Nos Países Baixos, estão em curso iniciativas para garantir futuro abastecimento alimentar e reduzir emissões de carbono.
Por Suzanne Bearne
Estou na Fazenda do Futuro da Universidade de Wageningen, na Holanda, esperando poder ver robôs e, quem sabe, drones voando sobre a minha cabeça.
Mas, neste belo dia de céu azul, o gerente do projeto, Wijnand Sukkel, olha para os extensos campos em frente ao edifício da universidade, com árvores sem folhas — e, claro, moinhos de vento ao fundo — e aponta para as fileiras de plantações nos campos.
Ele conta que, na Holanda, estes campos seriam normalmente ocupados por uma única cultura, como milho ou trigo.
Aqui em Lelystad, no entanto, eles estão experimentando diferentes métodos agrícolas e um deles é a diversidade de produção.
São oito produtos diferentes cultivados de cada vez, incluindo trigo, cebolas, batatas e feijão-fava.
“Sabemos que a diversidade de produção funciona”, afirma Sukkel.
E eles também usam cobertura vegetal para ajudar a melhorar o solo e a biodiversidade.
“Temos uso mais eficiente da água, menos riscos de doenças causadas por pragas, maior biodiversidade, é melhor para o solo e aumenta a produção”, segundo ele.
A ONU calcula que a população mundial deve atingir cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050.
Por isso, Sukkel e seus colegas estão desenvolvendo sistemas agrícolas sustentáveis que possam garantir o fornecimento de alimentos suficientes para a população global em crescimento — e, paralelamente, eles trabalham para reduzir as emissões de carbono.1
A universidade inaugurou a Fazenda do Futuro quatro anos atrás, após observar o declínio da biodiversidade, causado pelas mudanças climáticas.
“Imaginamos se seria possível projetar um sistema agrícola com alta produção de alimentos e zero uso de combustíveis fósseis, sem os danos causados pelos pesticidas e [que] fosse resistente a fortes chuvas e períodos de seca muito longos”, explica Sukkel.
A Holanda é o segundo maior exportador de produtos agrícolas do mundo – incluindo maquinário e tecnologias na conta.
Somando os produtos animais, calcula-se que suas exportações tenham aumentado em 9,4% no ano de 2021, atingindo um recorde de 104,7 bilhões de euros (cerca de R$ 560 bilhões), segundo a organização Wageningen Economic Research (WUR) e o Instituto Central de Estatísticas da Holanda (CBS).
Mas produzir para um mercado exportador tão grande traz forte pressão sobre o meio ambiente do país. Por isso, Sukkel e sua equipe dedicaram-se à produção sustentável.
“Precisamos regenerar os solos e a biodiversidade”, segundo ele. “Atualmente, o mundo inteiro pratica a produção agrícola uniforme em larga escala, que é muito intensiva e está matando o solo.”
Uma das suas soluções para combater o clima seco foi criar um sistema de drenagem que coleta o excesso de água e o bombeia para o subsolo.
“No inverno, temos água demais”, explica Sukkel. “Agora, toda a água goteja para o solo e é capturada no sistema de drenagem. Temos uma grande bolha d’água embaixo da terra.”
Na Fazenda do Futuro, existem fileiras de flores perenes para garantir a oferta de alimentos e abrigo para os insetos. “Se você colher ou plantar tudo ao mesmo tempo, é a morte ecológica. Eles não conseguem sobreviver.”
A Fazenda do Futuro exibe suas pesquisas e aprendizado para empresas e organizações em todo o mundo. Ela investiu em tecnologia para ajudar a fortalecer sua produção e torná-la mais sustentável — incluindo a tecnologia de reconhecimento de ervas daninhas.
“Em vez de pulverizar tudo com as mesmas doses, a máquina distingue as ervas da planta cultivada e pulveriza um pouco sobre elas”, explica Sukkel.
Mas ele ressalta que os agricultores podem ter dificuldade para investir nessa tecnologia, devido aos seus altos custos.
