Difícil encontrar no Brasil alguém tão identificado com a defesa do consumidor do que o jornalista, advogado e ex-deputado federal Celso Russomano. Além de ser referência no tema, Russomano tem o mérito de ajudar a disseminar por toda a America Latina o Código de Defesa do Consumidor, na verdade um exercício diário de cidadania.
Russomano começou sua carreira como apresentador de televisão em um programa de variedades, até o dia em que se deparou com sua mulher internada em um hospital, vítima de negligência médica. Depois da morte da mulher, usou o espaço que dispunha na televisão e sua formação em Direito para informar a população sobre os direitos do consumidor. Seu programa, com viés popular, foi um sucesso imediato, especialmente na classe “c”, carente de um defensor. Do programa televisivo à Câmara Federal foi um pulo.
No último dia 22 de maio, já como pré-candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo, Russomano decidiu lançar o movimento “#VoltaSacolinha”. A Campanha quer o retorno das sacolas plásticas aos supermercados da cidade, que foram extintas em abril sob o pretexto de proteção ambiental.
Na mesma semana que o ex-deputado lançou sua campanha, o jornal “Folha de S.Paulo” publicou pesquisa de opinião apontando que 69% dos paulistanos entrevistados em supermercados acreditam que os estabelecimentos deveriam voltar a distribuir gratuitamente as sacolas plásticas para o transporte de suas mercadorias. A pesquisa revelou uma mudança na percepção da população, que passou a enxergar no acordo entre a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e o Governo do Estado de São Paulo, que obrigou os supermercados a suspenderem a distribuição dessas embalagens, uma desvantagem para o consumidor, ganhos econômicos para os supermercados e nenhuma vantagem ambiental.
A pesquisa apontou ainda que 43% dos entrevistados acreditam que o principal motivo para o fim das sacolinhas foi o interesse econômico dos supermercadistas e outros 35% acreditam que foi por imposição das autoridades. Apenas para 22% o acordo teve como objetivo a preocupação com o meio ambiente. Em relação ao maior beneficiado com o fim das sacolas, a grande maioria, 64%, afirmou que supermercados são os que mais ganharam com a medida. Somente um terço apontou que o meio ambiente foi beneficiado.
Para turbinar seu movimento, Russomano colocou um site (www.voltasacolinha.com.br) na rede contendo a petição pública a ser encaminhada ao Ministério Público Estadual e ao Procon-SP. seu objetivo é arregimentar o maior número de assinaturas possíveis em favor da volta da embalagem plástica. A campanha também está sendo divulgada nas redes sociais sob a hashtag #VoltaSacolinha. Até o fechamento desta edição, 3.371 pessoas já tinham assinado o manifesto.
Leia a seguir trechos de entrevista concedida pelo ex-parlamentar ao diretor da Ambiente Legal, Fernando Pinheiro Pedro, sobre a prestação de serviço oferecida pelo setor público e, naturalmente, sobre a sacolinha descartável.
Ambiente Legal – Como o senhor avalia o setor público como prestador de serviços ao consumidor?
Celso Russomano – É péssimo. A qualidade da prestação de serviço público é a pior que tem, e a gente fez questão, quando construiu o Código de Defesa do Consumidor, de deixar bem claro que os serviços públicos estão enquadrados na legislação. Tanto que está no artigo terceiro, que estabelece que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, que desenvolva qualquer tipo de prestação de serviço. Também consta no artigo 22 que os serviços públicos por si, como saúde, educação ou segurança pública, prestados por empresas, concessionárias ou permissionárias, são obrigados a prestar serviços adequados, eficientes e seguros. Isto está no texto do Código de Defesa do Consumidor, mas ainda a sociedade como um todo, incluindo o serviço público de uma maneira geral, tem muita dificuldade de entender que o Código de Defesa do Consumidor abrange o setor público. O poder público exige da iniciativa privada tudo. Exige da iniciativa privada acessibilidade para as pessoas com deficiência, exige qualidade na prestação de serviço e exige qualidade no fornecimento do produtor, mas não cumpre nada disso. Não dá acessibilidade e o serviço é de péssima qualidade.
Ambiente Legal – Falta o quê, planejamento?
