Por Simone Silva Jardim
Por causa do ambiente considerado potencialmente favorável para a criação de uma economia baseada em empreendimentos sustentáveis, o emergente Brasil é país prioritário nos planos de trabalho do World Business Council for Susteinable Development (WBCSD), uma coalizão global com sede na Suiça. A rede tem conselhos atuantes em 58 países, a exemplo do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável).
Criado há 15 anos pelo empreendedor Stephan Schmidheiny, o WBCDS tinha a missão de representar o setor produtivo na Rio-92. Foi além, aliás, muito além desse objetivo inicial. De lá para cá, a rede alçou o desenvolvimento sustentável a item prioritário na agenda de negócios não só das 190 maiores companhias do mundo, mas de outras centenas de milhares de empresas a ele associadas que, juntas, faturam quase US$ 6 trilhões e atendem pelo menos 2 bilhões de clientes por dia. Os pesos-pesados nacionais Aracruz, Companhia Vale do Rio Doce, Suzano e Votorantim são membros do Conselho do WBCSD, número bastante expressivo, considerando que a América Latina soma 10 representantes.
Nesta entrevista exclusiva à Revista Ambiente Legal, o bem humorado Marcel Engel, responsável pela articulação dos conselhos nacionais do WBCDS, especialista em desenvolvimento econômico e mestre pela London Scholl of Economics, fala sobre os temas que mais preocupam líderes empresariais de visão.
Ambiente Legal – Homens e mulheres de negócios com visão de futuro preocupam-se com quais temas relacionados ao desenvolvimento sustentável?
Marcel Engel – As grandes corporações que integram o WBCSD vêem, na atualidade, três temas prioritários: energia e mudanças climáticas, desenvolvimento e pobreza e, finalmente, o papel da empresa na sociedade. Não há hierarquia entre uns e outros, pois o que se almeja é fazer o máximo de conexões entre esses três aspectos para acelerar iniciativas de resultado prático no mais hábil espaço de tempo possível.
AL – Quais os desafios trazidos pelo tema energia e mudanças climáticas?
ME – Temos, basicamente, dois desafios nessa questão. Por um lado, grandes grupos e também pequenos empresários não podem perder de vista como vão abastecer sua demanda por energia num futuro não muito distante. Em países que estão em processo de rápido desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, Rússia e tantos outros, a demanda já supera a oferta. Estima-se que, nos próximos 15 ou 20 anos, a necessidade mundial por energia só será plenamente satisfeita, do ponto de vista estritamente econômico, com a construção de 5 mil novas plantas nucleares de tecnologia sofisticada. Com certeza esse não será o caminho adotado, pois muitos países estão desistindo dessa alternativa em razão dos riscos potenciais e dos acidentes reais de que todos temos notícia.
AL – Então, o sinal está verde para uma arrancada na adoção de fontes alternativas de energia?
ME – Não quero parecer pessimista, mas para abastecer a crescente demanda energética global serão necessários grandes investimentos nos próximos anos. Nesse cenário que exige respostas rápidas, as fontes alternativas estão longe de oferecer a melhor relação custo-benefício. O fato é que a maior parte dessa energia adicional ainda será proveniente de combustíveis fósseis. Projeções da Agência Internacional de Energia apontam que, no futuro, vai diminuir ligeiramente o consumo de petróleo e aumentar o de gás natural. Basicamente as sociedades vão manter o atual estado das coisas, incrementando muito pouco as energias renováveis no curto e médio prazos. O desafio que se põe é que ainda não temos um marco legal e um pacto global colocados em prática por todos os interessados. Só essa medida será capaz de garantir que, até 2050, estaremos estabilizados em níveis de emissões muito abaixo do patamar atual, caindo de 880 partes por milhão para 550 ppm, uma margem de impacto aceitável e que pode evitar conseqüências mais graves.
AL – Na sua opinião, por que há tanta resistência no enfrentamento desse problema?
ME – Um marco legal global adequado necessariamente tem de gerar motivação entre os que vão pagar a conta. Afinal, para atacar o problema, governos e empresas terão de investir muito dinheiro em novas tecnologias, e por um longo período. Por falta do enfoque da motivação, do incentivo, o Protocolo de Kyoto não avança como precisa e deveria. Existem várias iniciativas isoladas por parte dos Estados, mas as metas globais traçadas até 2012 certamente não serão alcançadas. Para investimentos de monta, como os que são necessários para enfrentar as mudanças climáticas, há que se ter um ambiente de segurança. Sistemas de comércio de emissões, o chamado mercado de carbono, como o que está sendo tentado na Europa, ou alianças em prol de energias limpas na Ásia e Pacífico, podem assegurar melhores resultados porque têm essa base de motivação. Mas em se tratando de maximização de resultados, é imprescindível o comprometimento com um acordo global, realmente motivador, com metas claras, real funcionalidade e eficácia. Esse caminho também é mais seguro para o setor produtivo e as sociedades como um todo, pois combate certas distorções, algumas até muito perigosas.
