Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Centenas de milhões de habitantes sem água
O jornal eletrônico especializado em artigos científicos “Science Advances” publicou estudo onde aponta que cerca de 71% da população mundial, ou seja, 4.3 bilhões de pessoas, vivem sob severa ou moderada escassez de água por um mês a cada ano.
Dessa gente submetida a condições de escassez, 1 bilhão vivem na Índia e 900 milhões vivem na China.
O problema começa no oriente médio, com o pior caso. O Iemen encabeça a lista dos países mais impactados pela seca. Nação árabe que faz fronteira com a Arábia Saudita e Omã, e banhada pelo Mar da Arábia, o Iemen, segundo o estudo, está prestes a ficar totalmente sem água dentro de poucos anos.
Na Ásia, Bangladesh possui 130 milhões de habitantes afetados pela escassez. No Paquistão, são 120 milhões.
A China sofre com problemas relacionados também á poluição dos rios, e anota esforços gigantescos para sanear cursos d’água antes cobertos de lixo, em alguns centros urbanos.
Na Africa, a Nigéria desponta com 110 milhões de habitantes afetados.
O continente americano também sofre. A região oeste dos Estados Unidos possui 130 milhões de habitantes impactados pela seca. No México, são 90 milhões.
A pesquisa também foi divulgada pelo jornal britânico “The Guardian”. O jornal destaca que há de 1,8 bilhão a quase 3 bilhões de pessoas que já estão passando por uma escassez severa de água por pelo menos de 4 a 6 meses ao ano. Marrocos, Líbia, Somália e Jordânia, estão entre os países vulneráveis.
A situação de escassez surpreendeu os pesquisadores. Ela se revelou bem pior do que os estudiosos imaginavam. Isso faz supor que registros anteriores subestimaram dados.
De fato, até a pesquisa agora realizada, a escassez de água era medida e pesquisada ano a ano. Os pesquisadores, decidiram aumentar o foco de sua lente, destacando a rotina diária dos cidadãos nos países pesquisados. A resposta, então, surpreendeu.
O estudo tem efeitos também sobre o Brasil
O Brasil possui 12% da água doce superficial do mundo. Porém, a distribuição do recurso é absolutamente mal feita. Soma-se à má gestão da distribuição o descontrole quanto ao uso do recurso, no que resulta impressionantes cargas de poluição sobre águas superficiárias e subterrâneas.
O triste é que, ao contrário dos países mais impactados, acima destacados, os fatores que determinam a crise de escassez no Brasil não se devem a questões de ordem natural ou escolhas econômicas determinantes mas, sim, de má gestão, incompetência e descaso.
Apesar de possuir um volume considerável de normas legais, órgãos administrativos, autoridades hídricas e de saneamento, tutela judiciária e fiscalização, o Estado brasileiro não implementa sua legislação, não fiscaliza seus fiscais e não controla o que fazem suas autoridades. O resultado é o aumento em larga escala da poluição, da proliferação de doenças, e da ausência de uma política de drenagem urbana conectada com a de gestão de recursos para abastecimento e saneamento, tudo somado ao descontrole territorial quanto à expansão das cidades.
A bacia do Rio Doce, a quinta maior bacia hídrica do país, é outro exemplo do descontrole territorial. Está absolutamente comprometida por conta do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da empresa SAMARCO. E, é fato que já se encontrava em progressivo comprometimento anteriormente ao acidente.
Água, um recurso cada vez menos “renovável”
Assim sendo, “não se trata apenas de diminuir o tempo de banho de cada cidadão”, como ressaltou o professor holandês Arjen Hoekstra, que coordenou a pesquisa.
“O consumo doméstico, em verdade, é responsável por apenas 1 a 4% do gasto de água”, conclui o pesquisador.
No campo das ações humanas, o estudo aponta dois grandes vilões que estão provocando a seca: a agricultura – por conta da irrigação, e o consumo da carne – que se utiliza de 25% de toda a água do mundo.
De fato, é preciso mais de 15 mil litros de água para preparar um quilo de carne bovina, para servir como alimento aos humanos.
