QUEDA DE DILMA ENCERRA O REGIME DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Enfim, a queda!
Em meio às ruínas da ingovernabilidade, Dilma Rousseff bate em retirada do Palácio do Planalto. Sai pela porta dos fundos, seguida pelo aparato de militantes sem rumo e sem causa.
Sai do poder para permanecer no rodapé de página da história.
Não é a apenas o fim do projeto criminoso de poder encetado por um partido de esquerda e seus satélites.
Sob os escombros do lulopetismo, afogados no mar de lama e destruídos pela judicialização absoluta da política nacional, jazem os corpos da Nova República de 1985 e da Constituição de 1988.
Para “encerrar o expediente”, cerrar as portas e apagar a luz, restou o PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro – o porteiro do dia e da noite de todos os arranjos de poder ocorridos no período da Nova República.
Coalização “suicida”…
Mobilizando seu contingente de quadros próprios e emprestados, o Vice-Presidente da República, Michel Temer, desembarca na praia deserta da cidadela em escombros. Terá pela frente a tarefa de implementar um “Plano Marshall” para a reconstrução da economia do país.
Para ocupar o terreno e manter certa governabilidade, no entanto, Temer está condenado a usar o moribundo “presidencialismo de coalização”.
Não será a “volta dos que nunca foram”. Seja pelo clamor popular, seja por uma questão de sobrevivência a médio prazo, Temer terá que induzir o suicídio do presidencialismo de coalização – caso contrário fracassará em sua promessa de iniciar as reformas políticas necessárias à República.
Aliás, essa é a primeira grande dúvida: terá Temer condições de induzir o nefasto sistema fisiológico de coalização a praticar o suicídio?
O dilema é paradoxal. Se resolver eliminar o mecanismo, sem consenso, haverá “ruptura” e, se nada fizer, haverá outra ruptura – e o risco de enorme mobilização eleitoral para enterrar a carreira política de todos os detentores de mandato – ele inclusive.
Fim da Constituição “para colorir”.
Com o fim da “Nova República”, a Constituição Federal de 1988 dará seu último suspiro.
Reduzida a um “Livro de Colorir” nas mãos da pior judicatura da história do país (com as exceções de praxe), a Constituição de 1988 tem servido de “escada” para arroubos cada vez mais descontrolados de um Poder Judiciário intoxicado pelo protagonismo, pelo ativismo e, sobretudo, pelo corporativismo.
A luta intestina observada no Supremo Tribunal Federal, relativa às idas e vindas procedimentais do impeachment, demonstram a dificuldade de manejo desta Carta com propriedades hídricas: “a tudo lava, a tudo leva”.
Teori Zavascki, magistrado do Supremo Tribunal, decidiu liminarmente a última “chicana” do governo Dilma (que pretendia judicializar o já por demais judicializado processo de impeachment).
A decisão foi lapidar:
“Impeachment, como se sabe, não é da competência do poder judiciário, mas do poder legislativo (art. 86 da cf). Sendo assim, não há base constitucional para qualquer intervenção do poder judiciário que, direta ou indiretamente, importe juízo de mérito sobre a ocorrência ou não dos fatos ou sobre a procedência ou não da acusação. O juiz constitucional dessa matéria é o senado federal, que, previamente autorizado pela câmara dos deputados, assume o papel de tribunal de instância definitiva, cuja decisão de mérito é insuscetível de reexame, mesmo pelo supremo tribunal federal. Admitir-se a possibilidade de controle judicial do mérito da deliberação do legislativo pelo poder judiciário significaria transformar em letra morta o art. 86 da constituição federal, que atribui, não ao supremo, mas ao senado federal, autorizado pela câmara dos deputados, a competência para julgar o presidente da república nos crimes de responsabilidade.”
O decidido, no entanto, é prova da obsolescência constitucional. Avançou o sinal e adiantou pronunciamento de mérito justamente por conta do risco da matéria, cristalina, tornar-se subitamente opaca nos debates em plenário.
Essa gangorra só acabará se nova constituição sobrevir. Quem viver, verá.
A ditadura da caneta é o próximo inimigo.
É preciso desconstitucionalizar as medidas banais de saneamento administrativo.
Para tanto, a reengenharia de Estado – essencial para a governança no Brasil, irá enfrentar o pior inimigo: o estamento burocrático.
Não será uma batalha genérica. Será seletiva.
No corpo do Estado, o governo de reconstrução já identificou o câncer: as carreiras jurídicas – diletas filhas da Constituição de 1988 (plena de direitos e vazia de obrigações).
A jurisburocracia será o próximo inimigo.
Inimigo formidável – porque representa o problema e, sem dúvida nenhuma, também fará parte da solução.
Carreiras jurídicas permeiam o Legislativo e o Executivo. Detém o monopólio absoluto do Judiciário.
Donas da caneta, são, porém, responsáveis pelo emperramento da infraestrutura, da saúde, da reforma trabalhista, da reforma previdenciária, do corte de privilégios e do enxugamento da máquina estatal.
Na Nova República, advogados públicos, procuradores, promotores e juízes ganharam autonomia plena. Porém, ao inves de controlar a máquina no varejo, passaram a provocar a judicialização de todas as coisas, no atacado.
Em plena democracia, paradoxalmente, os jurisburocratas instituíram uma ditadura da caneta.
Além de judicializar atos, fatos, pessoas e coisas, a jurisburocracia instituiu o parecerismo – a canetada que trava o que não deve e nunca comparece quando deveria…
A quantidade de privilégios concedidos à jurisburocracia no bojo da administração é inebriante. Assim, malgrado os excelentes profissionais concursados e a excelência do setor em várias atividades, surgiu um vício de postura que é corrente nas carreiras jurídicas de Estado: insensibilidade às pessoas, às crises e às mudanças.
Exemplo terrível dessa insensibilidade é o recente “arresto”, mediante proposituras, pareceres e decisões (que só a elas compete) de valores de fundos ambientais e de saúde, para garantir os próprios salários do judiciário, ministério público e procuradoria cariocas, em prejuízo de todo o funcionalismo, dos aposentados, dos contribuintes e do governo do falido Estado do Rio de Janeiro – o famoso “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Na iminência da crise apertar para todos… essa doença irá progredir e, infelizmente, exemplos similares não faltam em todos os rincões do país.
O problema, claro, não está no profissional e, sim, na falta de controle sobre as profissões jurídicas de Estado.
Assim, para que a Nova República não remanesça vagando pelo Brasil como um zumbi sem rumo, impõe-se o resgate do controle social sobre as instituições de controle do Estado.
Vencida a batalha pelo Palácio do Planalto, o próximo alvo da mobilização da sociedade brasileira pode não ser o Congresso Nacional mas, sim, o Palácio da Justiça…
Leia também:
http://www.theeagleview.com.br/2014/10/ditadura-economica-togada.html
http://www.theeagleview.com.br/2015/12/dilma-afunda-como-o-titanic-no-mar-de.html
http://www.theeagleview.com.br/2016/03/o-desembarque-do-pmdb.html
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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