Celso Russomano – Falta planejar, com certeza absoluta. A média de velocidade do transporte coletivo do ônibus em São Paulo é de 11 km a 13 km por hora. O cidadão não tem transporte coletivo e faltam corredores que precisam ser construídos, mas, o pior não é isso, o pior é a qualidade do transporte coletivo. Os ônibus são montados em cima de chassis de caminhão. Qual a diferença? O montado em cima do chassi de caminhão foi feito para carregar carga e gado. Ele tem mola para levar esses produtos. Uma pessoa indo para casa e voltando todos os dias em um ônibus desse tipo vai ter problema de rim ou de coluna. O problema é de saúde. Como se não bastasse isso, fomos pesquisar e encontramos 65% dos ônibus de São Paulo montados em cima de chassis de caminhão e o resto, monobloco. O monobloco tem mais condição. Ele tem suspensão. A sociedade toda paga a conta por meio do SUS ou da previdência, quando essas pessoas ficam fora do mercado de trabalho porque tem problema de rim ou de coluna.
Ambiente Legal – O senhor compara o transporte público brasileiro ao de gado?
Celso Russomano – Exatamente. Em um país tropical, você não pode ter esse tipo de transporte sem ar-condicionado. Como se não bastasse isso, nos horários de picos eles diminuem a quantidade de ônibus. Deveria aumentar nos horários de pico a quantidade. As pessoas não podem ser transportadas em um ônibus como se estivessem numa latinha de sardinha. Por isso, a população não deixa de usar seu carro para optar pelo transporte coletivo. Por outro lado, a tarifa de táxi é extremamente cara. Temos que reduzir a tarifa para que as pessoas comecem a andar de táxi, como acontece em Nova York, por exemplo, onde você levanta a mão e param três táxis ao seu lado. Lá a tarifa é barata. Temos que tirar o imposto, o ICMS, da parte da prefeitura em cima da gasolina do táxi. Um táxi transporta em média 70 pessoas por dia.
Ambiente Legal – Qual sua opinião sobre inspeção veicular?
Celso Russomano – Sou favorável à inspeção, não sou favorável à cobrança da inspeção, porque a gente já está pagando o IPVA. Então, acho que a inspeção veicular é saudável para todos nós. Por isso que ela existe. O triste da inspeção veicular é o seguinte: primeiro a cobrança da taxa, e, em segundo lugar, a corrupção em cima dela, porque muita gente estava aprovando seu veículo sem levar o carro até a vistoria. Isso é gravíssimo.
Ambiente Legal – E muita gente sendo obrigada e repetir uma vistoria por nada.
Celso Russomano – E as pessoas repetindo a vistoria. Aquelas que levam, repetindo a vistoria. E, aquelas que não levam, ficam andando com o carro totalmente desregulado, cheio de problemas, sem fazer o que de fato deveriam fazer para controlar o meio ambiente. Eu acho assim: a inspeção veicular, se não for cobrada, acaba a corrupção. Ela já está embutida no IPVA, e a parte do IPVA que cabe ao município, a prefeitura vai receber. Agora, quando você começa a cobrar, você começa inserir um contexto no meio, que é a corrupção.
Ambiente Legal – Como o senhor avalia o fim da sacolinha de plástico em São Paulo? Não é, na verdade, um grande dano ao consumidor?
Celso Russomano – Dano ao consumidor existe com certeza absoluta. A sacola está sendo cobrada. Um supermercado médio gastava por ano R$ 50 mil com as sacolinhas. Cobravam isso inserido no preço do alimento. Agora eles tiram do mercado a sacolinha e fica o quê? Fica nada. Alguém viu algum supermercado que baixou o preço porque ele tirou as sacolinhas dos caixas? Ou algum supermercado que está doando esse dinheiro para alguma entidade de caridade? Ou algum supermercado está doando dinheiro para o meio ambiente?
Ambiente Legal – E a contaminação dos alimentos?
Celso Russomano – É escorrer um pouquinho do líquido da carne ou do queijo, dos produtos in natura de uma maneira geral, e vamos ter aí uma quantidade imensa de bactérias contaminando produtos que posteriormente vamos consumir. É uma péssima idéia. Os vereadores foram induzidos ao erro e eu já vi muito disso no Congresso Nacional.
