Por Ronaldo Pereira Santos*
A doutrina do meio-termo, do filósofo grego Aristóteles, advoga que a virtude está exatamente no meio. Nem mais nem menos. Infelizmente há pouco equilíbrio (se existe) no debate sério que permeia o manejo do maior patrimônio brasileiro: a Amazônia. Menos ainda com o recente crescimento de 30% no desmatamento neste ano.
Neste breve texto faremos recorte exclusivo ao setor agropecuário, defendendo que o Brasil não precisa escolher entre proteger e produzir. A visão aqui posta, não serve para apressada comparação com a mineração – cuja dinâmica é muito diferente – ou mesmo o ecoturismo (já tratamos deste último aqui).
Pra começo, dada a sua importância, não parece inteligente ficarmos presos em análises que bebam em rasas e simplistas paixões, as mesmas do superado ambientalista versus agropecuarista (recentemente exacerbadas pelo antagonismo embriagado de correntes políticas).
Mesmo assim, e a despeito ainda da grande desesperança, há bastante informação e avanços a concluir que já temos a fórmula do sucesso para ser aplicada ao consolidado ciclo desmate-boi-soja na Amazônia brasileira.
Mas, o que seria o sucesso no manejo da Amazônia?
Em uma frase, diria: manter o desmatamento legal em níveis aceitáveis (próximo de 4.000 km2 ver aqui), perseguir melhores taxas de produtividade por hectare e, finalmente, uma melhor distribuição de renda, na região que é mais pobre do país (como disse Fraga, Arminio, 2019: “PIB não destrava sem redução de desigualdade”). Mas, lembre-se: gerar renda, por si só, não garante o equilíbrio aristotélico.
Na busca deste “equilibrado sucesso”, há pelo menos vinte anos temos aplicado políticas públicas e experimentado fórmulas diversas. O que antes parecia difícil (para muitos até impossível) não o é mais: todos os números mostram que a produção pecuária e a soja (para ficarmos nas commodities mais lucrativas), não dependem de desmatamento para produzir (a produção continuou alta e o desmate caiu a partir de 2004).
Por trás dos números do desmate 2019
Com o baixar da poeira e o natural resfriamento dos ânimos após os primeiros dias quentes de divulgação da crescida no desmatamento 2018/2019, é possível analisar a frieza dos dados. Eles mostram, e até confirmam, tendências e padrões que ajudam a explicar vários fenômenos. E, o que é mais importante, ao fim e ao cabo, são estas análises que ajudam na proposição de medidas efetivas.
Primeiro, já se conhece há anos a geografia do desmate ilegal, quando e onde vai ocorrer. Não há surpresas, novamente. Remédio: manter a antecipação do Comando Controle (C&C).
Segundo, o IPAM calculou que 44% do desmatamento ocorreu em áreas públicas (fora assentamentos). Então, o Estado brasileiro (Estados e União), deve focar em fórmulas para coibir o uso ilegal destas áreas, em especial ferramentas contra a grilagem – que é o vetor conhecido deste fenômeno. Remédio: de novo C&C. Ou seja, a presença do Estado no campo, (é o que o Estados Unidos faz, por exemplo, para proteger suas valiosíssimas terras públicas).
Dito de outra forma – a não ser que existam dados ainda não mostrados para a população brasileira – reduzir o poder das agências fundiárias-ambientais-científicas não parece ser inteligente e, pior, não ajuda nem o setor produtivo, muito menos as políticas ambientais.
Já nas terras particulares – onde se sabe quem é o dono – o desmate é possível, desde que se legal (autorizado pelo órgão estadual. Remédio: uso eficiente do CAR – cujo poder de gestão é talvez ainda subestimado – e agilidade nas autorizações (a Lei Complementar 140 e a nova Lei de liberdade econômica apontam caminhos para casos de morosidade).
A fórmula para produção e proteção ambiental parece quase pronta, mas carece aparar algumas arestas. Por exemplo, entre outros formatos técnicos-legislativos que podem ajudar citamos o zoneamento ecológico-econômico (ZEE). Estes estudos, em formas de mapas, mostram onde é possível e sustentável produzir sem molestar a lei. Com exceções, pouco tem sido utilizado.
Há de se refletir, ainda, sobre a hiperdependência e o protagonismo da fiscalização federal. Bem verdade que é o Brasil (Governo Federal) o signatário de tratados internacionais do clima de da biodiversidade, mas os Estados tem também total interesse na geração de tributos. Afinal, boi e madeira geram altas cifras de impostos.
Por fim, há de se reconhecer que as medidas de Comando-Controle-Incentivo Produtivo empreendidas contra agentes fora da lei, entre os anos de 2008 e 2012, deram resultado e baixaram o desmatamento. E o mais importante: não geraram empecilho ao desenvolvimento.
Mesmo assim (e por isso mesmo) uma nota final: o sentimento de que mais fiscalização é ruim para o produtor cumpridor da lei parece não fazer muito sentido, afinal a fração de maus “agricultores” é pequena e são estes que devem ser combatidos e não o pagador de impostos. Lembramos que os Estados Unidos pararam de comprar nossa carne por problemas na fiscalização sanitária. A fórmula está dada.
*Ronaldo Pereira Santos – Engenheiro Agrônomo. Advogado. Pós graduado em Gestão Ambiental. Pós graduado em Direito Público. Mestre em Florestas Tropicais. É servidor público federal. Professor Voluntário de Direito Ambiental da UFAM. Autor do livro: “Defesas Contra Multas Ambientais: prevenção e estratégias”. Bolsista Visitante na área de Meio Ambiente na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos (2019-2020).
Fonte: Direito Ambiental