Por Danielle Denny*
Neste planeta, apenas 2% da água é adequada ao consumo humano e 20% dela está no Brasil. É um “ouro azul” que precisa ser devidamente valorizado para garantir o uso consciente e viabilizar iniciativas de preservação.
Políticas Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos regulam a outorga do uso desse bem público, adotando uma gestão tripartite, inspirada no sistema francês, a qual prevê sociedade civil, usuários e governos articulados nos comitês de bacias. Muito se avançou desde a década de 1990, quando os primeiros foram criados, mas ainda falta um longo processo para otimizar o gerenciamento.
O principal entrave é o sistema de contas nacionais, o qual, estruturado para medir apenas os fluxos (de produção, consumo, investimentos), ignora o estoque de capital, seja ele antrópico (infraestrutura, máquinas, equipamentos) ou natural (florestas, bacias hidrográficas, biodiversidade).
Em virtude disso, uma mata ciliar devastada para implantação de projetos de pecuária extensiva, por exemplo, gera resultado positivo nas contas nacionais, com o aumento da produção anual ou trimestral de carnes. Mas ignora o valor econômico do capital natural destruído: a qualidade da água, a madeira de lei, a biodiversidade, a bioenergia, o banco genético.
Complementares à contabilidade e aos mecanismos de comando e controle, são necessárias medidas como uma tributação favorável à produção sociambientalmente responsável, corte de subsídios aos produtos poluidores, compras governamentais condicionadas ao atendimento de certos patamares socioambientais, fomento ao mercado de comercialização de créditos de carbono, cobrança pelo uso de recursos naturais, pagamento por serviços ambientais (PSA), entre outros.
E nessas temáticas ainda há muito a avançar, segundo a Agência Nacional de Águas, apenas 20 projetos preveem PSA no país. Uma das causas pode ser a falta de um marco regulatório que preveja formas de remuneração independente do financiamento público para os produtores que conservem nascentes e cursos d’água.
Conforme o “Marco Regulatório sobre Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil”, realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, há predominância de arranjos institucionais públicos, com exceção do Amazonas e do Acre, que preveem a participação de instituição privada para gestão e captação de recursos para os programas de PSA. Em muitos casos há compartilhamento da gestão entre diferentes instituições públicas por meio de comitês, que podem ou não contar com participação da sociedade civil.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o Programa Estadual de Conservação e Revitalização de Recursos Hídricos (Prohidro) foi criado em 1999 e regulamentado em 2011. Estabelece um mecanismo de PSA a ser coordenado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Ele pode receber recursos públicos e privados, mas a precariedade das formas de verificação e monitoramento inviabiliza investimentos.
Empresas privadas e organizações não governamentais podem ser estimuladas a criar, gerir ou fomentar iniciativas de PSA, como fazem espontaneamente a Fundação Amazonas Sustentável que destina a cada produtor cadastrado na ONG cerca de R$ 600,00 por ano e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que premia financeiramente 216 proprietários de 2.088 hectares de áreas naturais, onde estão localizadas 700 nascentes.
Independente da forma adotada para implementação, o importante é precificar urgentemente nosso estoque de recursos naturais, para garantir o equilíbrio autossustentável dos pilares social, econômico e ambiental da economia.
*Danielle Denny é Advogada, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Tributário, pela Coordenadoria de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE – PUC/SP); em Política, pela Universidade de São Paulo (USP) e em Diplomacia Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Comunicação na Contemporaneidade e professora assistente de Ética na Faculdade Cásper Líbero. Atua na área de Direito Ambiental.