Seminário na Câmara com Ministro Sarney, mostra mais do mesmo na Política de Resíduos Sólidos
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Na gestão ambiental de resíduos sólidos, ao que tudo indica, entra governo, sai governo, ocorre a “reciclagem com os mesmos de sempre”… inclusive nos discursos. Senão vejamos:
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho foi um dos participantes de evento na Câmara Federal, patrocinado pela Frente Parlamentar Ambientalista para debater o sexto ano da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/10. O evento ocorreu neste mês de agosto de 2016.
O óbvio ululante
Perante parlamentares, ambientalistas e catadores, o ministro afirmou que sua pasta está revisando a destinação dos recursos de fundos que financiam o meio ambiente, analisando a maneira com que estão sendo gastos nos País.
O objetivo da ação, segundo Sarney Filho, é incluir ou priorizar alocação de recursos para a gestão de resíduos sólidos. Ele também afirmou o compromisso de discutir, no âmbito da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a concessão de emendas parlamentares para a mesma finalidade.
“Nós vamos fazer com que esses recursos dos fundos, que não são orçamentários, possam beneficiar as populações e o meio ambiente de municípios, priorizando aqueles no entorno de unidades de conservação, com ações de ganho socioambiental”, afirmou o ministro.
O “anúncio” revela mais do mesmo. Obviedade “ab ovo” da somatória de esforços anunciados em todos esses anos de quase nenhuma implementação da Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Porém, o Ministro não parou por aí. ainda afirmou solenemente outra grande obviedade:
“Entendemos que grande parte dos municípios brasileiros esbarra em falta de estrutura, recursos e corpo técnico. Mas pelo fato de existir, a legislação já trouxe avanços palpáveis. Agora, é importante que os poderes municipal, estadual e federal possam contribuir e cooperar de forma mais efetiva para a implementação da Política Nacional.”
Sempre os mesmos, do mesmo jeito…
Ora, DESDE O INÍCIO, os municípios foram apontados como os grandes atores da implementação da PNRS e, também, os grande vilões – justamente por conta das carências apontadas pelo Ministro. A outra questão é justamente criar mecanismos práticos e eficazes para viabilizar parcerias entre municípios estados e União.
De fato, enquanto o Projeto de Lei tramitava na Câmara Federal, tive a oportunidade de liderar um consórcio de consultorias que realizou intenso e extenso estudo sobre a gestão dos resíduos sólidos urbanos no Brasil, contratado pelo Banco Mundial, em convênio com a Caixa Econômica Federal.
TODAS essas questões foram abordados no estudo, de tal forma que não apenas alguns artigos da lei foram alterados pela relatoria do PL, após gestões da missão do Banco Mundial, como também a própria Caixa Econômica, estranhamente, “sumiu” com o estudo… justamente porque ele apontava soluções viáveis – Sim, porque soluções viáveis obrigam a instituição a, finalmente, liberar de forma técnica e eficaz os bilhões reservados para financiamento de projetos, fato que retira o componente do favoritismo político na condução do aporte das verbas…
Assim, o governo não resolveu essa questão porque traçou cronogramas inatingíveis e, pior, não quis assumir o protagonismo de fazer uso de instrumentos constitucionais para criar regiões urbanas visando compartilhar e integrar os serviços de saneamento, instituídos pelos parlamentos dos estados, de forma a garantir segurança nos financiamentos e formação de PPPs..
Em suma, nada se fez até agora, porque a União transborda em bla bla blá permanecendo seca nas ações.
Ideologia em favor da perenização da semi-miséria
Outro componente redundante anotado no evento da Câmara Federal foi o ideológico.
O gerente de Resíduos Sólidos do MMA, Eduardo Santos, apontou, dentre vários “avanços” após a implantação da Lei, e as perspectivas “para o futuro”, a muito mal orientada, compreendida e executada inclusão dos catadores de materiais recicláveis na cadeia produtiva do resíduo sólido; a pouco entendida responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduo, além do marco legal para a atividade – a Lei – até agora não implementada como deveria.