Diminuir o consumo de carne vermelha, portanto, não seria apenas uma medida boa para a saúde, como atestou o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas, também, uma medida de economia de recurso hídrico.
Os efeitos da seca no mundo foram tema do Forum Mundial Econômico que aconteceu em Davos, em janeiro, razão do jornal britânico ter desenvolvido a sua matéria.
A escassez de água foi listada como um dos dez maiores impactos que o mundo já vem enfrentando, com consequências desastrosas, inclusive fomentadora de violência. E sobre esse assunto já nos debruçamos neste portal.
Água na origem do conflito sírio
A Síria é um exemplo terrível do acirramento da violência por conta da escassez de água.
A água pode ser considerada pivô da guerra civil na Síria.
Região conhecida como “Crescente Fértil”, onde a humanidade começou a crescer graças à abundância de terras agricultáveis e água, a Síria viveu o horror da seca durante três anos, a partir de 2006/2007.
A consequência direta foi a migração de 1,5 milhão de pessoas das áreas agrícolas para os centros urbanos, em busca de água.
Segundo estudo publicado no site da Academia de Ciências dos Estados Unidos, em 2003, antes do início da seca, a agricultura representava 25% do Produto Interno Bruto sírio. Em 2008, após o inverno mais seco observado no país, essa porcentagem caiu para 17%.
Pequenos e médios agricultores perderam suas safras, o gado morreu à míngua, o país precisou importar trigo pela primeira vez em toda a sua história. O preço dos alimentos mais que dobrou, a desnutrição começou a ser um mal a atingir, sobretudo, as crianças.
A crise sem precedentes, alinhada a uma liderança negligente e sectária, revelou o fracasso do governo para enfrentar a questão com racionalidade e dar soluções ao sofrimento do povo. O resultado foi o conflito, agitação, instabilidade, desemprego, corrupção e aumento da desigualdade em ritmo galopante.
O resto da história, já sabemos…
Ressuscitando Malthus
O estudo do jornal “Science Advances” lista o óbvio aumento da população mundial como fator da escassez de água no planeta.
Nesse ponto, há divergências razoáveis com outros estudos e posições. A pesquisadora alemã Barbara Duden, do Instituto de Estudos da Cultura em Essen, em seu artigo “Population”, publicado no “The Development Dictionary” (Ed. Zeed Books), revela que essa acusação já foi enfrentada e tornada insubsistente.
Durante os anos 50, no pós-guerra, pela primeira vez a superpopulação tornou-se “ameaça iminente” – embora Malthus já apontasse a superpopulação como uma ameaça séculos antes…
“Os estudiosos do crescimento populacional, imbuídos de um discurso desenvolvimentista apontavem que a redução na taxa do crescimento populacional era condição para que os países se desenvolvessem. Altas taxas criariam mais desemprego, aumentariam o número de bocas a serem alimentadas… E assim, acabariam pondo à prova as promessas feitas em nome do desenvolvimento e os políticos pagariam o preço do progresso”, conta a professora Barbara.
Com efeito, o raciocínio não se sustentava. Se os humanos se tornam “o problema crucial do planeta”, quem irá, afinal, dar a solução?
A professora tem razão. A posição, absolutamente biocentrista, beirava e ainda beira o fascismo. Pois transparece dirigismo ideológico em benefício de alguns privilegiados.
A própria Índia desmonta a bobagem malthusiana. O país, que aparece na pesquisa com 1 bilhão de pessoas vivendo sem água pelo menos 1 mês no ano, também surge nos noticiários econômicos como a nação líder em crescimento econômico, por conta da alta recorde, de 7,3%, do PIB. Verdadeiro paradoxo.
Já os Estados Unidos revelam que mesmo países populosos e bem desenvolvidos não estão livres do risco do desabastecimento. E ali conflitos já surgiram, de ordem social, com relação à água.
Portanto, a hora é de os governos efetivamente atentarem para a gestão global do recurso.
fonte:
http://www.cidadessustentaveis.org.br/noticias/novo-estudo-mostra-que-escassez-de-agua-no-planeta-esta-pior-do-que-se-imaginava
https://www.ambientelegal.com.br/quando-a-guerra-de-agua-mata/
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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