Por Fábio Pugliesi*
O discurso de posse foi ponderado na medida em que exorta que se abandonem as divisões nos Estados Unidos, resultantes do questionamento da eleição presidencial, mas demonstra que permanece a legitimidade da ordem jurídica que tutela os direitos dos cidadãos. A posse da vice presidente Kamala Harris foi muito significativa.
Todavia minha atenção foi para outros dois detalhes.
Jennifer Lopez cantou a integridade territorial (“This is your land”) e exortou, em espanhol, por uma “nação de justiça e liberdade para todos nós”. Embora o clima pareça de “show business”, indica uma novidade no ato solene da posse: um país bilíngue (inglês e espanhol) e multicultural e, especialmente, que procura incorporar possivelmente os chamados “imigrantes ilegais” aos Estados Unidos. Talvez traga um novo significado ao clássico “….and justice for all” da Declaração de Direitos.
Menos carismática, mas muito representativa a referência feita pela Senadora Amy Klobuchar (Minnesota), descendente de imigrantes e, também, graduada na Universidade de Yale; portanto integrada à sociedade dos Estados Unidos. Ao invés de “democracia”, referiu-se aos Estados Unidos como “República”. Ademais, como senadora, defende declaradamente o povo de seu Estado no “site” de senadora.
O termo “democracia” que, classicamente, refere o governo do povo sofreu um golpe muito forte.
Pareceu-me bem claro o recado de chamar os Estados Unidos como república, afinal as colunas do Congresso são romanas.
Esperava-se, no já distante início do século XXI, que as redes sociais, notadamente o twitter, repetiria a democracia direta do século de Péricles de Atenas globalmente. O sonho acabou e a Covid-19 encerra possivelmente uma época, a exemplo da “Peste do Egito” no século de Péricles.
Afinal um Presidente dos Estados Unidos utilizou o twitter para divulgar mentiras, que lembravam o (tragicômico) Mussolini. Assim permitiu que a expressão “liberdade de expressão” se desvinculasse dos valores da correspondência com a verdade dos fatos, a clareza e elegância do discurso, aceitando o risco de ser chamado “excludente”, bem como ignorar a necessidade da mensagem para o auditório. Enfim “liberdade de expressão” passou a ser confundida com exibicionismo narcísico.
Não se deve ter ilusões este exibicionismo narcísico não acaba com o ideal de divisão como foi o incêndio de Atlanta na Guerra Civil durante a Presidência de Abraham Lincoln.
Por outro lado, nos Estados Unidos, a União e os Estados têm competências bem delimitadas no mesmo território. Novos Estados podem, em tese, se incorporar à União ou territórios serem comprados, embora Porto Rico permaneça como “Estado associado”.
Como digo, são impressões que podem suscitar hipóteses sobre as possibilidades de compatibilizar a exortação da atriz com a (sutil) declaração de princípios da senadora. Duas mulheres talvez com perspectivas diferentes em um momento em que se deve tomar providências concretas para a igualdade entre os sexos.
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.
Fonte: o próprio autor
Publicação Ambiente Legal, 29/01/2021
Edição: Ana A. Alencar
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