Ambiente Legal – A indústria brasileira não consegue atender a demanda…
Celso Russomano – Não tem sacola plástica e a gente vai ter que embalar o lixo com alguma coisa. Tomei o cuidado de andar nos bairros nobres de São Paulo filmando o lixo das pessoas que tem dinheiro, nos Jardins e no Morumbi, para saber se as pessoas usavam o saco de lixo ou se as pessoas usavam a sacolinha plástica. E pasme, 90% usavam a sacolinha plástica para embalar o lixo. Quanto ao fato de reciclar, estou dizendo o seguinte: muito antes de você usar essa sacola ou ela se destruir no meio ambiente, você está reutilizando ela. Então, é uma forma de reciclagem, porque reciclagem é você pegar o produto servido e transformá-lo em produto servido. O pior disso é o tiro no pé que os supermercadistas deram.
Ambiente Legal – O que fazer agora?
Celso Russomano – Estou fazendo um movimento pela internet para ver se a gente começa a mudar esse quadro e fazer com que os supermercados voltem a respeitar o direito do consumidor.
Ambiente Legal – O senhor acha que o problema de segurança, dentro de uma relação de consumo, é um assunto muito mal tratado por aqui?
Celso Russomano – Sem dúvida. Um amigo me ligou e disse: “acabei de ser assaltado e estava com o Bulgari aqui no braço, o que eu faço? Pedi ajuda a um policial que estava fazendo patrulhando o trânsito e ele falou que não podia sair de onde estava”. Orientei meu amigo a fazer um boletim de ocorrência em uma delegacia. Vamos entrar com uma ação contra a Fazenda Pública. O resultado na Primeira Instância obrigou o Estado a pagar o relógio. Ora, se os serviços públicos estão enquadrados no Código de Defesa do Consumidor, e se eles não tem qualidade e segurança, o Estado que pague a conta. Talvez com um monte, uma demanda de ações, acorde o governador para saber que tem que dar segurança com qualidade.
Ambiente Legal – Mudando de assunto, como foi a aprovação do Código de Defesa do Consumidor do Parlamento Latino Americano?
Celso Russomano – Estava no Parlamento Latino Americano e notei uma dificuldade muito grande dos países da América Latina, que não tinham legislação. Quando a gente começou a trabalhar nisso, em 1996, nem Argentina, Uruguai e Paraguai, que fazem parte do Mercosul, tinham uma legislação consumerista. Um belo dia, depois de várias reuniões do Parlamento Latino Americano (são 22 países que integram o parlamento), estávamos em Guayaquil, no Equador, e já tínhamos passado em reuniões em Cuba, Peru e Chile, com uma dificuldade muito grande de construir um texto para o Código de Defesa do Consumidor do Parlamento Latino Americano. E aí o presidente da comissão disse para mim: “Olha, Celso, você é o que mais conhece aqui. Você não quer presidir a seção?”. A gente já tinha construído o texto, mas não tinha um acordo, não tinha um artigo sequer. Eu disse: “Tá bom, eu assumo. Você pediu para eu assumir e eu assumo”. Eu assumi a presidência e comecei a explicar para os membros de todos os países o que significava cada artigo e porque aquele artigo tinha aquele texto. Tive toda a paciência. Eu disse: “Olha, vamos fazer um negócio? Nós vamos discutindo artigo por artigo. Se tiver artigo que vocês não concordam depois da minha explicação a gente deixa para a próxima reunião” . Eu explicava um artigo e o pessoal aprovava, outro, aprovava e aprovava. Fui fazendo um por um, passando dois dias trabalhando em cima disso. Quando todos menos perceberam, a gente tinha aprovado o Código Latino Americano de Defesa do Consumidor na íntegra, com uma diferença do código brasileiro, que é a obrigatoriedade da colocação de embalagem dos produtos no mercado de consumo, não agredir o meio ambiente, que era um avanço violento que a gente ainda não conseguiu chegar a esse texto na legislação consumerista brasileira. Aí, eu disse: “Declaro aprovado o Código Latino Americano de Defesa do Consumidor”. Todo mundo ficou assustado e me olhando, como aprovado? Depois todo mundo começou a bater palma, porque estava aprovado.