AL – A que fatos o Senhor se refere?
ME – Os Estados Unidos da América não aderiram ao Protocolo de Kyoto, mas internamente estão criando muitos problemas para as empresas. Diversos Estados-membros estão com regulamentações, cada qual com suas exigências, algumas de teor bastante drástico. Na Califórnia, por exemplo, as leis determinam metas muito mais ambiciosas que o Protocolo de Kyoto. No âmbito federal, há outro emaranhado de leis. Por causa dessa situação, que gera instabilidade, os empresários estão liderando um forte movimento para que o país tenha um marco legal nacional.
AL – Hoje, qual é o papel da empresa na sociedade?
ME – No WBCDS estamos tratando de definir, de maneira muito precisa, o que deve ser uma empresa no mundo contemporâneo. Vivemos na era do chamado “Estado mínimo” e, sem dúvida, o grande desafio é definir limites para que as empresas não sejam confundidas com postos de atendimento social. Nesse contexto, lançamos, para uma base de reflexão e trabalho, os documentos Doing business with the poor e Business for Development (somente em inglês e disponíveis para download em <www.wbcds.org>).
AL – As empresas têm dado grandes saltos na direção do desenvolvimento sustentável, enquanto a maioria dos Estados caminham timidamente. O que essa falta de ritmo e sintonia pode acarretar?
ME – Isso tem a ver com a natureza desses entes em praticamente todo mundo. Os governos são muito bons para reagir a crises, com duras intervenções. No outro extremo, apresentam grandes dificuldades de atuar de forma pró-ativa na arrancada do desenvolvimento sustentável. Paises nórdicos criaram, há muito tempo, legislações motivadoras e em sintonia com as diretrizes e metas do desenvolvimento sustentável, além de terem uma burocracia limpa, que dá segurança jurídica para investimentos privados de monta. Nessas nações há que se observar que os incentivos não se confundem com subsídios. Servem, como o próprio nome diz, para incentivar atitudes corretas. Os governantes buscam, ainda, mostrar e internalizar em cada cidadão o valor apropriado e uso econômico da água, da biodiversidade, do ar, da energia, de forma que todos seus usuários tenham uma conduta de responsabilidade e, ao mesmo tempo, possam usufruir, de fato, desses recursos para viver e produzir.
AL – Em que medida iniciativas de superação da pobreza são pertinentes ao planejamento estratégico de uma empresa? Esse não é um papel que cabe exclusivamente aos Estados?
ME – Na visão dos associados do WBCSD é preciso fazer essa conexão, não por filantropia, mas porque isso é estratégico para aumentar o próprio mercado de consumidores. Há Estados, e não são poucos, que têm demonstrado plena incapacidade para superar a pobreza interna. Surpreendentemente exibem bons e até ótimos indicadores de crescimento econômico, mas o nível de pobreza não diminui de maneira substancial. A China é uma feliz exceção e, em geral, nos países da América Latina a disparidade entre ricos e pobres é gritante. Essa situação cria tensões políticas internas, que podem ter resultados negativos para o setor privado. As empresas, por terem capital financeiro e capacidade intelectual, são hoje os principais, senão os únicos atores nessas economias de mercado, que realmente podem cooperar para que as populações mais marginalizadas conquistem capacidade aquisitiva. Uma alternativa que tem se revelado viável é a implementação, pelas grandes companhias, de empreendimentos comunitários, a exemplo de cooperativas de produtores rurais, que passam a ser fornecedores de sua própria cadeia produtiva ou de terceiros. São projetos de excelência, sempre conectados às demandas do mercado e que mudam, de fato, a realidade local para melhor porque fazem crescer o mercado de consumidores. As empresas podem, ainda, garimpar oportunidades nessas comunidades em que atuam, desenvolvendo e provendo, se for o caso, serviços e produtos para esse público de baixa renda. São esses mercados que acenam possibilidades de aumento, real e substancial, no faturamento das companhias, pois a faixa de alto consumo está praticamente saturada. Gerar essa capacidade aquisitiva por meio da promoção e ampliação do consumo local cria um circulo virtuoso, o qual empresários de visão estratégica sabem ter um valor incalculável.