“Uma das máquinas maiores de colheita de batatas, por exemplo, custa 500 mil euros [cerca de R$ 2,67 milhões] e só é utilizada em quatro semanas por ano.”
O governo holandês também anunciou ações radicais para combater os danos ambientais, que incluem a ambiciosa intenção de cortar suas emissões de nitrogênio pela metade até 2030.
Uma das formas de atingir este objetivo é reduzir a quantidade de animais de criação da Holanda em um terço, o que gerou protestos entre os produtores de todo o país.
Uso de dados e inteligência artificial
Jacob van den Borne faz parte da terceira geração de agricultores da família. Ele produz principalmente batatas, mas também beterraba, trigo e cevada, além de quantidades menores de pastinaca – uma raiz parecida com a mandioquinha – e batata-doce, em 900 hectares de terra no sudoeste da Holanda.
O agricultor vende sua produção no mercado doméstico e também exporta para países como a Inglaterra, Alemanha, Bélgica e França. Ele percebeu que a qualidade do solo estava se deteriorando e começou a investir em uma maior variedade de produtos.
Defensor da agricultura de precisão, Van den Borne recorreu à tecnologia do GPS para medir, analisar e pesquisar seus produtos da forma mais eficiente possível e, assim, poder aumentar a produção.
Ele investiu em tecnologia de varredura do solo, que permite mapear e documentar cada metro quadrado de terreno. “Ela me oferece a capacidade de aumentar o potencial do solo, prever quais são os pontos bons e corrigir os outros”, explica o produtor.
O agricultor também utiliza sensores e infraestrutura de dados. “Gastei cerca de 1 milhão de euros [cerca de R$ 5,3 milhões] neste investimento, mas tenho uma regra — não investir em ‘brinquedos’ novos até que os velhos estejam pagos.”
Van den Borne afirma que um dos seus principais objetivos para o ano que vem será a irrigação em taxa variável, que fornece níveis de água previamente definidos em tempos controlados.
“É a irrigação sob demanda”, explica ele. “Não podemos controlar o clima, mas, na verdade, podemos medi-lo. E, se não houver chuva, podemos acrescentar água.”
O agricultor também investiu pesado na prevenção de doenças.
“Temos diversas estações climáticas observando as condições do tempo e podemos calcular quando a produção poderá ser atacada”, ele conta.
“Nós então fazemos a proteção pouco antes daquele momento. É como usar protetor solar, se você aplicar muito cedo, ainda assim irá se queimar.”
Ele conta que está investindo em inteligência artificial para ajudar a fornecer as respostas no futuro. “Perguntando, por exemplo, se existe um problema no campo, podemos tentar descobrir com IA.”
“Para mim, a fazenda do futuro é tudo questão de dados, inteligência artificial e aprendizado”, resume van den Borne.
O impacto da tecnologia
Meino Smit administra uma fazenda orgânica e elaborou sua tese de PhD sobre a sustentabilidade da agricultura holandesa entre 1950 e 2015. Seu receio é que “a agricultura holandesa, atualmente, não é sustentável”.
Para ele, “a tecnologia tem impacto negativo sobre o meio ambiente. Quanto mais tecnologia você usa, mais ela cria impactos ambientais negativos.”
“As grandes máquinas são muito ruins para o solo e consomem muita energia”, explica Smit.
“A tecnologia não é a solução. Precisamos reduzir o consumo de energia, combinando a tecnologia e a mão de obra.”
Olhando para o futuro, os agricultores entendem que precisam se adaptar melhor às mudanças climáticas, segundo Van den Borne.
“Estamos produzindo com mais eficiência e com menor pegada ecológica. Não é apenas [questão de] quantidade, mas também de qualidade.”
Como muitos outros agricultores, ele também sente a pressão.
“É bastante assustador, mas menos de 1% da população mundial está alimentando todos os demais. É um trabalho muito importante”, conclui o agricultor.
Fonte: G1
Publicação Ambiente Legal, 13/09/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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