite do funcionalismo público, cientes que não procederiam à “limpeza” sem interferir no regime de privilégios, os militares não hesitaram em atacar o instituto da estabilidade funcional no próprio Ato Institucional nº1:
“Art. 7º – Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade.
§ 1º – Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do Pais, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos.
§ 2º – Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso, a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador do Estado, mediante proposta do Prefeito municipal.”
A Constituição de 1967, institucionalizou o regime militar. Manteve o bipartidarismo criado pelo Ato Adicional nº 2 e estabeleceu eleições indiretas para presidente da República.
Conflagrado o quadro pela reação esquerdista inspirada nas guerrilhas cubanófilas e nos atentados terroristas na europa, o sistema militar reagiu. Ampliou a “sístole” com a edição do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, seguido da Emenda Constitucional nº1, de 1969, que incorporou aquele, permitindo ao presidente da República cassar mandatos de parlamentares e magistrados, suspender os direitos políticos dos cidadãos, por congresso em recesso e legislar sobre matéria política, eleitoral, tributária e econômica.
O Executivo passou a substituir o Legislativo e o Judiciário, concedendo-lhes, em contrapartida, gordos salários e vantagens funcionais…
Foi o grande erro estratégico do governo militar.
O sistema de arbítrio permitiu o avanço do cancro da corrupção na estrutura policial e na baixa burocracia (os “guardinhas da esquina” preconizados por Pedro Aleixo). As benesses concedidas em troca da docilidade perante o poder gerou um estamento de jusburocratas e parlamentares viciado em privilégios e protegido pela estabilidade, que se tornariam os “guardiões” da Constituição de 1988.
Vale dizer, consolidou a secular casta de “marajás” com poder normativo e jurisdicional.
A Nova República e o fim da Constituição de 1988
Os militares cumpriram com um processo gradual de retirada das Forças Armadas do Cenário Político Nacional, deixando a administração do Estado para os quadros civis da “Nova República. Não o fizeram por coação e, sim, com planejamento, cientes do esgotamento iminente do seu sistema de governança.
No entanto, os quadros civis que assumiram a estrutura política do governo central foram os mesmos responsáveis pelo seu esfacelamento em 1964, com raras exceções.
O partido responsável pelo eixo de transformações que marcaram a nova república havia sido criado na reforma partidária introduzida pelo Ato Institucional nº2, com a junção de forças opositoras ao governo militar: o Movimento Democrático Brasileiro, hoje denominado PMDB.
O PMDB foi o início, o meio e o fim da Nova República.
Os partidos que o sucederam no Poder Central da República, PSDB e PT, tornaram-se, de uma forma ou outra, reféns do apoio peemedebista.
A “Constituição Cidadã”, de 1988 consolidou a maior de todas as diástoles políticas até então produzidas na história do Brasil. Porém, elevou criticamente a pressão do organismo nacional, que, agora, parece estar recolhido à UTI.
Dos oito chefes de Estado da Nova República, um morreu antes de sentar na cadeira presidencial, três assumiram na condição de vices no impedimento do titular, dois titulares sofreram impeachment, dois foram eleitos e reeleitos, cumprindo o mandato até o fim.
Uma grande reforma do Estado foi executada nos anos 90, com FHC. Uma ampla sucessão de programas sociais e projetos estruturantes foram implementados na primeira década do século XXI, com Lula. Três reformas econômicas resultaram em retumbantes desastres – com Sarney e seu Cruzado, Color e seu confisco da poupança e Dilma e sua política de dirigismos e pedaladas fiscais. Uma reforma econômica mudou a face do país, com Itamar Franco e seu Plano Real.
Temer encetou o seu programa “Ponte Para o Futuro”, iniciando um conjunto de reformas, procurando atrair investimentos e estancar a sangria fiscal provocada pelo governo Dilma.
Dilma saiu pela porta dos fundos, para entrar no rodapé da história.
Sob os escombros do lulopetismo, afogados no mar de lama e destruídos pela judicialização absoluta da política nacional, jazem os corpos da Nova República de 1985 e da Constituição de 1988.
O Lulopetismo, apeado do Poder, não saiu de cena. Permanece moribundo, sustentado por militantes sem rumo e colado ao fantasma do regime cuja Constituição, ironicamente, haviam os petistas recusado ratificar…
Os inimigos da República
A assimetria, reinante nos conflitos deste novo século, muitas vezes nubla a visão do analista mais atento ao cenário político. No entanto, é possível divisar no horizonte da república e nos seus órgãos intestinos, a chusma de inimigos que poderá enterrá-la mais cedo que parece, apressando a velocidade do pêndulo.
O inimigo interno, inoculado no próprio Estado, é justamente o guardião da zumbilândia normativa da Nova República: a jusburocracia instalada no Poder Judiciário e também aboletada nas carreiras jurídicas, existentes nos demais poderes da República.
Esse bolsão de benesses autoconcedidas, engordado no regime militar e perenizado pela Constituição de 1988 dá-se o direito de não apenas ditar normas como negar validade àquelas que não lhe convém.
Senhora dos organismos de controle, cuja proporção é de pelo menos três para cada unidade de execução na Administração Pública, a jusburocracia ganha méritos pela negatividade – quanto maior o número de “não aprovações”, maior será seu poder junto aos poderes. Nela reside a maior responsabilidade pela paralisia quase absoluta da máquina do Estado Nacional.
Nada mais é decidido, em todos os níveis de governo. Dos contratos aos concursos, passando pela aprovação de obras e serviços.
