A advocacia bíblica de Moisés e Jesus
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Na foto acima, as arcadas do Largo de São Francisco. Nesse local, conforme o Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827, foi instalada a primeira Faculdade de Direito. O berço da advocacia no Brasil.
A sociedade política, o Estado e a Justiça Nacional foram construídos nas arcadas, para o bem e para o mal. Nelas formaram-se poetas, romancistas, historiadores, autoridades com investidura, mandatários de cidades, de estados e da nação, mas, todos, sempre e sobretudo, advogados.
Há exemplos do verdadeiro heroísmo da advocacia no Brasil, no mundo e na história.
No entanto, inspirado no fato que a primeira faculdade de direito foi instalada em um antigo convento católico, vou me ater aos dois maiores exemplos bíblicos da advocacia.
De fato, a advocacia é uma profissão bíblica. Está intimamente vinculada à experiência humana com o sagrado, à experiência da crença e do direito às escolhas, ao livre arbítrio e à construção da moral.
Nada disso se fez sem se experienciar a Justiça, dos homens e de Deus. Para tanto, o chamado à defesa das causas nunca se fez, não se faz e não se fará sem enormes sacrifícios.
A advocacia, tal qual na bíblia, parte da ciência de que a atuação na defesa de uma causa, independente da sua significância, exige sacrifícios, resiliência e coragem.
Moisés e Jesus são os grandes exemplos, referências definitivas.
Moisés foi o primeiro advogado de nossa civilização judaico-cristã-muçulmana-ocidental. Sua história é contada na Torá, na Bíblia e no Alcorão.
Sua saga é a saga diária de todo advogado.
O cliente de Moisés – e que cliente, era ELE. Um cliente ocasional, poderoso, impaciente e irascível.
A causa de Moisés era uma causa “impossível”. Complexa, dificílima e que demandaria sacrifício pessoal e habilidades para muito além das leis e costumes locais (a libertação de um povo).
A autoridade frente à qual Moisés iria postular era o Faraó do Egito. Uma autoridade arbitrária, que era tratada como Deus e, portanto, se julgava divina. Poderosa, insensível, arrogante, ameaçadora, escravizadora e que, obviamente, desprezava o insignificante causídico.
Os beneficiários da causa eram os judeus – o povo de Israel, escolhido por Deus, não por suas qualidades, mas por ser, sobretudo obstinado.
Os patrocinados por Moisés formavam uma sociedade beneficiária de uma Justiça que se processava, como de costume, de forma lenta, pendular, burocrática, insondável – e que, claramente, desconfiava das causas, da advocacia e do advogado. Assim, o povo escolhido, cobrava de Moisés, insistentemente, resultados. Desobedecia o seu patrono o tempo todo e jamais, jamais estava satisfeito.
Ao fim e ao cabo, terminado o processo, 50 anos depois, seguiram todos para a terra prometida… menos ele, o advogado.
Moisés, no entanto, morreu orgulhoso do que fizera, ciente da sua dura missão, injustiçado e somente reconhecido perante Deus e a história.
Jesus foi outro exemplo maravilhoso.
Resolveu um conflito traçando os limites entre igreja e Estado (a Cesar o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus). Essa divisão, fosse desde então seguida, não resultaria no conflito que se instala hoje no mesmo local em que sua paixão se produziu, no oriente médio e alhures.
Jesus, certa feita, advogou magnificamente para uma adúltera. Presa em flagrante e devidamente julgada, foi apresentada ao filho de Deus pelos fariseus, como uma armadilha lógica à pregação do rabino que julgavam blasfemo. No entanto, mesmo reconhecendo a vigência da lei e a natureza do fato, Jesus, como bom advogado, clamou pela justiça dos homens, e, dessa forma, evitou a execução da pena vigente à época.
Jesus, definitivamente, não agiu como promotor… Ele corrigiu uma injustiça sem seguir a lei. Exemplo de postulação somente permitida ao Ministério Privado do advogado.
Jesus, no entanto, nunca advogou em causa própria. E, por ser praticante empedernido do direito ao contraditório e advogado do amor divino, foi massacrado pela “opinião pública” e crucificado pelo Estado.
Ambos os exemplos advogaram, mas também atuaram como magistrados e mesmo persecutores – pois essas atividades derivam da advocacia – ressalvada a suprema magistratura do Senhor – que intercede, julga e executa.
Foi assim que a advocacia se instalou na base moral de nossa civilização. É assim que a advocacia permanece – incompreensível, relativizada e, mesmo assim, essencial, até hoje. Principalmente, nesses tempos em que vendilhões do templo, fariseus hipócritas e áulicos subalternos proliferam, em proporções armagedônicas.
De fato, é uma função que se escolhe, e que exige fé.
Advocacia é mesmo para os fortes!
*Antonio Fernando Pinheiro Pedroé advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 11/08/2020 e 2016
Edição: Ana A. Alencar
Oi, por um acaso encontrei está página, só quero agradecer pelo poste. Que Deus lhe abençoe !
Sem palavras. Que texto incrível! Obrigado.