As metas para a eliminação de lixões. mais uma vez, foram prometidas. A instituição de instrumentos de planejamento nos níveis nacional, estadual, microrregional, intermunicipal, metropolitano e municipal, de novo, foram aventadas e a necessidade de Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, tornou a ser, pela centésima vez, destacada…
A questão dos catadores, da forma como apresentada no seminário, escancarou o sequestro do governo federal, de Lula a Temer, efetuado pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
Severino Lima Júnior, presidente da entidade de catadores, considerou o catador “o ator principal da cadeia produtiva em questão”. “Há seis anos a gente discutia essa participação e hoje ela está sendo vivida”, destacou.
Com efeito, tanto a “discussão” como a “vivência” continuam do mesmo tamanho. A diferença é a contratação em série de cooperativas Brasil afora, por prefeituras falidas e concessionárias sob imenso risco trabalhista, sem que o volume de insumos reciclados tenha, efetivamente, se ampliado no processo industrial por conta disso. E isso se dá pelo fato dos acordos setoriais serem, todos – com exceção dos processos já consagrados antes da lei (agrotóxicos, óleos e lubrificantes) – absolutamente COSMÉTICOS.
Porém, de acordo com Severino, a atuação dos catadores na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, “ajudou a acabar com a desconfiança com o trabalho da categoria”. “Demonstramos excelência e hoje participamos da economia circular. Investimos em formação, equipamentos, logística. Nosso trabalho hoje é procurado e temos o reconhecimento da população e de dirigentes de órgãos públicos e privados”.
Podem anotar… a Copa foi exceção. O que hoje ocorre nos municípios, com relação à cessão de material e equipamentos, contabilização e demonstração financeira das atividades, riscos trabalhistas na contratação das cooperativas e condições de trabalho em várias delas… ainda dará uma imensa CPI.
O cerne da questão, no entanto, não está na figura do catador e, sim, no desvio de finalidade da lei, que visava a introduzir o catador no processo de gestão dos resíduos sólidos urbanos para, justamente, absorver a mão de obra e retirá-la da condição sub humana em que ela se processava. Nunca foi a intenção da lei PERENIZAR a categoria de catador, muito menos formar cooperativa de cooperados em situação eternamente limítrofe à miséria…
Essa perenização tem caráter absolutamente ideológico, de mobilização política de uma categoria social que serve a determinado discurso – similar ao dos movimentos cooperativados dos sem terra e sem teto. Nenhum desses movimentos pretende resolver a situação que justifica sua própria existência. Vivem da subcondição de trabalho e renda, e do assistencialismo.
A reciclagem só ganhará escala, é fato, quando for industrializada – jamais ocorrerá efetivamente se for estruturada para manter pessoas e famílias em condição de dependência, e em semimanufatura.
Reciclagem do mesmo, para os mesmos
A demagogia demonstrada pelos representantes do executivo federal e movimentos sociais, repetiu-se na fala dos parlamentares.
Para o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), ter como ministro do Meio Ambiente alguém com facilidade e conhecimento do funcionamento do parlamento é um “avanço na interlocução com o governo federal”. Ele destacou que, no sexto ano de implantação, há motivos para comemorar. “O tratamento adequado dos resíduos sólidos é uma questão de saúde pública. Quanto mais lixo tratado, menos leitos de hospitais ocupados. Há ainda um componente econômico que é o valor agregado aos resíduos secos e orgânicos.”
Ricardo Trípoli é um político experiente e um homem inteligente. Com toda certeza não quis criar conflito no evento…
A mesa de abertura do evento contou ainda com a participação do diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, e do presidente do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), Victor Bicca.
O CEMPRE, com todo o respeito devido à sua história, é um verdadeiro atestado vivo do fracasso dos acordos setoriais e da falta de comprometimento da indústria com a reciclagem.
Inserido no acordo setorial das embalagens, o CEMPRE continua a fazer exatamente o que antes fazia, quando a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos não existia. Significa dizer… o compromisso empresarial para a reciclagem continua enxugando gelo – a diferença é que o gelo cresceu, e a arte de enxugá-lo virou discurso…
Leia também:
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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos. Jornalista, é Editor-Chefe do “Portal Ambiente Legal” e, também, edita o Blog “The Eagle View”.
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