A batalha contra esse bolsão constitui um dos eixos justificadores da demanda por uma nova sístole republicana. A exemplo do Ato Institucional nº1, com certeza deverá merecer a suspensão de “direitos adquiridos”, “estabilidades” e outras tantas regalias.
Antes, porém, será preciso consertar e concertar o quadro político.
Par e passo com a falta de maiores perspectivas, além das reformas já postas na pauta do atual governo, o que se vê é um absoluto vazio.
Para “encerrar o expediente”, cerrar as portas e apagar a luz, restou outro inimigo, o PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro – o porteiro do dia e da noite de todos os arranjos de poder ocorridos no período da Nova República.
Passadas as tentativas de golpe institucional patrocinadas pela “República dos Delatores” e a chefia da procuradoria da república, o governo de transição peemedebista, no entanto, presencia um quadro de absoluta falta de alternativas para sua própria sucessão.
Mergulhado no fisiologismo, sem o qual não consegue empurrar uma máquina que nada mais decide em prol do país, o governo central peemedebista, ocupa-se apenas em corrigir o quadro fiscal e encetar as reformas estruturais necessárias para manter vivo o estado de coisas. No resto, vários de seus quadros continuam a praticar o bom e velho fisiologismo, como se o enorme fluxo de operações de rescaldo e combate à corrupção não abalasse a carreira de “acertos” de vários dirigentes ativos – um comportamento próximo de um fenômeno digno de pesquisa acadêmica criminológica.
Outro grande inimigo da República é a falta de novos (e mesmo velhos) talentos. Não há líderes disponíveis para a sucessão do Presidente. Não há programas definidos, apontando saídas concretas para a crise – a não ser o plano de reformas já proposto pelo governo.
Há partidos sem legitimidade e candidatos sem discurso. Os falastrões que aparecem apresentam fórmulas idênticas aos velhos ternos surrados – daqueles que saem do guarda-roupa sozinhos, em direção aos lugares habituais, sem mesmo vestirem os donos.
Almofadinhas xexelentos patrocinados por uma mídia idiotizada, tentam ensaiar uma sucessão da “República dos Militontos” para uma “República dos Mauricinhos”. Por outro lado, a simbiose entre Lula e Bolsonaro promete prorrogar a vida dos dois em prejuízo da necessária comunhão nacional. O fato só demonstra o tamanho do vazio na garrafinha esquerdista nacional.
Outro grande inimigo da República, à esquerda, hoje, é o PSDB. Este partido formado por ególatras autocentrados ensaia passos conservadores enquanto subscreve manifestos esquerdizóides que até um petista aprovaria… Ensaia verdadeiros “passos de Janio Quadros”, como na famosa foto de Emo Schneider para o Jornal do Brasil, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 1962.
Os tucanos, quando o ego deixa, apresentam-se como próceres da segurança jurídica, quando, na verdade, poderão disparar os mais sérios conflitos institucionais na República. A “esfinge” Geraldo Alckmin representa o tucanato menos tucano de toda a história do partido. O candidato parece, mais uma vez, querer “cair por gravidade” na cadeira presidencial, na ausência de opções do eleitorado nacional.
Já os petistas e seus satélites, hoje, não representam “ameaça política” e, sim, criminológica. Todos deveriam ser recolhidos à prisão.
Na falta de quadros, inteligência e propostas, sobra a ameaça do populismo. A grande praga parece querer produzir as catarses necessárias para legitimar-se, de novo, no poder.
Já disse uma vez que “da queda em desgraça sem qualquer glória do ‘Socialismo do Século XXI’ europeu e latino-americano, á ascensão da neo-direita nacionalista e xenofóbica franco-anglo-americana, passando pelo populismo muçulmano turco-iraniano, o mundo tem acumulado sucessões de experiências negativas de ordem populista, mas parece disposto a continuar involuindo politicamente até o momento em que o somatório desses experimentos disparar o gatilho de um novo conflito mundial…” (*4).
A sinalização disso não é boa, no mundo e no Brasil. Nuvens negras aparecem no horizonte, praticamente sem relevo…
Olhando o Brasil atual, a situação parece mesmo favorável à sístole política.
A alternativa, no entanto, pode ser a adoção de roteiro comportamental similar ao apresentado por Golbery na ESG, em 1981, acima já exposto, adaptado para a dimensão assimétrica dos conflitos atuais.
De uma forma ou de outra, o estamento militar deve estar preparado para a mobilização.
Importante, no entanto, desta vez, saber controlar “os guardas da esquina”…
Notas:
*1 in FGV-CPDOC, http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/silva-golberi-do-couto-e, visto em 28/11/2017
*2 Silva, Golbery do Couto e: “Geopolítica do Brasil”, ed.Bibliex, 1967, pg. pg. 144-145, pg.155
*3 Pedro, Antonio Fernando Pinheiro: “Neoparamilitarismo, Conflitos Assimétricos, Interesses Difusos e Conflitos de 4ª Geração”, in Blog – The Eagle View, set.2015, http://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html, visto em 30/11/2017
*4 Pedro, Antonio Fernando Pinheiro: “Populismo, Catarse e Tragédia”, in Blog – The Eagle View, abr.2017, http://www.theeagleview.com.br/2017/04/populismo-catarse-e-tragedia.html, visto em 30/11/2017
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Adorei seu artigo. Como atirar dardos no alvo. Gratíssima.
Obrigado