* Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Expressão do Princípio da Publicidade e da Transparência nos processos de tomada de decisão do licenciamento ambiental, a Audiência Pública é parte integrante da análise do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental, o EIA-RIMA, de empreendimentos complexos ou que impactem ambientes complexos.
A Resolução CONAMA nº 01/86, que disciplina o EIA-RIMA, confere ao órgão ambiental, julgando necessário, promover realização de Audiência Pública
O instituto reproduz a intrínseca conflituosidade dos interesses difusos em causa num licenciamento ambiental. Não é por outro motivo que a Resolução CONAMA nº 09/87, que regula o instituto, embora aprovada naquele ano, ficou no limbo CINCO anos, até ser publicada por um constrangido Governo Federal, às vésperas da Conferência da ONU Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992.
1. Prazos da audiência
Dada ciência do recebimento do EIA/RIMA aos interessados, terão estes prazo de 45 dias para solicitação de audiência.
O prazo mencionado na Resolução 9/87, portanto, é para requerer audiência, conferido a cinquenta ou mais cidadãos, Ministério Público, ONGs e outras entidades públicas.
A autoridade licenciadora também pode designar desde logo a audiência.
Não há prazo entre convocação e realização da audiência pública. Deve haver prazo hábil e razoável para que os interessados possam se organizar, tomar conhecimento do RIMA e comparecer à audiência.
2. Prazo para audiência e recebimento de comentários por escrito
O prazo para receber comentários independe do prazo para a solicitação de audiência pública( §2°, do art. 11, da Resolução CONAMA n° 01/86) e, assim, não pode justificar adiamentos ou inúteis, principalmente quando quem alega não ter tido o prazo razoável para analisar o RIMA é o Ministério Público – o qual, diga-se, apesar de parecer, NÃO é o destinatário da audiência pública, apenas um tutor do interesse difuso em causa.
A ausência de análises ou comentários anteriores à audiência pública também não vincula a realização desta.
3. Natureza da Audiência Pública
A audiência pública não tem caráter deliberativo. Não se trata de passagem bíblica, em que empreendedor e empreendimento são espancados e expostos á turba, visando crucifica-los para permitir outras opções locacionais e tecnológicas, ou mesmo a natureza intacta, seguirem livres seu caminho. Não se confunde com um jogo de vôlei, em que torcidas uniformizadas aplaudem os saques e cortadas do seu “time” e apupam insistentemente o “adversário”. Muito menos se trata de uma Assembleia Sindical, onde “companheiros” sustentam intermináveis considerações, aborrecem os presentes e esvaziam o recinto, para melhor conduzir “votações” e “deliberações” da categoria…
A audiência pública não delibera e nem poderia, caso contrário a Ordem Pública estaria invertida, retirando-se a responsabilidade indelegável da autoridade ambiental, por decidir autorizar ou não o empreendimento.
Não é a quantidade de audiências e a quantidade de presentes em cada uma delas que conta para a legitimidade do ato, mas, sim, a qualidade do ato e das informações obtidas em registro.
4. Abrangência Territorial da Audiência Pública
O órgão licenciador pode fazer mais de uma audiência pública, atendendo à complexidade do tema e localização geográfica dos solicitantes.
O desdobramento de audiências públicas deve se fazer, no entanto, por exceção, não por regra.
É razoável que se proceda a uma audiência pública no local da implantação do projeto, e, eventualmente, outra na área impactada de jurisdição diversa da primeira, face à complexidade do objeto tratado. Não é razoável a repetição de audiências, de forma sistemática, com risco de repetição de intervenções protagonizadas pelos mesmos atores. Isso não atende a finalidade da norma.
Pode ocorrer de um estado federado inserido na área de influência direta ou indireta dos impactos requerer a audiência. Isso já ocorreu e foi inclusive objeto de análise de nosso escritório, no caso da Usina Nuclear de Angra III, quando o estado de São Paulo, por manifestação expressa da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, solicitou ao IBAMA que efetuasse uma audiência em UBATUBA, inserida na área de impacto do empreendimento, situado no Estado do Rio de Janeiro.
O fato não pode conferir, porém, caráter político e retirar o caráter técnico do ato, ainda que se considere o interesse nacional e demandas econômicas em causa.
5. Dinâmica da Audiência Pública
A audiência pública deve ocorrer com a máxima disciplina. As autoridades, em especial, não devem se ater a debates inflamados. As discussões devem resultar em ganho qualitativo para o órgão licenciador num segundo momento.
Recomenda-se, na preparação da audiência, bom entendimento do órgão ambiental com seu próprio “staff” e com o empreendedor. É preciso antecipar conflitos que possam ocorrer no evento, por meio de reuniões com a sociedade civil interessada e autoridades que venham a participar da audiência.
Não raro, questões debatidas na audiência pública revelam má interpretação ou falta de informação, desperdiçando tempo em questões que poderiam ter sido resolvidas anteriormente.
Questões judicializadas devem ser expostas. Porém, o objeto controverso não será esclarecido na audiência pública, afinal, está “sub judice”. Debates intensos a esse respeito só atendem a vaidades pessoais dos agentes interessados e não vincula o espectro da solução do conflito, estranho à audiência.
Autoridades administrativas têm oportunidade de se manifestar por escrito junto ao órgão licenciador (art. 11, §1º, da Resolução CONAMA n°01/86). Assim, podem registrar sua posição sem ferir a ordem hierárquica do sistema ao qual estão jurisdicionadas.
6. Conclusão
Usados esses critérios, a aparente balbúrdia que amedronta empreendedores e autoridades licenciadoras, alimenta interessados em tumultuar e estimula vaidades de todos os matizes ideológicos, poderá ser evitada para conferir à Audiência Pública funcionalidade legal para a qual foi, como instituto importante do Direito Ambiental, implementada: informar e conferir transparência ao licenciamento ambiental e á avaliação de impacto que o integra.
Publicado originalmente no portal Última Instância em 09/04/2013
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.
gostaria de saber uma opiniao eminentemente tecnica de V.S em relacao a se permitir que um aterro sanitario classe IIA e IIB que nao agrega empregos a um determinado municipio venha alterar o seu funcionamento para aterro classe I de residuos perigosos quando em municipio proximo ja existe um industrial em funcionamento.
Resposta enviada por Pinheiro Pedro:
Caro Carlos, A alteração da classificação do aterro deve ser precedida de autorização (licença) do órgão ambiental. Por se tratar de atividade privada, embora possa parecer contraproducente, a somatória de aterro classe I em uma mesma região, em tese, é possível.
Abraço.